CAPÍTULO 2 - Uma casa desconfortável
- AKEMI FTL
- 20 de ago.
- 31 min de leitura
Graças ao pequeno desvio causado pela minha recém-formada “aliança”, voltei para casa mais tarde do que o normal. Enquanto olhava para a placa de identificação gravada com “Tsujikawa”, meu novo sobrenome, destranquei a porta da minha nova casa, sentindo a chave mais pesada do que o normal.
Meu primeiro instinto foi subir as escadas sem ser notado... mas até eu fiz questão de pelo menos mostrar meu rosto na sala de estar.
— Estou em casa.
Minha mãe, sentada à mesa da sala de estar com seu tablet, levantou a cabeça para me cumprimentar. Ela estava ocupada trabalhando em seu manuscrito, como sempre.
— Bem-vindo de volta, Kouta. Obrigado por ter se esforçado tanto.
Junto com minha mãe, para dar as boas-vindas a mim, estava Akihiro Tsujikawa, meu novo padrasto e novo marido de mamãe.
— Bem-vindo de volta, Kouta.
Embora seu trabalho deva mantê-lo ocupado, ele ainda tira um tempo para me cumprimentar assim. Ele realmente é uma boa pessoa.
— Estava prestes a fazer um café para Makiko-san. Você gostaria de um pouco também?
— Oh, hã... não, não. Eu estou bem. Obrigado.
— Tudo bem. Afinal, já está ficando tarde.
Sem mostrar qualquer sinal de ofensa, Akihiro começou a preparar o café para a minha mãe.
— Bem... vou para o meu quarto agora. Boa noite.
— Boa noite. Descanse bem.
Nem ela e nem Akihiro comentaram por que eu me dei ao trabalho de aparecer na sala de estar. Akihiro simplesmente me cumprimentou com um sorriso caloroso enquanto eu subia as escadas.
Ele realmente é uma boa pessoa.
Toda vez que interajo com Akihiro, isso fica dolorosamente claro para mim.
Sou apenas um garoto. Um garoto egoísta e imaturo que não se adaptou, que ainda está fugindo dessa nova família. Não posso deixar de me sentir culpado.
“Por quanto tempo mais você vai continuar me decepcionando?”
— Ugh... droga.
A voz daquele homem passou pela minha mente, uma lembrança intrusiva que ainda não consegui esquecer. Mesmo agora, ela está gravada profundamente em mim. É uma lembrança que não consigo esquecer, não importa o quanto eu tente.
“Maldito bastardo…”
É uma bagunça tão grande. Não consigo chamar o Akihiro, uma pessoa genuinamente gentil, de “pai”, mas ainda chamo aquele bastardo de “pai” em minha mente.
São momentos como esse que me levam a perceber que o conceito de “pai” se enraizou em mim muito mais profundamente do que eu gostaria e que ele ainda permanece em meu coração.
Talvez eu devesse tomar um banho e ir para a cama… Ou talvez eu assista algum dos filmes que Kazemiya me recomendou.
Ela já me enviou algumas sugestões por mensagem de texto. Com essa decisão tomada, corri pelo corredor em direção ao meu quarto.
— Bem-vindo de volta, Nii-san. — A voz me fez parar em meu caminho.
Era de uma garota um ano mais nova que eu. Ela estava vestida com uma roupa de banho de cor clara, com sua pequena estrutura envolta em um tecido macio. Seu cabelo comprido, na altura da cintura, estava impecavelmente arrumado, e seu comportamento tranquilo exalava elegância.
— Ah... sim. Estou em casa, Tsujikawa.
As palavras que eu consegui espremer pareciam erradas no momento em que eu as disse.
Seu nome é Kotomi Tsujikawa, minha meia-irmã. Como seu meio-irmão, eu deveria me dirigir a ela como Kotomi, não pelo sobrenome que compartilhamos. Nenhum irmão chama sua irmã pelo sobrenome, especialmente quando ela tem se esforçado tanto para diminuir a distância entre nós, chegando ao ponto de me chamar de “Nii-san”, apesar de termos sido estranhos até recentemente.
E aqui estou eu, com esse comportamento desajeitado. Ela deve achar isso ridículo.

— Que pena... Se você tivesse me chamado casualmente de ‘Kotomi’, eu teria lhe dado dez pontos de irmãzinha, Nii-san.
Eu não fazia ideia do que significava “pontos de irmãzinha”, mas percebi que essa era a maneira de Kotomi ser atenciosa.
Ela estava tentando aliviar o fardo que pesava sobre mim, um meio-irmão que não conseguia agir como um irmão mais velho adequado e que não tinha se adaptado a fazer parte dessa família. Sua leveza era intencional, isso eu pude perceber… E esse conhecimento me fez sentir ainda mais patético.
Me sinto patético por fazê-la sair de seu caminho para me acomodar dessa forma.
— Você chegou em casa mais tarde do que o normal hoje.
— Desculpe. Estava acompanhando um amigo até a casa dele.
Não perdi tempo e me apoiei na aliança recém-formada como desculpa.
— Um amigo? É o famoso Inumaki-senpai?
— Não, era outro amigo.
— Outro amigo... Será que era uma garota?
Sua pergunta incisiva me pegou desprevenido e minha hesitação deve ter transparecido em meu rosto. Os lábios de Kotomi se curvaram em um sorriso malicioso e brincalhão.
— Hehe. Será que perguntei algo que você não esperava? Bem, nesse caso, faz sentido que você esteja atrasado.
— Eu já disse, é só uma amiga. Não é o tipo de relacionamento que você está imaginando.
— Entendi. Vou acreditar na sua palavra e não vou contar nada para a mamãe e o papai. Tanta discrição com meu querido irmão... isso vale dez pontos de irmãzinha, você não acha?
Mesmo fazendo o papel de irmã mais nova provocadora, Kotomi deu uma breve olhada para as escadas que levavam até onde estavam mamãe e Akihiro.
— Eu entendo, mas tente, pelo menos, enviar uma mensagem da próxima vez. A mãe estava preocupada com você.
Mãe, né? A Kotomi é incrível, de verdade.
Eu nem sequer consegui chamar o Akihiro de “pai” na cara dele e, ainda assim, aqui está ela usando “mãe” sem esforço. Isso só fez com que minhas próprias falhas e culpa borbulhassem dentro de mim.
— Desculpe. Vou ser mais cuidadoso.
— Essa é uma boa ideia. Por ser tão receptivo à repreensão de sua irmãzinha, vou lhe dar cinco pontos de irmãzinha.
Com isso, Kotomi se virou e voltou para seu quarto.
— Nii-san. Entendo como você se sente, mas para o bem da mãe e do pai, mesmo que seja só um pouco, por favor, tente ficar em casa. Uma “família normal” é aquela em que todos estão juntos.
