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CAPÍTULO 3 - Uma tarde secreta

— Kazemiya parece bem desligada hoje. Aconteceu alguma coisa com ela?

— Desligada? Como assim?

— Desde que chegou à escola, ela está parecendo muito sonolenta. Ela dorme em todos os intervalos e agora... veja, ela está dormindo desde que o almoço começou. Normalmente, ela estaria usando os fones de ouvido e assistindo a alguma coisa.

Instigado pelo Natsuki, olhei para o assento da Kazemiya.

— . . .

Com certeza, em vez de ouvir música, como ela normalmente fazia durante os intervalos, Kazemiya estava caída sobre a mesa, completamente desmaiada.

É como se ela tivesse ficado acordada a noite toda...

Agora que estou pensando nisso, recomendei um jogo para a Kazemiya ontem à noite... Será que isso tem algo a ver com isso?

Não... Não pode ser isso.

— É raro ver Kazemiya-san assim, você sabe. Todos estão curiosos, imaginando o que aconteceu.

— Sim, eu me pergunto o que aconteceu.

Eu rapidamente me livrei da imagem mental que se formava em minha cabeça e continuei mordiscando o pão do almoço distraidamente.

— Fiquei acordado a noite toda jogando aquele jogo de que você me falou...

As primeiras palavras de Kazemiya depois de nos encontrarmos no Flowers após meu turno me atingiram como uma tonelada de tijolos.

Ela realmente passou a noite toda jogando?

Sinceramente, eu não esperava que ela ficasse tão viciada, mesmo tendo sido eu quem o recomendou. Para constar, o jogo que sugeri a Kazemiya foi um RPG de ação com ficção científica e mundo aberto recém-lançado. 

Os jogadores assumem o papel de um mercenário que viaja pela galáxia a bordo de uma nave espacial, explorando livremente vários planetas. A história evolui com base nas escolhas e ações do jogador, o que o torna um jogo de alto nível conhecido por sua liberdade e cenários diversificados.

— Não acredito que você tenha se envolvido tanto nisso, Kazemiya. Onde você está agora? Você já começou as missões da história?

O jogo apresenta missões de história que avançam no enredo principal. Embora não seja necessário avançar nelas imediatamente, isso desbloqueia recursos adicionais de jogabilidade, oferecendo mais opções aos jogadores.

— Acabei de passar pelo tutorial e saí do primeiro planeta.

— Espere. Você não dormiu a noite toda?

É claro que o tutorial e as cenas levam algum tempo, mas não o suficiente para justificar ficar acordado a noite toda.

— Passei quase a noite inteira na criação de personagem.

— Você está brincando?! Nunca conheci ninguém que tenha perdido o sono com a criação de personagens antes.

— Eu simplesmente não conseguia escolher nada que me agradasse. Ter liberdade demais pode ser bem difícil, sabe?

O jogo que recomendei permite uma ampla personalização. Às vezes, vejo obras-primas nas mídias sociais em que os jogadores recriam personagens de outras obras até os mínimos detalhes. Aparentemente, Kazemiya é esse tipo de jogadora.

— Você é muito meticulosa, não é, Kazemiya?

— Talvez... Eu não odeio coisas complicadas. E você, Narumi? Não é tão exigente?

— Eu geralmente faço algo simples, mas não é que eu não me importe. Quando posso personalizar as cores dos equipamentos, sempre uso minha combinação favorita.

— Quais cores?

— Vermelho e dourado.

— Legal! Parece forte.

— Exatamente. É por isso que eu gosto do vermelho e dourado. Parecem cores poderosas.

— Então o vermelho é sua cor principal nos jogos?

— É isso mesmo. O dourado é para acentuar.

— Seu primeiro nome é Kouta, com o kanji “luz”... Bem, isso faz sentido.

— E você gosta de branco, certo, Kazemiya? Seu primeiro nome é Kohaku, que significa branco.

— Metade está certo.

— Qual é a outra metade?

— Na verdade, é ouro também. Está vendo?

Kazemiya enrolou uma mecha de cabelo em seu dedo enquanto sorria sonolenta.

O brilho dourado de seu cabelo capturou a luz, hipnotizando-me por um breve momento.

— Esse cabelo não é tingido, é minha cor natural. Meu pai é estrangeiro, então... Mas minha irmã e eu crescemos no Japão, então isso não importa muito.

A ênfase em estrangeira tinha um tom distante, como se ela estivesse falando de outra pessoa completamente diferente.

Não. Não vale a pena ficar pensando nisso. É assunto dela e não pretendo me intrometer.

— Quando eu era pequena, costumavam me zoar por causa da cor do meu cabelo, mas acabei gostando dele. É por isso que tenho um fraco por ouro. ...Eu realmente queria um par de fones de ouvido branco e dourado, mas não consegui encontrar um design que me agradasse. Em vez disso, optei por branco e prata. Não é o meu favorito, mas não me desagrada.

— Fones de ouvido, hein... Sempre achei isso incomum. Por que fones de ouvido? Essa é mais uma de suas peculiaridades?

— É mais questão de autodefesa do que preferência. Usar esses fones de ouvido diminui a probabilidade de as pessoas falarem comigo.

— Sim, eu entendo isso. Antes de começarmos a conversar assim, você realmente passava uma sensação de “nem se preocupe em falar comigo”.

Essa era a maneira dela se afastar das pessoas que se aproximavam só para ficar perto da irmã famosa.

Mesmo assim, sempre havia pessoas que ignoravam esses sinais, como naquela manhã. Só que, a julgar por suas reações habituais, não era como se seus esforços fossem completamente ineficazes.

— Fwaah...

Kazemiya abafou um pequeno bocejo com a mão, a visão tão serena que poderia ter sido intitulada O sono suave de um anjo branco em uma pintura.

— Talvez você deva encerrar o dia e ir para casa.

— Hmm... não... eu não quero...

— Não quer? Vamos lá, você tá claramente no seu limite.

— Estou bem. Ainda consigo ficar acordada.

— Não há como me convencer quando você está caída sobre a mesa desse jeito.

— Mas é divertido falar com você assim, Narumi. Muito melhor do que estar em casa.

Eu entendia o fato de não querer estar em casa. Essa sensação era muito familiar. Por isso, não consegui insistir para que ela fosse embora.

— Pelo menos tire um cochilo aqui, então. Vou acordá-la daqui a pouco.

— Vamos continuar conversando. Tirar um cochilo parece um desperdício.

— Primeiro o cochilo. Se você está com tanto de sono, caminhar para casa é arriscado.

— Então vai ficar tudo bem se você estiver comigo.

— Você está jogando toda a responsabilidade em mim, não é?

— Somos aliados, lembra?

— Essa é uma aliança bastante unilateral, você não acha?

— Então, isso faz de você o meu homem conveniente, Narumi?

— Então acho que isso faz de você minha garota conveniente, Kazemiya.

— Tudo bem. Eu serei isso para você.

— Você está mesmo meio dormindo, não está?

— Sim. Eu nem sei mais o que estou dizendo.

Era de se esperar... Ela está dizendo todo tipo de bobagem com aquele rosto angelical dela.

— Apenas durma um pouco. E nada de jogos hoje à noite.

— Ugh... mas estou chegando na parte boa.

— Você não pode realmente chamar de parte boa quando você mal fez qualquer progresso.

— Minha aventura está apenas começando, você sabe.

— Parece uma série que está prestes a ser cancelada.

Ela continuava arrastando o assunto, e eu precisava de uma frase que resolvesse as coisas de uma vez por todas.

— Se você ficar acordado jogando de novo, provavelmente vai cair no sono durante o filme de amanhã.

— Isso... não está acontecendo.

Parecia que isso tinha resolvido o problema. Lentamente, Kazemiya cedeu à sua sonolência.

— Nada de me deixar para trás e ir para casa primeiro, ok?

— Claro que não.

— Certifique-se de me acordar.

— Você pode contar comigo.

— Então... vou dormir um pouco. Boa noite.



ree

Como se alguém tivesse acionado um interruptor, Kazemiya entrou no mundo dos sonhos. Seu rosto angelical adormecido, totalmente desprotegido, estava em plena exibição. Naquele momento, ao poder ver esse lado dela só para mim, eu me senti a pessoa mais afortunada do mundo.

— Fui eu quem sugeriu que você tirasse um cochilo, mas mesmo assim… Você é muito indefesa, sabe?

Resisti à vontade de cutucar a bochecha dela e tomei um gole do meu refrigerante de melão, tentando me distrair.

Mais tarde, depois de acordar Kazemiya e sair do Flowers, ficou claro o quanto ela estava mortificada por ter adormecido à mesa.

— Nunca mais posso voltar lá... de jeito nenhum...

Durante toda a caminhada para casa, eu tentei consolar uma Kazemiya completamente envergonhada. Daquele dia em diante, Kazemiya jurou a si mesma que nunca mais jogaria por uma noite inteira.

No dia seguinte. Era quinta-feira e, desde o momento em que acordei, não conseguia me livrar de uma sensação de inquietação.

Eu me pegava checando constantemente o relógio da sala de aula e meu celular, embora não houvesse motivo real para isso. Era apenas um simples plano para assistir a um filme com uma amiga, então qual o motivo para eu estar tão ansioso?

Por que a aula parece tão longa hoje? É sempre assim?

O segundo período parecia que não ia acabar nunca. Os ponteiros do relógio se arrastavam em um ritmo agonizante e lento.

A aula sempre foi assim, mas hoje está particularmente insuportável.

Eu mecanicamente fazia anotações sobre o que o professor escrevia no quadro, mas nada disso era registrado na minha cabeça.

Olhei para o relógio novamente. Apenas um minuto havia se passado desde a última vez que olhei. Um minuto. Definitivamente, algo estava errado. O tempo devia estar se movendo mais devagar nesta sala de aula.

Isso é inútil... Não consigo me concentrar.

Naquele momento, meu telefone vibrou com uma notificação.

Com cuidado, para que o professor não percebesse, peguei meu celular. Era uma mensagem da Kazemiya.


KOHAKU: Você está olhando demais para o relógio.

O texto estava acompanhado de uma figurinha de gato que ela deve ter acabado de comprar.

KOUTA: Não, não olhei.

KOHAKU: Sim, você estava. Eu vi.

Enquanto eu franzia a testa para a acusação dela, outro adesivo de gato apareceu na tela.

KOUTA: Eu estava pensando em como o relógio está lento hoje.

KOHAKU: Sério?

KOHAKU: Eu estava pensando a mesma coisa.

KOHAKU: Alguém deve ter mexido no relógio.

KOUTA: Quem faria isso?

KOHAKU: Talvez o professor?

KOUTA: E não um aluno?

KOHAKU: Se o tempo demorar, quem sofre são os alunos.

KOUTA: Essa é uma suposição bastante tendenciosa.

KOUTA: Se alguém gosta de estudar, talvez se beneficie de aulas mais longas.

KOHAKU: De jeito nenhum.

KOHAKU: Tá, provavelmente sim.

KOUTA: Não perca a confiança assim...

Ela seguiu com um spam de figurinhas, como se quisesse evitar abordar sua lógica instável.

Olhei de relance para o quadro, um pouco do material já havia sido abordado. Eu precisava voltar a fazer anotações. Parecia que Kazemiya pensava a mesma coisa. Sentada na diagonal à minha frente, ela também começou a escrever em seu caderno.

Espere... hã?

Olhei para cima e o relógio da sala de aula chamou minha atenção novamente. Os ponteiros estavam se movendo, marcando constantemente a passagem do tempo.

Será que realmente passou tanto tempo assim?

Antes, eu tinha a sensação de que o tempo estava se arrastando, mas agora parecia estar correndo.

Seria porque eu estava conversando com Kazemiya? Não, esse não era o único motivo. Foi mais do que isso. Quando eu estava com a Kazemiya, o tempo e o tédio pareciam desaparecer.

Ela me fazia esquecer a atmosfera sufocante em casa, a realidade da minha situação familiar. Embora não nos conhecêssemos há muito tempo, eu estava começando a perceber o quanto a Kazemiya Kohaku havia se tornado importante para mim.

Eu me pergunto se...

Um pensamento repentino passou pela minha cabeça, mas rapidamente o deixei de lado.

Qual é o sentido de me perguntar se ela se sentia da mesma forma?

— Tudo bem, vocês escreveram isso, certo? Estou apagando o quadro!

— Ah-

Tarde demais. 

A professora limpou impiedosamente o quadro antes que eu pudesse terminar de copiar. Parecia que o tempo tinha voado enquanto eu estava preocupado com os pensamentos de Kazemiya.

KOHAKU: Você acabou de tentar dizer alguma coisa?

KOUTA: Não consegui copiar algo do quadro.

KOHAKU: Isso é o que acontece quando você está no celular durante a aula.

KOUTA: Você também está no celular.

KOHAKU: Sim, mas ainda estou escrevendo.

KOUTA: Eu não estava tão concentrado no celular a ponto de perder a aula, sabe?

KOHAKU: Então por quê?

KOUTA: Eu só estava... pensando em algo.

KOHAKU: Pensando?

KOHAKU: No que estava pensando?

— . . .

Se eu tivesse que dizer sobre o que estava pensando, diria que era na Kazemiya. Não havia outra resposta, mas não havia como eu dizer isso a ela.

Esse era o momento perfeito para me esquivar com uma figurinha aleatória. Enviei um adesivo de gato e rapidamente guardei meu celular.

Voltei minha atenção para a aula, fazendo o possível para copiar tudo o que ainda estava no quadro. As partes que perdi eram uma causa perdida, mas pelo menos eu podia me concentrar no resto.

A aula acabou sendo encerrada com o sinal de término do primeiro período. Assim que dei um suspiro de alívio, meu celular vibrou novamente.

Será que Kazemiya estava acompanhando a minha fuga?

KOHAKU: Se quiser, posso compartilhar minhas anotações.

A mensagem foi seguida por uma imagem de seu caderno, cuidadosamente fotografado.

KOUTA: Obrigado. Isso ajuda muito.

KOHAKU: Não tem problema.

KOHAKU: Desculpe se está difícil de ler.

Difícil de ler? Nada disso.

KOUTA: Sua caligrafia é tão boa que chega a ser assustadora.

KOUTA: Se a sua é difícil de ler, a minha também pode estar em código.

KOHAKU: Isso é um pouco exagerado.

KOUTA: Você aprendeu caligrafia ou algo assim?

KOHAKU: Sim, mas faz muito tempo.

KOHAKU: Minha irmã também fazia isso, mas eu não era muito boa.

Caligrafia não é exatamente algo em que se possa ser “ruim”. Ainda assim, não era difícil imaginar que alguém próximo a ela tivesse lhe dito o contrário.