Não consegui responder às palavras da Kotomi. Hesitei em fazer uma promessa que não me sentia capaz de cumprir. Kotomi provavelmente também não esperava uma resposta. Ela não disse mais nada enquanto sua porta se fechava silenciosamente atrás dela.
Parecia que eu tinha acabado de terminar uma luta exaustiva contra um chefe. Respirando aliviado, voltei para o meu próprio quarto. Ao me acomodar, um pensamento me ocorreu.
Eu havia esbarrado com a Kotomi no corredor. Isso significa que ela estava planejando descer as escadas? Então, para começar, o que ela estava fazendo ao sair do quarto?
Esse pequeno mistério permaneceu enquanto a noite chegava ao fim.
☆
Na manhã seguinte, quando entrei na sala de estar depois de lavar o rosto, um aroma refinado que combinava perfeitamente com o ar fresco da manhã me cumprimentou.
— Bom dia, Kouta-kun.
— Bom dia.
Muito bem…
COTA DE INTERAÇÃO MATINAL:ATINGIDA.
Pensar nisso como uma “cota” faz com que eu me odeie um pouco.
— Bom dia, Kouta. Vamos lá, sente-se à mesa. A Kotomi fez o café da manhã para nós hoje de novo.
Na mesa havia uma porção de arroz branco, salmão grelhado com molho de soja, sopa de missô e acompanhamentos como verduras komatsuna… Um exemplo clássico de um café da manhã japonês.
Quando éramos apenas minha mãe e eu, o café da manhã era geralmente uma torrada. O trabalho dela geralmente a mantinha acordada até tarde, então nossas manhãs eram rápidas e simples.
Não que eu esteja reclamando, eu só não queria que ela gastasse tempo extra comigo.
Mas agora, com cafés da manhã tão elaborados, não posso deixar de me sentir um pouco surpreso todas as vezes.
— Obrigado pela refeição.
Me sentei e comi com gratidão.
— Ah, isso é tão bom. Tenho muita sorte de tomar um café da manhã como este todos os dias.
— Obrigada, mãe. Há algo de que você não goste?
— Não, de jeito nenhum. Tudo o que a Kotomi faz é delicioso. Não é, Kouta?
— Oh, hã... Sim, está tudo muito bom.
— Isso é um alívio. ...Sinceramente, o papai deveria seguir o exemplo de vocês dois. Ainda não consegue comer pimentão verde? Sério?
— Ugh... Mas eles são amargos! Não consigo evitar.
— Você não é mais uma criança.
— Pois é, né?
Para alguém de fora, isso provavelmente parecia uma cena de vida familiar harmoniosa.
Mas eu sei que não é bem assim. Essa conversa animada se aproxima cuidadosamente de certos tópicos. É como navegar em um campo minado, evitando os perigos visíveis, e eu sei muito bem que fui eu quem colocou esse campo minado, o que só aumenta minha culpa e desconforto.
— A propósito, Kotomi, você já se acostumou com o ensino médio?
— Sim, sem problemas até agora.
— Você não está em nenhum clube, está? Não se prenda se houver algo que você queira experimentar.
— Fui convidado a participar de alguns, mas... Ainda estou indecisa. Só que eu quero tentar alguma coisa.
— Entendo. Não tenha pressa em decidir. Tenho certeza de que não importa o que você faça, você será óti—
As palavras de mamãe foram subitamente interrompidas. Sua expressão congelou, como se ela tivesse pisado acidentalmente em uma daquelas minas.
— É isso mesmo. Kotomi, seja qual for a sua escolha, tenho certeza de que você será excelente. Não precisa se apressar, apenas tome seu tempo e decida o que quer.
Eu me perguntava se minhas palavras tinham conseguido preencher suavemente a lacuna onde mamãe vacilou. Não era algo que eu pudesse perguntar diretamente.
— Obrigado pela refeição.
Terminando o café da manhã cuidadosamente preparado de uma só vez, rapidamente arrumei meus pratos.
— Bem, estou indo embora. Vejo vocês mais tarde.
—Oh, se cuidem.
Pegando minha bolsa, saí de casa. Era muito mais cedo do que meu horário habitual de ir para a escola, mas eu não tinha escolha.
Eu não pertencia àquele ambiente familiar alegre. Eu estava apenas atrapalhando.
☆
Para simplificar, eu era o filho que não conseguia corresponder às expectativas do pai.
Nos esportes ou nos estudos, não havia uma única área em que eu atingisse os padrões que meu pai considerava aceitáveis e isso acabou sendo o motivo do divórcio de meus pais.
E agora, o novo marido da minha mãe, Akihiro Tsujikawa, tem Kotomi Tsujikawa, a filha perfeita, ao seu lado.
Um fracassado como eu e uma meia-irmã impecável.
Nunca foi dito explicitamente, mas posso dizer que, quando minha mãe se casou novamente com Akihiro-san e trouxe Kotomi, essa garota perfeita, para a família, ela deve ter decidido silenciosamente seguir um conjunto de regras não ditas.
Regras para evitar tocar em assuntos que pudessem me lembrar de ter sido descartado pelo meu pai por ser um fracasso.
Por exemplo, nunca comparar o irmão e a irmã.
Por exemplo, não elogiar excessivamente a excelência da irmã.
Por exemplo, abster-se de discutir habilidades individuais.
Ao interagir comigo, esses assuntos são tratados como tabu. É claro que tenho certeza de que os detalhes do divórcio também foram compartilhados com Akihiro-san.
Essa é a maneira de minha mãe ser atenciosa, um livro de regras para navegar em nossa nova dinâmica familiar, mas essas regras inevitavelmente limitam os elogios que Kotomi merece como a pessoa extraordinária que ela é.
É um equilíbrio complicado lidar com o fracasso de um filho e uma meia-irmã brilhante como o pai. E ainda assim... essa consideração cuidadosamente medida é algo que não posso deixar de notar.
A consciência de que estou sendo contornado só torna a presença ali mais desconfortável, mas a culpa não é da minha mãe, nem do Akihiro-san e certamente não é culpa da Kotomi.
Então, de quem é a culpa? Isso é óbvio. É minha culpa, Narumi Kouta, o fracasso. Quem está arruinando a harmonia dessa nova família não é outro senão eu.
— É exatamente por isso que me sinto tão deslocado... naquela casa.
☆
Fugindo do sufocante momento familiar matinal, fui para a escola, mas percebi algo no intervalo do almoço.
— Droga! Eu esqueci de comprar o almoço.
Normalmente, compro o almoço em uma loja de conveniência no caminho para a escola, mas hoje eu estava tão preocupado em escapar do desconforto daquela casa que me esqueci completamente.