KOHAKU: Mas a caligrafia da minha irmã é incrível.

KOHAKU: É tão boa que você pensaria que ela digitou em um telefone.

KOUTA: Sim, eu vi o vídeo que ela postou.

KOUTA: Ele se tornou viral nas mídias sociais recentemente.

Era um vídeo da irmã dela, Kuon, escrevendo. Ela pegou frases enviadas por seguidores e as escreveu em um caderno enquanto narrava o processo. Não era nada mais do que isso: apenas sua caligrafia em ação.

No entanto, em um minuto, ela acumulou dezenas de milhares de curtidas.

Honestamente, pensando nisso de forma objetiva, esse tipo de influência é incrível. Conseguir tanta atenção só pelo fato de escrever no papel.

Ainda assim...

KOUTA: Mas acho que gosto mais de sua caligrafia, Kazemiya.

Kazemiya não respondeu. Sem figurinha, sem texto, sem nada.

Será que eu disse algo estranho? Mas eu estava apenas sendo sincero.

Curioso, olhei para ela.

— ...

De seu assento, ela estava olhando diretamente para mim. Nossos olhos se encontraram e pensei ter visto um leve rubor colorindo suas bochechas. Era difícil dizer a essa distância, mas parecia ser isso.

Ainda olhando para mim, Kazemiya abriu um pouco a boca, como se fosse dizer alguma coisa, e então…

Não diga coisas assim do nada, seu idiota.

Ela pronunciou as palavras silenciosamente, não as digitando no aplicativo, mas direcionando-as a mim.

Eu não era exatamente um especialista em ler lábios, mas, de alguma forma, eu a entendi perfeitamente.

KOUTA: Está com vergonha porque elogiei sua caligrafia?

KOHAKU: Cala a boca.

KOHAKU: Não estou com vergonha.

KOUTA: Pare de se esquivar e spamar figurinhas de gatos toda vez.

KOHAKU: Não.

Gato. Gato. Gato. Gato. Gato... Do meu assento, pude vê-la batendo repetidamente no botão de figurinha.

Não pude deixar de rir baixinho de sua teimosia, mas antes que eu pudesse provocá-la ainda mais, soou a campainha indicando o início da segunda aula.

KOHAKU: Certifique-se de escrever tudo desta vez.

KOUTA: Não preciso que você me diga isso.

ree

Isso é ruim. Quando estou enviando mensagens para o Kazemiya, perco completamente a noção do tempo. Nesse ritmo, a bateria do meu celular não vai durar até depois da aula, e não estou conseguindo me concentrar na aula.

KOUTA: Minha bateria está acabando, então vou desligar o celular.

KOHAKU: É, nesse ritmo, provavelmente vai acabar antes do fim das aulas.

KOHAKU: Mas estou bem, pois tenho um carregador portátil.

KOUTA: Você está bem preparada.

KOHAKU: Passo meus intervalos assistindo a filmes no meu celular.

KOHAKU: E também o uso para matar o tempo no Flowers.

KOUTA: Não é de se admirar que sua bateria acabe tão rápido.

Não, não, não. Não posso deixar isso se arrastar ainda mais.

KOUTA: Certo, desta vez vou desligar de verdade.

KOHAKU: Hmm...

KOHAKU: Vejo você depois da escola, então.

Desliguei meu celular, guardando-o para sempre. 

É isso aí… nada mais de mensagens até depois da escola….

 De alguma forma, porém, parecia que o tempo começou a se mover ainda mais devagar.

Vai logo… Anda relógio...

Para mim, Kazemiya Kohaku, a aula de educação física é um momento incrivelmente chato. Na nossa escola, a educação física é dividida por gênero, com as meninas jogando tênis. Depois de exercícios básicos, como aquecimento e prática de swings, formamos duplas e jogamos na quadra.

No meu caso, sempre acabo ficando de fora. Minhas amigas são de outras turmas e, mesmo que não fossem, costumo manter distância das pessoas. Além disso, a classe das meninas tem um número ímpar de alunas.

Inevitavelmente, sou adicionada a um par, formando um trio... mas...

— Espere, esse grupo não deveria ter três pessoas?

— Ah, mas é Kazemiya-san, sabe.

— Ah, estou entendendo o que você quer dizer.

— Ela provavelmente também não quer fazer par com alguém como nós.

Era impossível não notar suas vozes deliberadamente altas, acompanhadas de risadas de escárnio.

Bem, não é que eu esteja totalmente isenta de culpa. Minha atitude de isolamento, mesmo que seja para autoproteção, provavelmente contribui para isso. Então, tanto faz.

Além disso, pela experiências passadas, mesmo que eu fosse mais sociável, pessoas como elas ainda falariam pelas minhas costas. Com minha aparência chamativa, já fui acusada de coisas que nunca fiz, como flertar com garotos aleatórios. Talvez eu pudesse ter lidado com as coisas com mais tato, mas não sou tão madura assim.

Por isso, a aula de Educação Física geralmente termina comigo sentada em um canto, sem fazer nada. Telefones e fones de ouvido não são permitidos durante a educação física e, se você for pego com eles, serão confiscados.

Hoje parece ainda mais entediante do que o normal. Sinto falta do meu celular.

Mas falar com o Narumi foi divertido.

Um garoto que conheci há poucos dias. Eu já o havia notado antes, pois frequentávamos o mesmo lugar, mas só começamos a conversar recentemente. Quem diria que nossas conversas fluiriam tão facilmente, mesmo durante a aula? Era como se estivéssemos no Flowers e não na escola.

Sou tão mimada… Só o fato de ter alguém como Narumi como aliado já é um luxo.

Ter um lugar confortável fora de casa onde eu possa esquecer o tempo já é uma bênção e, no entanto, aqui estou eu, desejando esse mesmo tipo de felicidade na escola também.

Não posso deixar de querer conversar com Narumi cada vez mais.

— Ah, é o Sawada-kun!

As meninas que esperavam sua vez na quadra de tênis agora estavam aglomeradas ao longo da cerca, assistindo ao jogo de futebol dos meninos.

Sawada... Narumi uma vez o descreveu como o príncipe residente da escola. 

Para mim, ele é apenas um encrenqueiro, mas, aparentemente, ele é popular entre as meninas. Neste momento, ele estava driblando o time adversário.

— Nossa, ele é incrível. Mesmo sendo jogador de basquete, ele está vencendo os jogadores do clube de futebol em seu próprio esporte!

— Força, Sawada-kun!

A maioria das meninas estava ignorando completamente a aula, torcendo ruidosamente por ele. Quando Sawada passou por outro jogador e deu um chute, a bola foi parar na rede, atraindo os aplausos das meninas. 

Isso parece mais um show ao vivo. Com todo esse barulho, não consigo nem me distrair direito. 

É hora de ir para outro lugar.

Oh. É o Narumi.

Afastando-me da multidão reunida perto da cerca, avistei o Narumi. Ele parecia estar no mesmo time que Sawada, conversando casualmente perto do gol com Inumaki.

Engraçado, ele é igual a mim, ficando do lado de fora. A diferença é que, com Inumaki lá, ele parece estar se divertindo. 

Eu gostaria de poder me juntar a eles.

Tenho inveja do Inumaki por ser capaz de conversar com Narumi tão facilmente.

Ah, parece que o professor está repreendendo eles. Eles começaram a correr, provavelmente depois de serem instruídos a realmente participar.

— O que eles estão fazendo?