— Ah, é mesmo? Então, o que você vai fazer? Quer ir para a cafeteria?
— Provavelmente já deve estar lotado... Vou pegar um pão na loja da escola.
— Então acho que vou junto!
— Você tem seu bento, não tem?
— Claro, mas ainda vou comer. Só quero pegar algo para o lanche da tarde também.
— Há um lanche da manhã também?
— Esta manhã foi baumkuchen. Daqueles que se vendem na loja de conveniência perto da escola, os ovos são tão doces e deliciosos.
— Então era isso que você estava comendo durante a aula.
Bem, como um garoto do ensino médio em seu auge, eu podia entender o desejo ocasional.
— Vou pegar um suco enquanto faço isso. Acho que eles têm uma edição limitada em estoque.
— Ah, aquele refrigerante de cenoura? Você é um grande aventureiro.
— Exatamente. Não parece intrigante? E você, Kouta? Refrigerante de melão como sempre?
— Não sou tão ousado quanto você. Além disso, é raro encontrar uma máquina de venda automática que tenha refrigerante de melão. Você tem que saborear quando puder.
Depois de conseguir meu pão para o almoço e o refrigerante de melão, voltamos para a sala de aula sem demora.
— Hã? O que está acontecendo ali?
Quando voltei para o meu assento com o pão na mão, pronto para desfrutar de uma pausa para o almoço um pouco mais tarde, notei um burburinho incomum de atividade na sala de aula.
— Muito bem! Vamos fazer uma reunião da turma nesta sexta-feira!
A voz no centro de tudo era de um garoto, Sawada. Sua declaração enérgica foi recebida com aplausos entusiasmados dos colegas de classe ao seu redor.
Nome completo: Sawada Takeru.
Ele tinha mais de 170 cm de altura, com uma aparência fresca e de verão que gritava “príncipe”. Sua presença, por si só, exalava uma aura que naturalmente evocava a imagem da realeza. Além de ser o craque do time de basquete da nossa escola, ele também era um aluno de alto nível, admirado por professores e alunos.
Em todos os sentidos opostos ao de Kazemiya, Sawada era o príncipe da escola por excelência, conhecido até mesmo por alguém como eu, que tendia a ficar de fora quando se tratava de fofocas.
— Uma reunião da turma, não é? Não tivemos uma no ano passado, tivemos?
— O que é uma reunião da turma?
— É como uma reunião em que comemos lanches, saímos juntos e nos divertimos. Com tantas pessoas, provavelmente será um karaokê ou algo assim.
Então, basicamente, é uma festa.
Um evento apropriado para o príncipe da casta superior desfrutar.
A julgar pela situação, parece que essa foi uma decisão tomada no calor do momento. O forte contraste de iniciativa era um pouco intimidador.
— Muito bem, quem quiser participar, basta enviar uma mensagem para o grupo da turma!
Os detalhes sobre a festa da turma encheram rapidamente o bate-papo do grupo quando as pessoas começaram a confirmar sua presença, uma após a outra.
— Kouta, você vai? Você não tem trabalho nesse dia, não é?
— Eu passo. Tirei o dia de folga para ficar em casa. Tenho que reservar um tempo como esse de vez em quando para o bem da minha mãe.
Mais importante ainda, depois do que aconteceu hoje de manhã, eu precisava tranquilizá-la um pouco...
Com esse pensamento em mente, enviei uma mensagem rápida ao grupo para confirmar que não estaria presente.
— Acho que não vou também.
— Você deveria ir. Não é você que gosta de coisas como essa?
— Gosto, mas já fui convidado por outros amigos para o mesmo dia. Eu estava pensando em qual participar, mas se você não vai, eu poderia sair com o outro grupo. Amplia minhas opções, sabe?
Graças à influência do príncipe, quase todos na classe, exceto eu e Natsuki, pareciam ansiosos para participar do evento.
— Kazemiya.
No momento em que Sawada chamou o nome dela, a atmosfera animada ao nosso redor parou momentaneamente, depois se intensificou quando todos os olhos se concentravam nos dois.
O olhar em seus olhos - não havia como confundir… Era de curiosidade.
— O quê?
Kazemiya tirou os fones de ouvido brancos e prateados e se virou para Sawada, que havia se aproximado de seu assento. Agora eu podia dizer, a tela lateral do smartphone que ela estava olhando estava passando um filme.
— Vamos fazer uma reunião da turma depois da escola na sexta-feira. Quer se juntar a nós?
— Não estou interessada.
A resposta de Kazemiya foi surpreendentemente direta, cortando o convite com uma precisão gelada.
Mesmo uma oferta do príncipe da escola tinha pouco apelo para ela.
— Desculpe pelo aviso repentino. Você já tinha planos?
— Não é da sua conta.
Seu tom não era apenas maldoso, era zero absoluto. A resposta fria pareceu despertar um ressentimento sutil entre alguns dos admiradores de Sawada na classe.
— Entendi. Então vou marcá-la como não comparecimento. Mas uma última coisa. Poderia compartilhar suas informações de contato? Seria útil ter todos no grupo para eventos como esse.
Agora que ele mencionou isso, havia 34 membros no bate-papo em grupo, um a menos do que o número total de alunos da sala 2-d.
O membro que faltava não era outro senão Kazemiya Kohaku.
Talvez sua ausência do grupo fosse a maneira de evitar perguntas intrusivas sobre sua famosa irmã mais velha.
— Eu já recusei.
— Achei que você tivesse mudado de ideia.
— Não mudei.
— Então, que tal apenas trocar contatos comigo? Se as notificações de grupo te incomodam, posso atuar como seu ponto de contato. Dessa forma, você pode me avisar diretamente se decidir participar da próxima vez.
Impressionante…
Não pude deixar de aplaudir silenciosamente sua estratégia bem pensada. Ele provavelmente havia previsto a recusa dela e ajustado sua proposta de acordo com isso, apresentando um benefício para ela e mantendo as coisas simples.
— Não, obrigada. Para começar, não estou interessado em nada disso.
Mas mesmo isso não foi suficiente para convencer Kazemiya. Para alguém como ela, que provavelmente lidava com pessoas que tentavam usá-la para se relacionar com sua irmã, manter seu círculo pequeno era uma questão de autopreservação.
— Entendi. Se você mudar de ideia, sinta-se à vontade para me avisar a qualquer momento.
— Claro, obrigada por isso.
Sem quebrar seu comportamento frio, Kazemiya terminou sua conversa com Sawada. Nem mesmo o príncipe da escola e herói dos segundos anos conseguiu conquistá-la. Kazemiya Kohaku era realmente formidável.
— O que há com ela... agindo de forma arrogante e poderosa?
— Depois que o Sawada-kun se esforçou para convidá-la também.
— Acha que ela está se enchendo de orgulho porque sua irmã é famosa?
— Isso é totalmente possível. Quero dizer, é Kazemiya, afinal de contas.
— Deve ser bom ser a irmã mais nova de alguém famoso. Você pode fazer o que quiser.
Embora suas vozes estivessem um pouco abafadas, o volume de seus sussurros ainda era alto o suficiente para que todos pudessem ouvir. Era como se eles não se importassem se ela os ouviria ou não.
No espaço fechado da sala de aula, a fofoca deles era excepcionalmente bem transmitida.
A própria Kazemiya já havia colocado os fones de ouvido de volta, retirando-se para o mundo de seu filme, mas até mesmo isso parecia incomodá-los. Os olhares dirigidos a ela eram visivelmente afiados e tingidos de ressentimento.
Provavelmente, essa é a maneira de Kazemiya se proteger.
Ao manter todos à distância, rejeitando-os completamente, ela suportava as fofocas e passava o tempo sozinha. Esse tipo de força, a capacidade de escolher a solidão, parecia quase deslumbrante para mim.
— . . .
Enquanto mastigava meu pão, peguei meu celular e abri o aplicativo de mensagens.
Na minha não tão longa lista de contatos, um nome se destacou: “KOHAKU”.
A conta tinha um gato branco como ícone. Toquei nele e abri o bate-papo.
KOUTA: TEM CERTEZA QUE NÃO QUERIA CONTATO DELE?
O que estou fazendo? Isso não é da minha conta.
Eu me arrependi de ter enviado a mensagem quase imediatamente e estava prestes a excluí-la quando...
KOHAKU: DE JEITO NENHUM.
A resposta dela veio antes que eu pudesse apagar minhas palavras. Eu meio que esperava que ela me repreendesse por me intrometer, mas sua resposta foi surpreendentemente neutra.
KOUTA: NÃO SERIA MAIS FÁCIL COMPARTILHAR SUAS INFORMAÇÕES DE CONTATO? NÃO PRECISARIA FICAR PERGUNTANDO SOBRE ISSO.
KOHAKU: COMPARTILHAR DARIA MAIS TRABALHO DO QUE VALE A PENA.
KOHAKU: ALÉM DISSO, AS OUTRAS GAROTAS FICARIAM COM INVEJA SEM MOTIVO.
KOHAKU: SE EU ENTRASSE PARA O GRUPO DA TURMA, RECEBERIA UMA ENXURRADA DE PEDIDOS.
KOHAKU: SE EU REJEITAR, AS PESSOAS FICARIAM CONTRA MIM. SE EU ACEITAR, TEREI QUE LIDAR COM MENSAGENS INTERMINÁVEIS.
KOUTA: ENTÃO, NÃO IMPORTA O QUE VOCÊ FAÇA, É UMA SITUAÇÃO DE PERDA.
KOHAKU: BASICAMENTE.
KOHAKU: E, ALÉM DISSO, SE EU ME ENVOLVER DEMAIS...
KOHAKU: POSSO ACABAR SENDO ENCURRALADA EM UMA SITUAÇÃO DE “CASAL” SEM PERCEBER.
KOHAKU: ENTÃO, QUANDO EU RECUSAR O CARA, VOU ACABAR SENDO A VILÃ.
Será que algo assim já havia acontecido com ela antes?
Dada a sua aparência, impressionante o suficiente para ser confundida com um ídolo, não seria surpreendente se ela tivesse lidado com esses problemas no passado. Para ela, cortar os laços desde o início provavelmente parecia ser a solução mais fácil.
KOUTA: DESCULPE PELA MENSAGEM ALEATÓRIA. FOI MAL.
KOHAKU: NÃO TEM PROBLEMA, JÁ QUE É VOCÊ.
KOHAKU: NÃO ESTOU PLANEJANDO DAR MINHAS INFORMAÇÕES DE CONTATO PARA MAIS NINGUÉM.
Espere, tudo bem porque sou eu? Que tipo de critério é esse?
KOUTA: POR CAUSA DA NOSSA ALIANÇA?
KOHAKU: POR CAUSA DA NOSSA ALIANÇA.
KOHAKU: E...
KOHAKU: FALAR COM VOCÊ É DIVERTIDO.
Falar com ela também é divertido para mim.
Digitei as palavras, mas as apaguei antes de clicar em enviar. Dizer isso abertamente parecia muito embaraçoso. Em vez disso, enviei a ela uma figurinha aleatória com um personagem de gato para disfarçar meus sentimentos.
KOHAKU: O QUE HÁ COM ESSA FIGURINHA?
KOHAKU: ESPERE.
KOHAKU: É MUITO FOFO!
KOUTA: CALMA.
KOHAKU: TAMBÉM ESTOU COMPRANDO.
Depois de uma breve pausa, chegou uma figurinha. Deve ter sido o que ela acabou de comprar.
KOUTA: QUE RÁPIDO.
KOUTA: ISSO É PORQUE VOCÊ GOSTA MUITO DE GATOS?
KOHAKU: SIM!
KOUTA: PARE DE SPAMAR ELES!
KOHAKU: NÃO!
As figurinhas vinham em rápida sucessão. Ela parecia ter gostado bastante disso.
“Por que não trocar informações de contato já que estamos nisso?”
Aquela conversa de ontem à noite se repetiu em minha mente.
Pensando nisso, Kazemiya foi quem sugeriu a troca de informações de contato, algo que nem mesmo Sawada conseguiu.
— …ta
Essa era a maneira dela de me reconhecer como um aliado digno?
— Ko…
O fato de eu ter algo que o príncipe do segundo ano não poderia obter fez com que meu telefone, com apenas um ano de idade, ficasse mais quente em minhas mãos.
KOHAKU: ALGUÉM ESTÁ CHAMANDO VOCÊ HÁ ALGUM TEMPO.
Apareceu uma nova mensagem da Kazemiya.
Me chamando? Quem?
— Kouta!
— Hã? Natsuki?
— Sim, eu. Estou te chamando tem um tempão, mas você não responde.
Natsuki fez beicinho, inflando as bochechas. Mesmo esse pequeno gesto tinha um charme estranho quando ele fazia.
— Ah, desculpe. Eu estava distraído com meu telefone e não percebi.
— Sim, você parecia tá no mundo da lua. Nem sequer ouviu minha voz.
— Eu já pedi desculpas. Então, o que estava tentando dizer?
— Isto.
Natsuki tirou da bolsa o que pareciam ser ingressos de pré-venda, dois deles, para ser mais preciso.
— Você mencionou que estava interessado nesse filme antes, certo? Um amigo me deu alguns, então você pode ficar com eles.
— Obrigado… mas tem certeza? Não está planejando ver o filme?