Eu ri baixinho para mim mesmo. Só o fato de observá-los já era divertido.

Pela primeira vez, a Educação Física não parecia tão monótona. Enquanto as outras meninas estavam concentradas em Sawada, eu achava Narumi muito mais interessante de assistir.

Enquanto eu continuava a assistir ao jogo de futebol dos meninos, a partida sofreu uma reviravolta. Inumaki interceptou um passe do time adversário e passou a bola pela defesa deles, passando para Narumi. Com uma coordenação perfeita, Narumi passou a bola para Sawada, que estava correndo em direção ao gol. Sawada fez um chute, mas a bola bateu no canto da trave e ricocheteou no ar.

— Nossa! Quase que era gol!

— Não foi o passe do Narumi que estragou tudo?

— Com certeza. Se fosse o Sawada-kun dando o passe, teria sido gol com certeza.

Sério? 

O passe de Narumi parecia perfeitamente sincronizado com a corrida de Sawada em direção ao gol. Parece que o Sawada simplesmente errou. Bem, isso acontece, afinal, é futebol e o Sawada está no clube de basquete, não no de futebol.

— Kazemiya-san!

A bola desviada voou por cima da cerca e entrou na quadra de tênis, parando ali perto. Sawada veio correndo, provavelmente para recuperá-la.

— Desculpe-me por isso. Você poderia pegar a bola para mim?

Por que ele tem que me chamar especificamente? Agora as outras meninas estão olhando para mim.

É claro que quero manter caras como ele longe da minha irmã, mas prefiro não me envolver nesse tipo de drama. É irritante e desnecessário. Pensei em fingir que não o estava ouvindo ou dizer para ele perguntar para outra pessoa, mas então notei que a Narumi estava atrás dele.

Bem… tudo bem.

Peguei a bola e a joguei por cima da cerca em um arco. A bola passou por cima da cabeça de Sawada e caiu nas mãos de Narumi.

Foi um arremesso perfeito.

— Desculpe, joguei um pouco longe.

Eu disse despreocupadamente para Sawada. As meninas olharam para mim, como era de se esperar, mas eu as ignorei.

Narumi e eu fizemos contato visual. Como era uma chance rara, decidi falar algo para ele do outro lado da cerca.

— Dê o seu melhor.

Não sei por que, mas as reações das outras meninas me irritaram.

Narumi, ao me notar, respondeu da mesma forma.

— Certo.

Com isso, Narumi retornou ao campo e voltou a jogar futebol.

De alguma forma, seus movimentos pareciam mais nítidos do que antes... ou talvez fosse apenas minha imaginação. Enquanto as outras meninas permaneciam fixadas no Sawada, torcendo quando ele marcava mais gols, eu não perdia a forma como Narumi e Inumaki trabalhavam juntos para ajudar durante toda a partida.

— ...

Honestamente, eu gostaria de poder falar com ele diretamente, não apenas através da cerca.

Mal posso esperar para depois da escola...

ree

Depois de suportar o que parecia ser uma aula excepcionalmente longa, finalmente chegou a hora de ir para a escola.

Como planejado, nos encontramos perto da estação depois de sair da sala de aula em horários ligeiramente diferentes.

— Ei… 

— Hã?

Encontrar Kazemiya Kohaku, que havia saído da sala de aula antes de mim, não foi difícil. Mesmo em meio à multidão agitada que ia e vinha, Kazemiya Kohaku, ouvindo música com seus fones de ouvido, brilhava mais do que qualquer outra pessoa.

— Bela assistência.

— Pare com isso.

Ficou claro que ela estava se referindo à aula de educação física.

— As jogadas chamativas do Sawada foram o destaque do jogo. Só ganhamos por conta dele.

— Mas o Sawada só se destacou por causa de suas assistências.

— A propósito, por que de repente você decidiu me dizer para “Dê o seu melhor” lá atrás?

— Eu não aguentava mais aquelas pessoas sem noção falando mal de você.

— Hã?

Inclinei minha cabeça em confusão, mas Kazemiya apenas respondeu: “Não é nada”, deixando o assunto de lado.

Parecia que ela não queria que eu me aprofundasse mais.

— Bem, tanto faz. ...Vamos indo? É quase um passeio de trem. Tudo bem para você?

— Estamos indo para o cineplex a algumas estações daqui, certo? Eu provavelmente sei mais sobre a área do que você.

— Mil desculpas, então.

Entramos no trem que chegou na hora certa.

— Já faz algum tempo desde a última vez que fui ao cinema.

— Porque você trabalha meio período, mesmo nos fins de semana?

— Em parte, sim, mas eu mesmo não me esforço muito para ir assistir a filmes. Só vou se o Natsuki me convidar.

— Natsuki? Você quer dizer Inumaki? Eu sempre achei isso, mas vocês dois são muito próximos, não?

— Bem, somos amigos de infância. Estivemos na mesma classe desde o ensino fundamental até o ensino médio.

— Isso é incrível.

— Ah, claro. Os ingressos de pré-venda para o filme de hoje foram, na verdade, do Natsuki. Aparentemente, ele tem vários contatos na indústria cinematográfica e não sabia o que fazer com todos os ingressos.

— Quem é Inumaki, afinal? Ele não é, tipo, uma celebridade ou algo assim?

— Não faço ideia. A extensão de sua rede social é um mistério total.

O trem parou em uma estação maior e o fluxo de novos passageiros encheu o vagão até a capacidade máxima. Encontrar um assento estava fora de questão. O trem agora apertado nos forçou a ficar perto da parede e, inevitavelmente, eu me vi muito mais perto de Kazemiya.

Ela estava bem ali, mais perto do que o normal. No Flowers, sempre havia uma mesa entre nós. Agora, não havia essa barreira, nem copos de refrigerante, nem pratos cheios de sanduíches, nada.

Estávamos perto o suficiente para nos tocarmos sem nem mesmo estender a mão. Perto o suficiente para que eu tivesse que tomar cuidado para não deixar minha respiração chegar até ela.

— Narumi, você é mais alto do que eu esperava. Qual é a sua altura?

— Acho que... 1 metro e 77.

— Sim, é mais alto do que eu pensava.

— E qual é a sua altura, Kazemiya?

— Acho que tenho 1 e 63. Cresci cerca de um centímetro desde o ano passado.

— Uma diferença de 14 centímetros, hein...

— Tanto assim... Ai!

O trem deu um solavanco repentino e Kazemiya perdeu o equilíbrio, quase caindo.

— Uau.

Reflexivamente, eu a peguei.

O leve calor que senti quando a toquei foi algo que nunca notei quando estávamos sentados à mesa no Flowers. Sua estrutura delicada parecia quase luxuosa, como uma bela obra de arte.

— Me desculpe.

— Por que está se desculpando, Narumi?

— Não sei, apenas senti que deveria...

Seu corpo era tão refinado, tão delicado... Tocá-la era como manusear uma pedra preciosa frágil com as mãos nuas, algo proibido, algo certamente errado. Foi por isso que me desculpei, embora não pudesse admitir isso em voz alta.

— Obrigado por me pegar.

— Isso é um exagero. Não é algo pelo qual valha a pena me agradecer.

— Talvez.

Kazemiya voltou seu olhar para a janela, como se estivesse tentando esconder algo e ficou em silêncio.

— Narumi.

Ela falou suavemente após uma breve pausa.

— Você definitivamente é um cara, hein.

— O que você achava que eu era até agora?

— Não foi isso que eu quis dizer... Só esquece.

E com isso, ela ficou quieta novamente, mantendo os olhos fixos na paisagem que passava do lado de fora da janela até chegarmos à nossa parada.

Caminhamos cerca de dez minutos da estação até o cineplex, onde fomos rapidamente ao balcão para reservar nossos assentos.

— Onde você gostaria de se sentar, Kazemiya?

— Em algum lugar um pouco mais perto da frente, mas ainda perto do centro...

— Não na parte de trás?

— Prefiro quando a tela preenche todo o meu campo de visão.

— Entendo o porquê.

Às vezes, você só quer esquecer a realidade, mesmo que seja só por um tempo.

Pensando nisso, assegurei nossos assentos e verifiquei meu relógio, para o qual eu havia olhado inconscientemente o dia todo.

— Temos algum tempo antes do início do filme. Quer ir até à loja do cinema?

— Você costuma comprar alguma coisa na loja, Narumi?

— Depende do meu humor. Normalmente, só uma bebida e pipoca. E você?

— Eu costumo comprar alguma coisa, mas basicamente o mesmo que você, só uma bebida e pipoca.

Cada um de nós comprou seus lanches habituais, uma bebida e pipoca, e nos dirigimos aos nossos assentos quando a hora do show se aproximava.

— Pipoca salgada. É sua favorita?

— Foi o que me deu vontade hoje. Da última vez que vim com o Natsuki, comprei um sabor diferente. E você... caramelo, hein.

— Vamos experimentar um pouco do sabor um do outro? Só por diversão?

— Amigos fazem isso?

— Eu faço.

— Não sabia que você tinha amigos.

— O que você está pensando de mim?

Kazemiya estufou levemente as bochechas, parecendo estranhamente infantil.

Seu comportamento habitual na escola tinha um ar de maturidade, tornando esse lado dela surpreendentemente cativante.

— Turmas diferentes e você mantém distância na escola.

Provavelmente por causa de sua reputação e dos problemas que sua irmã havia causado, ela provavelmente não queria que seus amigos fossem arrastados para isso.

— Olha! Está começando.

As luzes se apagaram e o filme começou.

Kazemiya já estava absorta na tela. No escuro, o brilho fraco da tela iluminava seu perfil e tive que lutar contra a vontade de olhar para ela. Em vez disso, concentrei-me na história que se desenrolava à minha frente.

— Haa... Foi incrível.

Após cerca de duas horas de exibição, Kazemiya soltou um suspiro de admiração enquanto estávamos sentados em um restaurante familiar perto do cinema. Ela ainda estava em um estado de sonho e, sinceramente, eu também estava.

— Foi mesmo. Todo aquele tempo assistindo os filmes anteriores valeram a pena.

— Né? Havia pequenas referências escondidas ali que você só perceberia se tivesse visto os anteriores.

— Exatamente. O filme foi agradável por si só, mas havia aquelas cenas que eram diferentes se você conhecesse os filmes anteriores.

— Especialmente o final...

— A cena em que o protagonista fez o gol de placa.

Nós dois dissemos isso ao mesmo tempo, em perfeito uníssono, e depois começamos a rir.

— Imaginei que você fosse adorar essa cena, Narumi.

— Essa é a minha fala.

Depois de rirmos mais uma vez, nossos pedidos chegaram.

— Obrigado por esperar.

Eu pedi carbonara, enquanto Kazemiya pediu um bife de hambúrguer com arroz, mas…

— Kazemiya?

Quando eu estava prestes a comer meu carbonara, notei que Kazemiya olhava de um lado para o outro entre seu hambúrguer e meu macarrão.

— Se você quiser, posso lhe dar uma mordida, mas só se trocarmos.

— Não é isso... Ok, talvez seja. Só uma mordida…

— Então você queria um pouco...

Usando meu garfo e minha colher, passei uma porção do meu carbonara para o prato dela. Em troca, ela colocou um pedaço de seu bife de hambúrguer no meu.

— Então, qual é o do carbonara? Está tentando parecer maduro?

— Hã?

— Pedir carbonara, escolher pipoca salgada no cinema... Você está tentando parecer todo adulto, não é, Narumi?

— Julgando a maturidade com base nas escolhas alimentares?

— É o que parece...

— Por falar em escolhas, tudo o que você pediu parece meio...

— Se você está prestes a dizer ‘infantil’, não diga.

— Como coisas que as crianças tendem a gostar.

— Você disse isso!

Ela me deu um leve chute por baixo da mesa. Não doeu, apenas um toque suave e brincalhão que me fez sentir à vontade. Era o tipo de gesto que destacava a distância confortável entre amigos.

— Não há nada de errado nisso. Eu também gosto dessas coisas… sushi, frango frito, lamen...

— Não fique listando a comida favorita de cada criança que você pesquisou no Google agora. Mas sim, eu gosto disso tudo.

Já imaginava isso. Não que eu possa falar, já que também gosto deles.

— Bem, eu sei que tenho gostos infantis.

— Não há nada de errado nisso. Por que está agindo como se fosse uma coisa ruim?

— É que...

— Seus pais disseram alguma coisa? Tipo, “Isso é imaturo” ou “Pare de agir como uma criança”?

— Como você sabe?

— Meu pai costumava dizer as mesmas coisas para mim.

Agitei o canudo em meu copo, fazendo os cubos de gelo se colidirem suavemente. O refrigerante de melão brilhava com uma tonalidade verde vívida, com bolhas estourando na superfície.

— Talvez eu goste de refrigerante de melão, em parte, para irritá-lo. Claro, é infantil, mas não é como se eu estivesse fazendo algo errado. Portanto, não deixe que isso te afete. Coma o que quiser, faça o que quiser. Nenhum de nossos pais está aqui, então quem se importa?

— Você o chama de “pai”, não é?

— Então, acho que “meu pai” para você é...

— Minha mãe. É ela quem diz essas coisas.

Kazemiya espetou o garfo em seu bife de hambúrguer, cortando um pedaço sem nenhum cuidado especial.

— Minha irmã sempre foi excepcional, talentosa e trabalhadora. Sempre apresentando resultados. Não demorou muito para que minha mãe começasse a depositar todas as suas esperanças nela. Ela até começou a controlar sua dieta como parte de seu “regime corporal”. Minha irmã não reclamou, mas eu sim. Certa vez, quando passamos em frente a um restaurante, criei coragem para dizer a ela: “Gostaria de comer lá às vezes”.

O pedaço de bife de hambúrguer do tamanho de uma mordida perdeu o calor com o passar do tempo.

— Ela ficou brava comigo por isso.

Sua risada seca não era dirigida à sua mãe irracional, mas tinha um tom depreciativo.

— Ela disse “Pare de dizer coisas tão infantis” e “Sua irmã não reclama”... Olhando para trás, talvez essa tenha sido a fase do “Eles só ficam bravos porque se importam comigo”. Naquela época, minha mãe ainda tinha algumas expectativas em relação a mim, mas agora… ela não espera nada, então posso comer o que quiser.

Ela colocou o pedaço de hambúrguer, agora frio, na boca enquanto falava.

— Minha mãe não se importa mais com o que eu faço. Desde que isso não manche a reputação da minha irmã ou a atrapalhe, nada mais importa. “Não envergonhe sua irmã”, “Não cause problemas para ela”... isso é tudo o que ela diz. É sempre sobre minha irmã.

Ela sacudiu a xícara de café de cerâmica branca à sua frente com seu dedo delicado, produzindo um som suave e agudo.