— Eu tenho os meus. É só que meu amigo me deu muitos, então eu não sabia o que fazer com todos eles. Ter vários amigos na indústria cinematográfica às vezes é difícil, sabe?
— Você está em outro patamar, cara.
Não apenas estudantes, mas agora até adultos que trabalham no setor cinematográfico? Que tipo de contatos ele tinha?
— Quer ir ver o filme junto comigo?
— É uma oferta tentadora, mas vou recusar desta vez.
— Isso é raro... Geralmente é você quem me convida pra tudo.
— Sim, mas achei que você deveria convidar seu novo amigo.
— O quê!?
— Você está se perguntando como eu sabia? Por favor, é óbvio. Eu te conheço há anos, Kouta. Vendo você sorrindo para o seu telefone dessa forma, fica claro que você fez um novo amigo.
Instintivamente, toquei minha bochecha.
Será que eu realmente sou tão fácil de ler?
— Era tão óbvio assim que eu estava me divertindo?
— Totalmente.
Natsuki tinha uma intuição aguçada às vezes. Eu gostaria de pensar que não era apenas eu sendo excessivamente expressivo.
— Sabe, isso me deixa feliz. Você não tem muitos amigos, então ver seu círculo social crescer é um alívio.
— Desculpe por não ser tão popular…
— Não, estou falando sério. Estou genuinamente feliz por você. Você encontrou um novo lugar para pertencer, uma pausa em sua difícil vida doméstica. Mesmo que não seja comigo, estou feliz por você.
Aparentemente, eu havia deixado Natsuki mais preocupado do que imaginava.
— Obrigado, Natsuki.
— De nada. Divirta-se.
Os ingressos que Natsuki me deu eram para um filme sobre basquete que eu estava curioso para ver. O hype nas redes sociais era grande e a premissa parecia interessante.
Ah, sim, esse filme não fazia parte de uma série? A lista de recomendações da Kazemiya incluía um dos filmes anteriores. Talvez eu assista a esse quando chegar em casa para me atualizar antes de ver o novo.
Dobrei cuidadosamente os ingressos e os coloquei atrás da capa do meu celular.
Só o fato de segurar aqueles dois pequenos pedaços de papel já me deixava mais ansioso do que o normal para ir à escola.
☆
Como de costume, depois de terminar meu trabalho de meio período, fui direto para o flowers. Antes do meu turno, recebi uma mensagem de Kazemiya junto de uma das figurinhas de gato que ela adquiriu recentemente.
KOHAKU: VOU INDO NA FRENTE
Quando cheguei, a equipe me guiou até o local de costume, mas hoje foi diferente. Ao examinar a área familiar dentro do restaurante, eu a vi.
Lá estava ela, com seu cabelo dourado deslumbrante iluminando a luz, sentada com seus fones de ouvido brancos e prateados enquanto assistia a um filme em seu smartphone. Sua aparência era chamativa, mas, de alguma forma, apenas sentada ali, ela parecia perfeita.
Isso era apenas Kazemiya.
— Oh, você está aqui.
— Sim, eu cheguei.
Kazemiya e eu só nos demos bem ontem. Não éramos amigos íntimos ou algo do gênero. Na verdade, éramos estranhos até então, portanto, eu não tinha certeza de como abordá-la.
O tom, a vibração, ou como queira chamar, de nossas interações ainda não me pareciam familiares.
— Por que você está aí parado?
— Bem, enviar mensagens de texto é uma coisa, mas agora que estamos cara a cara, eu não tinha certeza de como agir.
— Sim, eu entendo isso.
Aparentemente, Kazemiya estava se sentindo da mesma forma. Acho que realmente estávamos na mesma sintonia de maneiras inesperadas.
— Não vamos pensar demais nisso. É melhor mantermos as coisas informais. Não vale a pena se estressar com isso, certo?
A nuance de suas palavras não passou despercebida por mim. Ela estava insinuando o fato de que nós dois já tínhamos muito com que lidar em casa sem acrescentar tensão desnecessária aqui.
— É verdade. Se não conseguirmos relaxar aqui, vamos nos esgotar.
— Exatamente. Afinal de contas, somos aliados. Se um de nós acabar exausto, o objetivo não será alcançado.
Acenando com a cabeça em concordância, abri o cardápio.
— Ah, uma promoção com tema de uva por tempo limitado, hein.
— Você gosta de uvas?
— Elas são boas. Mas, em geral, eu me limito a alternar entre o cardápio regular. Itens por tempo limitado são uma boa maneira de misturar as coisas.
— Sim, comer a mesma coisa o tempo todo é chato.
— Para ser justo, o fato de virmos aqui com frequência suficiente para que isso aconteça pode ser parte do problema... De qualquer forma, é uma sobremesa, portanto, vou deixá-la para depois do jantar. Por enquanto, acho que vou optar por macarrão hoje à noite.
Depois de adicionar o refil de refrigerante ao meu pedido, enchi meu copo com refrigerante de melão e voltei para a mesa.
— Você sempre começa com isso. É algum tipo de regra pessoal?
— Espera, sério? Eu nem percebi...
— Haha. Você não percebeu? O quanto você gosta de refrigerante de melão?
Vê-la rir assim a fez parecer muito mais suave do que a impressão que dava na sala de aula. Será que eu estava sendo influenciado com muita facilidade?
— E você, Kazemiya? O que gosta de beber?
— Um pouco de tudo. Mas acho que o que eu mais bebo é chá.
— Não é fã de café?
— Não é que eu não goste. Eu tomo café na escola o tempo todo... Hmm, agora que você mencionou isso, eu me pergunto por quê?
— Parece que você também está no piloto automático.
— Parece que sim.
Então, Kazemiya gosta de chá. Eu sempre tive um pouco de curiosidade sobre o que ela bebia, mas nunca pensei que realmente descobriria.
Naquele momento, alguém passou com o que eu presumi ser café recém-preparado com o aroma persistente ao passar.
— Ah, acho que agora entendi.
O cheiro do café também deve ter chegado a Kazemiya. Ela olhou para as costas do transeunte com um toque de autodepreciação em sua expressão.
— Eu não gosto do cheiro de café. Ele me faz lembrar de estar em casa.
Era sua irmã ou seus pais que tomavam café regularmente?
Bem, isso realmente não importava para mim. Eu não estava disposto a me intrometer na vida familiar de outra pessoa. Essa era uma de minhas regras pessoais.
Mesmo que eu estivesse ouvindo alguém desabafar, eu não deixava isso mudar.
— Entendi.
— Essa é uma resposta bastante indiferente.
— Porque não importa para mim.
— Sinceramente, é isso que eu gosto em você, Narumi.
— Que parte de mim?
— Você não tenta se aprofundar nas coisas da minha família.
— Parece que você me escolheu como seu parceiro de desabafo por causa disso.
— Se todo mundo fosse assim, a vida seria mais fácil.
O rosto de Kazemiya parecia exausto e havia uma leve inquietação nela... Era isso? Ela estava prestes a começar?
— Se você quiser desabafar, eu vou ouvir.
— Sério? Espere, como você sabia que eu queria desabafar?
— Eu me tornei muito bom em perceber isso nos meus colegas de trabalho de meio período. É como um sexto sentido agora.
— Um sexto sentido, não é?
Algo nisso pareceu fazer cócegas e ela começou a rir.
— Não é esse o objetivo dessa aliança?
— Você é um salva-vidas, na verdade. Parece que eu estava certo em escolher você, Narumi.
Com isso, Kazemiya soltou um suspiro longo e dramático e caiu sobre a mesa.
— Ugh... Estou tão cansada. As pessoas ficam me pedindo para apresentá-las à minha irmã, dar seus contatos ou até mesmo assinar algo para elas. Desde que comecei meu segundo ano, isso não para de acontecer. É muito irritante. Eles são um grande incômodo. Gostaria que me deixassem em paz.
— Ainda há pessoas em nossa classe que lhe perguntam essas coisas?
— Não é mais da nossa turma. A maioria é de outras turmas agora... Ah, e os do primeiro ano. Eles são os piores.
— Faz sentido. Os novos alunos provavelmente não conhecem nada melhor. Isso parece difícil.
— Sim, é difícil. Como mencionei em nossas mensagens, hoje foi especialmente terrível por causa do Sawada. Você viu isso, não viu?
— Bem, sim, eu vi...
— Qual é o problema dele? Eu nem estou interessada na festa e ele tem a coragem de pedir minhas informações pessoais de contato, o que fez com que as outras garotas ficassem me encarando...
— Bem, Sawada tem muitas fãs. Ele é praticamente o príncipe dos segundos anos.
— Sem falar em como suas fãs podem se sentir sobre o que ele fez… ele é um príncipe e tanto, não é?
Ela está realmente cansada... mas não é de se admirar. Ter que lidar com os fãs de sua irmã e com as fãs do príncipe deixaria qualquer um exausto.
— Você não pode dizer ao Sawada para manter seus fãs na linha?
— Não seja ridículo.
— Vocês dois são homens, não são?
— Não nos junte. Ele faz parte da casta superior e eu sou apenas um plebeu rastejando na base. A única coisa que temos em comum é o fato de sermos bípedes. Se eu dissesse algo assim a ele, minha cabeça seria arrancada em dois segundos em outra era.
— O que isso quer dizer? Haha!
Naquele momento, o macarrão que pedi foi entregue, interrompendo convenientemente a conversa.
— Obrigado pela comida.
— Narumi, você sempre diz “obrigado pela comida” e “grato pela refeição”, não é?
— Isso é estranho?
— Não, só é educado. Acho que é um bom hábito.
— Não se trata de ser educado. Eu morava com minha mãe até pouco tempo atrás, só nós dois. As pessoas faziam comentários do tipo: “É claro que ele vem de uma família de mãe solteira” ou “A mãe dele deve tê-lo criado mal”. Dizer isso é apenas minha maneira de calá-las.
— Hmm, então você também teve suas próprias dificuldades.
— Para que conste, estou feliz com a situação atual. Minha mãe se casou novamente e parece feliz agora também.
— Não se preocupe. Não estou com pena de você e não pretendo ter.
Kazemiya costuma dizer que é fácil conviver comigo, mas, na verdade, acho que é muito mais fácil lidar com ela.
Enquanto eu jantava em silêncio, meu telefone recebeu uma ligação de mamãe.
— Desculpe, posso atender?
— Pode atender.
Depois de obter sua permissão, atendi.
— Alô? Mãe?
— Kouta, onde você está agora?
— Estou voltando do trabalho.
— Parando em algum lugar de novo?
— Sim, mais ou menos.
Pensei que iríamos repetir a mesma conversa de ontem, mas ouvi mamãe suspirar baixinho do outro lado.
— Sinto muito... por essa manhã. O que eu disse...
— Hã?
— Comparando você com “aquela pessoa”... Não é que eu goste da Kotomi ou que esteja decepcionado com você...
— Não se preocupe com isso. Não estou incomodado.
Parecia que o incidente desta manhã ainda estava pesando sobre ela.
— Você está ficando fora de casa até tarde novamente por causa disso? Ontem, você chegou em casa mais tarde do que o normal... Comecei a pensar que talvez você não voltasse mais para casa.
— Não é isso... Ontem, eu estava saindo com um amigo. Ficamos conversando... Além disso, era uma garota. Eu a acompanhei até em casa. Sabe, é perigoso para uma garota andar sozinha. A mesma coisa hoje, estamos apenas conversando em um café, só isso.
— Uma garota? Kouta, você não tem amigas. Não invente coisas...
— Não estou mentindo!
Isso não era totalmente falso. Eu estava conversando com Kazemiya e a acompanhei até em casa... Mas, sim, eu não podia culpar ela por duvidar de mim. Antes dessa aliança, eu não tinha uma única amiga mulher.
Enquanto eu tentava pensar em uma maneira de convencê-la, Kazemiya bateu de leve em meu ombro.
— Quer que eu assuma o controle?
— Hã?
— Se eu falar com ela, ela acreditará em você, certo?
Agora que ela mencionou isso, provavelmente funcionaria... Não consegui pensar em nenhuma outra solução.
— Desculpe, mas posso contar com você?
— Deixe comigo.
No final, a única coisa que eu podia fazer era confiar em meu parceiro de aliança.
— Olá. Quem está falando é a Kohaku Kazemiya, colega de classe de Kouta.
— Hã? Ah, olá.
— Me desculpe por tê-la incomodado ontem. Ele me acompanhou até em casa porque estava preocupada comigo e me desculpe por ter deixado seu filho até tão tarde hoje também... Sim. Sim, eu entendo. Tchau.
Depois do que pareceu ser uma conversa significativa, Kazemiya me devolveu o telefone e eu retomei a ligação.
— Alô?
— Quando foi que você fez uma amiga de repente?
— Recentemente?
— Estou vendo... Desculpe-me por duvidar de você. Preciso parar de deixar que “aquela pessoa” me prenda e seguir em frente.
— Não se preocupe com isso. Estou bem, desde que você esteja feliz.
Obrigado.
Parecia que ela finalmente havia se acalmado. Isso é bom.
O excesso de pensamentos e a preocupação constante dela eram, em última análise, culpa minha. Eu não queria que ela se preocupasse tanto ou pensasse muito sobre as coisas.
Antes de desligar, ela ainda me disse: “Agradeça a Kazemiya-san e não deixe de acompanhá-la até sua casa!”