— É por isso que, quando conversei com sua mãe no outro dia, não pude deixar de sentir um pouco de inveja.

— Inveja? De mim?

— Sim. Ela estava genuinamente preocupada com você. E quando ela descobriu que você tinha uma amiga, ficou muito animada. Minha mãe nunca agiria assim.

Kazemiya deu uma risada autodepreciativa e a conversa parou.

A conversa dos funcionários depois do trabalho e os chamados da equipe de garçons se misturaram ao fundo. Normalmente, esses sons desapareciam se estivéssemos conversando, mas agora eles se destacavam nitidamente.

— Desculpa. Não estou tentando lhe dar um sermão ou algo assim.

— Eu sei disso.

Não me intrometo nas circunstâncias da família de Kazemiya e ela não se intromete na minha.

— Nós desabafamos e ouvimos. É aí que termina. Nada mais profundo, certo? Então, você não precisa se sentir mal por isso, Kazemiya.

— Falar com você é tão fácil, Narumi. Se todos os rapazes fossem como você.

— Eu odiaria isso.

— Bem… sim, foi mal.

Kazemiya tomou um gole de seu chá agora frio, soltando um pequeno suspiro.

— Isso é estranho. Acho que esta é a primeira vez que desabafo tanto sobre minha família.

— Agora que você mencionou, acho que é a primeira vez que falo assim casualmente sobre meu pai.

Eu já tinha conversado com Natsuki sobre ele antes, mas sempre havia um sentimento persistente de culpa. Nunca me senti em um espaço onde eu pudesse simplesmente contar tudo.

— Normalmente, só o fato de mencionar minha irmã ou minha mãe já me faz sentir mal.

— Eu percebi, só de ver você na aula.

— Pare com isso.

Kazemiya estufou as bochechas em sinal de indignação.

— No começo, eu costumava rejeitar as pessoas que só se aproximavam de mim por causa da minha irmã, mas algumas delas não desistiam. Por fim, achei que se eu agisse de forma intimidadora ou mantivesse meus fones de ouvido e as ignorasse, me deixariam em paz. Os rumores se espalhariam e as pessoas se afastariam por conta própria.

Assim como eu ajo de forma educada e reservada como uma forma de autodefesa, seu comportamento indiferente em sala de aula é seu escudo. Até eu posso entender isso agora.

— Boatos sobre você sair à noite com homens mais velhos ou se envolver com pessoas erradas, eles chegaram até mesmo aos alunos do primeiro ano, você sabe.

— É mesmo?

— Essa é uma reação tão desinteressada.

— Não é problema meu, mas por que você parece tão irritado, Narumi?

— Por que?

— Você já pensou que esses rumores podem ser verdadeiros? — Sua pergunta incisiva cortou o ar, sua voz fria e desprovida de emoção — Você já pensou que eu poderia ser realmente o tipo de pessoa que esses rumores dizem que eu sou? Que talvez eu esteja realmente saindo à noite ou andando com as pessoas erradas?

Ela parou de mexer o garfo e a faca, seu olhar escuro e penetrante se fixou no meu.

— Kazemiya.

— Está tudo bem. Podemos acabar com essa “aliança”. Você provavelmente estaria melhor sem alguém como eu, de qualquer forma. Se isso facilitar as coisas para você, não me importo.

— Obrigado pelo hambúrguer.

— Ei!

Antes que ela pudesse reagir, roubei rapidamente um pedaço perfeitamente cortado de seu bife de hambúrguer com meu garfo e o coloquei na boca.

Seu pequeno grito de protesto tornou-se a música de fundo enquanto eu apreciava a mordida tenra e saborosa.

— Sim, mesmo frio, está delicioso.

— “Delicioso” nada! Esse hambúrguer era meu!

Seu olhar ressentido me fez rir, apesar de ser sobre mim.

— Isso não é engraçado, sabia?

— Desculpe, mas eu não conseguia acreditar.

— Não acreditava em quê? Que você roubou a comida de alguém?

— Não. Que esses rumores poderiam ser verdadeiros. A Kazemiya que eu conheço não é assim.

— E que tipo de pessoa eu sou, de acordo com você?

— Aquela que não se sente bem em casa, por isso passa o tempo em lugares assim, assiste a toneladas de filmes, se envolve obsessivamente com as coisas, fica acordada a noite toda jogando, tem gostos levemente infantis e faz muita questão de um pedaço de bife de hambúrguer. É assim que você é.

Se os rumores são verdadeiros ou não, se Kazemiya é a pessoa que dizem que ela é… não preciso pensar duas vezes. Eu já sei a resposta.

— Kazemiya não é o tipo de pessoa que esses rumores fazem parecer. Isso é o que eu acho.

— E se eu estiver te enganando?

— Então eu lhe agradeceria por me deixar viver em uma ilusão tão feliz. Mas, vamos ser sinceros, o que você ganharia ao me enganar? Você nunca me fez pagar por uma refeição ou tentou me vender alguma bugiganga.

— Por que você parece um pouco bravo com todos esses rumores?

— Boa pergunta.

Agora que ela mencionou isso, meu tom tinha sido um pouco mais duro do que eu pretendia.

Por que eu mencionei esses rumores em primeiro lugar? Se ela está de acordo com isso, não é algo com que eu deva me preocupar.

— Talvez eu simplesmente não goste deles.

Pensei e pensei, buscando nas profundezas da minha mente os meus verdadeiros sentimentos.

— Eu estava com raiva. Irritado com o fato de que boatos estúpidos fizeram as pessoas falarem mal de minha amiga.

Agora eu finalmente entendia o motivo de eu ter agido de forma tão diferente do habitual.

— Eu estava furioso. Irritado porque os boatos que falavam mal de uma amiga minha estavam se espalhando.

Era simples assim.

— Ah, estou me sentindo melhor agora. Como se um peso tivesse sido tirado de meu peito.

— . . .

Enquanto eu sentia uma sensação de clareza e alívio, a pessoa sentada à minha frente, Kazemiya, estava congelada no lugar por algum motivo.

— O que há de errado? Você está perdendo a concentração.

— Hã? Uh...

Kazemiya parecia estranhamente perturbada, seu comportamento era agitado e incomum. Eu nunca a tinha visto tão inquieta, nem na sala de aula, nem no Flowers.

— Bem... ser chamado de amiga na minha cara... e alguém ficar bravo por minha causa... é meio, hum, constrangedor.

— Desculpe por isso.

— Não é isso. Não é que eu não goste... se é que gosto...

Kazemiya hesitou, procurando as palavras certas. Mas ela deve tê-las encontrado rapidamente porque, com as orelhas ficando vermelhas e o olhar desviado, ela murmurou baixinho:

— Obrigada. Isso me deixou feliz.

Foi por pouco. Se a câmera do meu celular estivesse aberta, talvez eu não tivesse resistido a tirar uma foto dela.

Primeiro com a cara de sono e agora isso... pare com isso, sério. É justamente esse tipo de expressão que me faz querer ficar mais perto de você.

— A propósito, somos amigos, não é? Não apenas aliados.

— Eu disse isso por impulso, mas... não é verdade? Eu disse à minha mãe que você é uma amiga também.

— Ah, sim. Você disse isso.

— É claro, não é como se a “aliança” tivesse acabado ou algo assim.

Colegas… Aliados... Os rótulos entre nós estavam se acumulando, mas não me desagradava. Sim, somos amigos. 

Narumi Kouta e Kazemiya Kohaku são amigos.

— Sobre esses rumores.

— Sim?

— Se vale de alguma coisa, eu não saio à noite, exceto para voltar para casa deste lugar. Às vezes, paro em uma loja de conveniência, mas não fico perambulando por aí nem nada. Quanto à história de estar envolvido com pessoas erradas... isso provavelmente veio de alguém que me viu sendo procurado por alguma agência de talentos. Eles parecem bem chamativos, então pode ter sido isso.

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— Entendi. Bem... isso faz sentido. Os boatos costumam ser assim, não é? Você provavelmente está deixando-os circular para assustar as pessoas que tentam chegar à sua irmã, certo?

— Você descobriu tudo isso? Impressionante.

— Qualquer um poderia adivinhar se soubesse da situação de sua família. Até mesmo os rumores sobre você vagando à noite foram bem fáceis de descobrir. A parte do caçador de talentos foi inesperado, mas agora que você mencionou, não é tão surpreendente assim.

— Essa é a parte com a qual você deveria estar surpreso.

— Com alguém como você, um ou dois caçadores de talentos não estão fora de questão.

— O que isso quer dizer?

— Significa que você é uma pessoa com esse tipo de charme.

— Bem, obrigada, eu acho.

Na sala de aula, Kazemiya provavelmente não tem a melhor reputação. Mesmo assim, as pessoas parecem não conseguir desviar o olhar dela. Elas a notam, pensam nela. 

Isso é o quão cativante ela é.

— Quer pedir um parfait? Vou lhe oferecer, para compensar por ter roubado seu hambúrguer.

— Eu agradeçeria.

Chamei um garçom e pedi um parfait de uva. Enquanto aguardava a sobremesa, Kazemiya falou sobre algo casualmente.

— Narumi, isso te incomoda? Os rumores estranhos sobre mim, quero dizer.

— Nunca gostei desse tipo de boato. E agora que somos amigos, eu os odeio ainda mais. Entendo que eles são uma forma de autodefesa para você, então farei o possível para tolerá-los.

— Você realmente é maduro, Narumi.

— Não seja por isso.

— Alguém que pede carbonara diria isso.

— Isso não tem nada a ver com aquilo!

Nós dois soltamos pequenas risadas, trocando sorrisos.

Pelo menos por enquanto, podíamos nos esquecer de todo o resto. A maldição das palavras que nossos pais deixaram impressas em nós, o desconforto de nossas casas, os rumores… nada disso importava. Aqui, poderíamos rir de tudo isso juntos.

— Mas Narumi, você é injusto.

— Como assim?

— Você sabe tudo o que é constrangedor sobre mim, assistir a muitos filmes, ser obsessivo com as coisas, ficar acordado a noite toda jogando, ter gostos infantis e até mesmo fazer um grande estardalhaço por causa de um pedaço de hambúrguer... parece que sou a única exposta aqui.

— Essa é uma maneira enganosa de dizer isso.

— Então conte suas próprias histórias embaraçosas. Certo pelo certo.

— Na verdade, eu ser o único a compartilhar coisas embaraçosas seria injusto.

— Eu sou a única cujos segredos estão todos à vista de todos.

— Suas chamadas ‘coisas embaraçosas’ são mais como peculiaridades engraçadas.

— Bem, essa é apenas sua opinião.

Enquanto conversávamos, Kazemiya já tinha comido metade do seu bife de hambúrguer.

Ela sempre carregou esse ar de “beleza legal”, mas aqui estava ela, devorando alegremente um bife de hambúrguer. A contradição era fascinante. Eu poderia observá-la o dia inteiro.

— Sabe, sair para algum lugar juntos novamente pode ser bom.

— Algum lugar? Por exemplo, onde?

— Hmm... muitos lugares.

Kazemiya inclinou ligeiramente a cabeça em pensamento, sua mente parecia vagar em direção ao futuro.

— Karaokê, fliperama, aquário... jogar boliche também pode ser divertido. Ah, e um bufê de sobremesas ou aquela lanchonete de panquecas que eu queria experimentar. Poderíamos assistir a outro filme ou simplesmente passear sem rumo pela cidade... e depois terminar o dia assim, fazendo uma refeição em um restaurante. Não parece ótimo?

— Sim, parece muito bom.

— Certo… Ah, eu também gostaria de experimentar um centro de rebatidas.

— Você gosta de beisebol?

— Não, de jeito nenhum. Mas, sabe, naquele jogo de mundo aberto que você recomendou, há um planeta no meio da história onde você pode jogar vários mini games esportivos. Lembra-se do jogo do centro de rebatidas?

Ela imitou um pequeno movimento de rebatida, o gesto tão inocente que me fez sorrir. Eu já podia ouvi-la protestar se eu a provocasse, dizendo: “Não me trate como uma criança”.

— Ah, aquele mini game em que você bate nas bolas com um taco mecânico.

— Exatamente. Estou viciado nisso agora, é praticamente tudo o que faço no jogo. Isso me fez querer experimentar o jogo de verdade.

— Esse mini game nem sequer afeta a progressão da história, não é?

— É verdade, mas as configurações de dificuldade são muito variadas. Eu só quero fazer um home run em todos eles e concluir totalmente o jogo.

— Isso é tão sua cara, Kazemiya.

— Tenho jogado tanto que nem sequer avancei na história.

— Você é do tipo que fica presa no cassino de cidades de RPG, não é?

Eu podia imaginá-la vividamente presa em um cassino, dedicando todo o seu tempo a ele.

— Espere, você está dizendo que não faria isso?

— Sou do tipo que termina a história e fica satisfeito.

— A parte divertida é completar totalmente o conteúdo extra do jogo.

— Essa modalidade é para você.

Naquele momento, o parfait de uva que pedimos chegou. Usando a colher comprida, Kazemiya deu uma mordida na uva e no creme, enquanto eu fazia uma sugestão casualmente.

— Que tal irmos a um centro de treinamento em seguida? Antes que sua obsessão por jogos passe.

— Com certeza! Eu nunca fui a um antes. E você?

— Na época do ensino médio, fui algumas vezes com o Natsuki... Então está decidido. Próxima parada, o centro de treinamento. No entanto, as provas finais estão chegando.

— Terei que estudar também.

— Você é bem responsável, não é?

— Minha mãe não me chateia com os estudos, mas mesmo assim. Se minhas notas caírem e ela me mandar largar meu emprego de meio período, isso seria irritante.

— Entendo. Você já se sente culpado o suficiente.

— É impressionante como você consegue perceber isso tão rapidamente. Bem, mesmo que eu tenha de pedir demissão, simplesmente fugirei para outro lugar. Nada mudaria de fato.

— Você não pode fazer isso.

Se eu deixasse meu emprego, passaria todo o meu tempo depois da escola no Flowers novamente, mas Kazemiya rejeitou categoricamente essa ideia, dizendo que não era boa.

— Você não pode destruir sua família com suas próprias mãos, Narumi. Sua família... ainda não acabou.

— Kazemiya?

Não intervir, não cruzar a linha, é isso o que Kazemiya quer.

Essa tem sido a base de nossa aliança, mas, neste momento, por algum motivo, parece uma algema agora.

— Quer que eu lhe dê aulas particulares? Você só precisa manter suas notas altas, certo? Se você mantiver suas notas, poderá continuar trabalhando e se divertindo sem problemas.

— Dar aulas particulares para mim? Você?

— Por que essa reação?

— Por curiosidade, qual foi sua classificação nas provas intermediárias?