— Eu exagerei?
— Sinceramente, foi uma grande ajuda. Obrigado.
— É para isso que serve esta aliança... embora eu ache que tenha me intrometido um pouco. Desculpe.
— Eu teria dificuldade em pedir que você falasse com minha mãe por mim, então, honestamente, estou muito grato por você ter feito isso.
— Fico feliz em ouvir isso.
Depois disso, pedimos parfaits de uva para a sobremesa e conversamos um pouco mais antes de sair do restaurante.
— Ah! A propósito, assisti a um dos filmes que você recomendou.
— Já assistiu? Espere, sério? Você já assistiu?
— Vindo da pessoa que me enviou as recomendações, isso é estranho.
— Bem, sim, mas ontem à noite já era tarde...
— Eu só precisava de uma mudança de ritmo.
Pensando bem, eu estava de mau humor depois de lembrar de algumas coisas sobre meu pai.
— Entendo. Bem, fico feliz que tenha ajudado. Então, qual deles você assistiu?
— Double Cat.
Um dos filmes que Kazemiya havia recomendado. É uma animação
É uma história animada de detetive sobre dois gatos, um gato preto e um gato branco, que resolvem casos em uma cidade povoada por animais antropomórficos. Os personagens são desenhados de forma encantadora, o que faz dele um grande sucesso entre as famílias. Aparentemente, uma sequência será lançada em breve.
— O que você achou?
— Posso ser sincero?
— Vá em frente…
Depois de uma breve pausa para criar algum suspense, dei meu veredicto.
— Foi incrível.
— Sério?
O comportamento normalmente frio de Kazemiya se transformou em um sorriso.
— As cenas de ação foram muito bem feitas e a história tinha aquele clima clássico de mangá shounen. Especialmente a cena em que o gato branco, Try, é capturado, e o gato preto, Tref, é emboscado pelo chefe inimigo. Aquele momento em que Tref decide lutar e se levanta novamente? “Absolute Cinema”. Sem dúvida, minha parte favorita.
— É, né? Essa também é a minha cena favorita.
— E a configuração do item invertido no escritório do detetive no início do filme? A arma de Chekhov total.
— Sim! Quando percebi que era um prenúncio, quase gritei… E era noite!
— Eu gritei mesmo. Ainda bem que eu não estava incomodando ninguém.
— Haha, quando eu vi pela primeira vez, eu quase gritei também, mas consegui cobrir minha boca a tempo... Hehe.
— Hã? O que é tão engraçado?
— É só que... Estou me divertindo.
A risada de Kazemiya era genuína e, sob o céu crepuscular, sua expressão parecia brilhar ainda mais.
— Normalmente, assisto a filmes só para passar o tempo fora de casa. Sinceramente, nunca me preocupei em compartilhar meus pensamentos ou recomendá-los aos outros. Nunca sugeri um filme a um amigo antes... Mas falar sobre isso dessa forma é realmente muito divertido. É um pouco surpreendente.
— Se você quiser falar sobre um filme, sou todos ouvidos.
— É mesmo?
— Sim. Eu também gostaria de compartilhar pensamentos depois de assistir a algo.
Não tenho muito uso para o dinheiro que ganho com meu emprego de meio período, portanto, hobbies não são exatamente o meu forte. Nesse sentido, fiquei com um pouco de inveja do interesse de Kazemiya por filmes.
— Ah, falando em filmes...
Quase me esqueci. Peguei os ingressos antecipados que havia guardado na capa do meu celular.
— Ganhei esses ingressos antecipados.
— É para o filme de basquete sobre o qual todos estão falando?
— Parece que sim. Quer ir assistir comigo?
— Hã? Tem certeza?
— Quero dizer, tenho dois ingressos. Eu poderia vê-lo duas vezes sozinho, mas é mais divertido compartilhar a experiência. Além disso, parece ser seu tipo de filme.
— Você não está errado.
— Foi o que pensei. Então, o que você acha?
— Obrigada. E sim, eu adoraria ir.
Depois de concordar com o plano, entreguei a ela um dos ingressos e abri o calendário em meu telefone.
— Então, quando devemos ir?
— Vou combinar com sua agenda. Não tenho um emprego de meio período nem nada.
— Obrigado. Sinceramente, isso é um alívio.
Afinal, minha agenda de trabalho lotada estava finalmente me alcançando.
— Que tal quinta-feira, depois de amanhã? Meu turno foi alterado, então terei a noite toda livre depois da escola.
— Entendi. Estou ansioso por isso. Estou curioso sobre esse filme há algum tempo.
— Sinceramente, estou surpreso que você ainda não o tenha visto.
— Havia outros filmes que eu queria ver primeiro. Além disso, este faz parte de uma série, certo? Eu queria assistir novamente os anteriores antes de mergulhar no novo.
— Devemos adiá-lo um pouco, então?
— Não precisa. Acabei de revê-los recentemente, então estou bem. E quanto a você?
— Bem... Provavelmente assistirei aos primeiros hoje à noite ou amanhã. Eles estão na sua lista de recomendações, então eu estava planejando assisti-los de qualquer forma.
— Você não precisa se esforçar. Você tem trabalho, certo?
— Não estou me esforçando. Parece que temos gostos parecidos, então suas escolhas devem ser boas. Na verdade, estou um pouco animado.
— Se você diz isso... Sim, também estou ansioso. Ah, a propósito, Narumi, você tem alguma recomendação para mim?
— Para filmes?
— Claro, ou qualquer outra coisa. Algum hobby?
— Hobbies, hein... Eu não chamaria isso de hobby, mas acho que jogos?
— Então me recomende um jogo. Eu também o comprarei.
— Vamos ver... Recentemente, fiquei viciado em...
Antes que eu pudesse terminar, já havíamos chegado à casa de Kazemiya e nos separamos para passar o dia.
No caminho para casa, comecei a pensar no que aconteceria quando eu voltasse.
Claro, eu tinha conseguido distrair minha mãe para que ela não se preocupasse com o fato de eu chegar tarde em casa. Mas agora, eu já podia imaginá-la me bombardeando com perguntas sobre o Kazemiya.
Ainda assim, em comparação com o desconforto de lidar com a tensão incômoda em casa... esse era provavelmente um problema muito melhor de se ter.
☆
— Então, qual é a relação entre você e Kazemiya-san?
— ...
Na manhã seguinte, a mesa de jantar não era o local de um café da manhã familiar caloroso. Para mim, era a cena inevitável de um interrogatório.
— Kazemiya-san? Quem é esse?
— Aparentemente, Kouta tem uma namorada.
— Oh! Uma namorada, hein? Muito bem, Kouta!