— Vigésima quarta. E você?

— Cinquenta e oito.

— Então está decidido. Eu serei sua professora. Se quiser, pode me chamar de “Professora Kazemiya".

Essa garota está realmente se divertindo. Mas ainda assim...

— Haha.

— O que é tão engraçado?

— É que... isso parece novo. Falar sobre notas tão casualmente assim.

É algo que eu nunca poderia fazer em casa. É um assunto proibido até mesmo de ser mencionado. Uma regra que não escolhi, mas pela qual fui forçado a viver.

— Posso me queixar um pouco?

— Claro que sim. Vou ouvir se você não se importar comigo.

Só o fato de ter Kazemiya como alguém com quem desabafar faz meu coração se sentir mais leve. Se fosse qualquer outra pessoa, eu me sentiria sobrecarregado pela culpa e pela aversão a mim mesmo.

— Os testes sempre vêm com resultados, certo?

— Bem... sim. É isso que os testes são.

— E quando os resultados saem, a atmosfera em casa fica ainda pior.

— Porque você está sendo comparado a alguém?

— Quase, mas não exatamente. É porque eles fazem de tudo para não me comparar.

Parecia que isso era suficiente para Kazemiya juntar as peças.

— Isso é estranho.

— Sim. É como se eu estivesse pisando em ovos em casa. As discussões sobre testes desaparecem completamente da mesa de jantar. Além disso, minha meia-irmã é excepcionalmente talentosa e frequenta a mesma escola...

— Mesma escola? Então, ela está no primeiro ano?

— Sim. Seu nome é Tsujikawa Kotomi.

— Ouvi falar dela por meio de meus amigos. Eles disseram que há uma aluna incrível no primeiro ano. Ela fez o discurso de abertura como a melhor aluna durante a cerimônia de entrada, não foi?

Agora que ela menciona isso, Kotomi entrou com as melhores notas. Não é de se surpreender que alguns alunos do último ano a tenham notado. Eu não esperava ser lembrado dos talentos da minha meia-irmã aqui, de todos os lugares.

— Então, ela é sua meia-irmã... deve ser difícil.

— Sim… em muitos aspectos.

Eu sei que a culpa não é da Kotomi. O desconforto em nossa casa é algo que eu mesmo causei e, por causa disso, a culpa que sinto por ela é ainda mais pesada.

— Você já tentou ofuscar sua brilhante meia-irmã? Vencê-la pelo esforço?

— O antigo eu teria tentado.

— E agora?

— Parece que eu ainda sou o tipo de pessoa que faz isso?

— Haha, na verdade não.

— Exatamente.

Mesmo que eu tentasse, eu já sabia como seria o resultado. Se meu fracasso previsto se tornasse realidade, a atmosfera em casa só pioraria.

— Eu sou igual. Eu também costumava me esforçar muito. Achava que se minha irmã conseguia, eu também conseguiria e tinha que conseguir, mas eu não conseguia fazer nada. Não conseguia alcançá-la, nem mesmo correr na mesma pista. Por fim, minha mãe desistiu de mim e eu também desisti. Parei de tentar encontrar algo em que pudesse vencê-la, parei de fazer qualquer esforço.

Tanto Kazemiya quanto eu somos pessoas que pararam.

A sociedade nos diria para nunca desistirmos, nunca pararmos, nunca fugirmos, que o esforço é o que mais importa.

Nós sabemos disso. 

Palavras bonitas estão sempre certas. Elas nunca estão erradas. Por conhecermos essa verdade, carregamos a culpa.

— Eu fugi da minha irmã.

— E daí? Não há problema em fugir.

— Sério? Fugir não resolve nada. Só atrasa o problema.

— É verdade. Não resolve nada e, sim, um dia os problemas que adiamos podem nos alcançar... Mas nem tudo é ruim. Se algo de bom vier da fuga, então ela não foi desperdiçada.

— Algo bom?

— Eu fugi de minha família. Mas depois disso, conheci você, Kazemiya. Agora posso passar minhas tardes assistindo a filmes, me divertindo, fazendo refeições em um restaurante familiar enquanto desabafo sobre a vida... Posso experimentar esse momento incrivelmente confortável.

— Isso é... algo bom?

— Para mim, é. Faz apenas alguns dias que nos tornamos amigos, mas... eu realmente gosto do tempo que passo com você aqui, Kazemiya.

Kazemiya não disse nada. Ela apenas me encarou, parecendo surpresa.

— Estou feliz por ter fugido. E quanto a você, Kazemiya?

— ...

Kazemiya olhou para baixo, como se estivesse procurando uma resposta em seu coração.

— Eu também.

Finalmente, como se estivesse espremendo as palavras, ela falou deliberadamente.

— Eu costumava me sentir culpada. Eu costumava me sentir envergonhada. Mas agora... acho que estou feliz por ter fugido. O tempo que passo aqui, conversando com você... sim, é divertido.

Em algum momento, ir ao Flowers, o lugar para o qual eu havia fugido, oprimido pela culpa, havia se tornado algo pelo qual eu realmente ansiava. Eu nem tinha percebido isso até colocar em palavras.

Senti que devia ser a mesma coisa para Kazemiya. Eu esperava que fosse.

— É... Dizer que você está feliz por ter fugido é uma coisa tão estranha. Normalmente, fugir deve ser ruim, certo?

— Sim, é.

Não sei muito sobre Kuon, a irmã de Kazemiya, que é famosa mesmo fora de nossa escola, mas, neste momento, o sorriso no rosto de Kazemiya não poderia perder para o de sua irmã.

Nunca vi um sorriso mais cativante e não consigo imaginar que exista outro.


Depois de pagar a conta e sair do restaurante, embarcamos no trem e começamos a viagem de volta para casa. Durante o trajeto, acompanhei Kazemiya até sua casa.

O caminho para casa pareceu mais longo do que o normal. Nossas conversas durante a caminhada foram esparsas. Já havíamos conversado muito no restaurante, mas, mais do que isso, depois de ver o sorriso de Kazemiya mais cedo, fiquei sem palavras.

Não tinha certeza do motivo. Até eu estava um pouco abalado com aquilo. E não era só eu. Kazemiya também parecia mais quieta do que o normal.

Eu me dei conta. 

Nós dois provavelmente estamos envergonhados. Eu… Kazemiya.

Olhando para trás com calma, percebi que talvez eu tivesse dito algumas coisas que eram um pouco embaraçosas demais ou talvez até mesmo compartilhado demais.

Mais do que tudo, eu havia falado demais, ultrapassado muitos limites.

O silêncio confortável entre nós passou em pouco tempo e, antes que eu percebesse, havíamos chegado ao seu habitual prédio.

— Chegamos.

— Sim, chegamos.

— Obrigado por hoje. Eu me diverti.

— Eu também. O centro de treinamento é depois das provas  finais, certo?

— Sim. Estou ansioso por isso. Mas antes disso, não se esqueça da sessão de estudos.

— Eu sei.

Provavelmente, nós dois estávamos sentindo uma sensação de alívio. A partir daqui, foi apenas a troca usual de palavras de despedida.

— Bem, até mais, Narumi.

— Sim, até logo, Kazemiya.

Normalmente, isso teria sido tudo. Eu apenas observaria suas costas enquanto ela entrava no prédio, mas uma voz fria e aguda a chamou antes que isso pudesse acontecer.

— O que diabos você está fazendo na rua tão tarde da noite, Kohaku?


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