— Eu também fiquei surpreso. Esse garoto nunca teve um pingo de fofoca romântica sobre ele antes. Como escritora, eu adoraria entrevistá-lo sobre a vida romântica de um garoto do ensino médio.
Mamãe sempre foi do tipo que mergulhava de cabeça em tudo o que achava que poderia render um bom material, graças à sua profissão de escritora. Mas, desde o divórcio, esse lado dela havia se acalmado.
Ela até parecia se conter por consideração a mim.
— Ela é apenas uma amiga, como eu disse.
— Uma amiga, não é? Ela tinha uma voz muito bonita para 'apenas uma amiga'.
— Essa é apenas a voz dela. Você tem uma imaginação hiperativa.
— Bem, eu sou uma escritora, afinal de contas.
Para um adolescente, esse nível de provocação dos pais era um pouco exagerado, mas a atmosfera não era desagradável.
A culpa e o desconforto habituais que eu sentia em casa haviam desaparecido. Considerando o quanto eu fazia mamãe se preocupar e carregar o fardo por nós dois, ser o palhaço para seu entretenimento de vez em quando parecia um pequeno preço a pagar.
Pensando bem, essa pode ser a primeira vez...
Desde que me mudei para esta casa, esta deve ter sido a primeira vez que me sentei à mesa de jantar sem nenhuma culpa persistente. Pela primeira vez, parecia um momento genuíno em família.
— Oh, Kouta, você não tem trabalho nesta sexta-feira, não é? Por que você não a leva para um encontro? Posso até patrocinar sua saída se precisar de algum dinheiro.
— Agradeço a oferta, mas estou planejando ir direto para casa.
Até mesmo Akihiro-san, meu novo padrasto, estava participando da conversa casualmente.
Eu não estava devorando o café da manhã como normalmente fazia. Eu estava comendo em um ritmo normal, quase como se estivesse sob um feitiço.
(O Poder Kazemiya é aterrorizante.)
O fato de uma única ligação telefônica da Kazemiya ter melhorado tanto a atmosfera em casa era surpreendente.
É claro que isso era temporário. Eu não podia falar sobre o Kazemiya 24 horas por dia, 7 dias por semana. Mas, por enquanto, a melhora na atmosfera era inegável, e talvez eu devesse agradecê-la por isso.
— Kotomi, se você quiser sair com os amigos, fique à vontade para sair. Um pequeno desvio de vez em quando não tem problema.
— Estou bem. Prefiro passar o tempo aqui com a família.
Pensando bem, eu nunca tinha visto a Tsujikawa Kotomi saindo com amigos.
Desde que me mudei para esta casa, as únicas vezes que ela saía eram com a minha mãe ou com o Akihiro. Até mesmo suas tarefas pessoais eram feitas com rapidez e eficiência.
Ao contrário de mim, Tsujikawa Kotomi estava sempre com sua família.
— Então, é Kazemiya-senpai, hein... Hehe.
— O que foi, Tsujikawa?
— Eu só não esperava que ela fosse sua “amiga”.
Agora que ela mencionou isso, eu me lembrei vagamente de ter conversado com Kotomi sobre Kazemiya na noite em que formamos nossa aliança.
— Kotomi, você conhece a Kazemiya-san?
— Ela já é um tópico de conversa entre os alunos do primeiro ano. Ela é praticamente uma celebridade.
— Celebridade, hein...
Essa palavra me causou um leve arrepio. Tsujikawa não estava errada, Kazemiya era famosa em nossa escola.
Havia a irmã dela, Kuon, e havia também os rumores negativos que a cercavam. Se isso viesse à tona agora, poderia causar problemas. Minha mãe poderia começar a se preocupar novamente, ou pior, eu poderia ser orientado a ficar longe dela.
— Que tipo de boatos?
— Dizem que há uma aluna do segundo ano incrivelmente bonita. Quando a vi pela primeira vez, pensei sinceramente que ela fosse uma modelo ou um ídolo. Talvez até uma celebridade.
— Uau. Uma garota como essa realmente existe, não é? Talvez eu deva entrevistá-la algum dia.
— Quem sabe, talvez um dia meu irmão a convide para vir aqui.
— Se esse dia chegar, espero que seja em um fim de semana. Eu adoraria conhecê-la, mas trabalho durante a semana.
Felizmente, a conversa não tocou nos rumores negativos ou na irmã dela, e o tempo passou sem incidentes. Akihiro-san saiu para trabalhar e, mais tarde, eu me vi em frente ao quarto de Tsujikawa.
Respirando fundo, bati na porta suavemente.
— Tsujikawa. Sou eu.
— Nii-san?
Sua voz surpresa veio do outro lado da porta. Quando ela se abriu, seus olhos arregalados mostraram o quão inesperada era a visita.
— O que há de errado?
— Você sabe que tipo de rumores existem sobre o Kazemiya, não sabe?
— Sim, eu sei.
Rumores sobre ela andar por aí à noite, ou sair com as pessoas erradas. Histórias sem fundamento, sem nenhuma maneira de verificar sua veracidade.
Também me lembrei das palavras de Natsuki: Se você tirar o fato de que ela é irmã da cantora Kuon, Kazemiya Kohaku é apenas esse tipo de aluna aos olhos da escola.
Portanto, eu já esperava que Tsujikawa me dissesse que se associar a alguém como ela era uma má ideia.
— Obrigado, no entanto. Por, você sabe, tudo.
— Para você sair do seu caminho para me agradecer, isso significa que Kazemiya-senpai realmente é a pessoa ruim que os rumores dizem que ela é?
— Ela não é.
Estou conversando com a Kazemiya Kohaku há apenas alguns dias.
Antes disso, ela era apenas mais uma cliente regular no mesmo restaurante da família.
Se alguém perguntasse se eu realmente a conhecia, eu teria que responder “não”.
Não posso dizer com certeza que todos os rumores são falsos. Sempre há uma chance de que alguns deles sejam verdadeiros. Mas mesmo assim...
Diante da pergunta de Tsujikawa, balancei a cabeça com firmeza.
— Se é nisso que você acredita, então é o suficiente para mim. — disse ela — Pelo menos, foi por isso que não falei sobre isso antes. Mamãe e papai pareciam estar se divertindo também. E além disso...
— Além do quê?
— Uma mesa de jantar onde todos riem juntos parece uma “família normal”. Desde que isso esteja intacto, eu realmente não me importo com quem você decida ser amigo, Nii-san.
As palavras foram arrepiantes por apenas um momento.
— E isso conclui meu desempenho como “a irmã mais nova complacente que entende o círculo social do irmão”. Isso deve me render pelo menos vinte pontos para meus “pontos de irmãzinha”, certo?
Mas, no momento seguinte, ela exibiu um sorriso malicioso, como se nada tivesse acontecido.
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