CAPÍTULO 1 - Aliado de Kazemiya Kohaku
- AKEMI FTL
- 8 de set.
- 16 min de leitura
Atualizado: 11 de set.
Kazemiya estava parada na tempestade sem guarda-chuva e sua silhueta estava completamente imóvel numa noite tão escura.
A garota diante de mim, encharcada até os ossos e parecendo que poderia começar a chorar a qualquer momento, parecia carregar um peso invisível de dor, como se estivesse cheia de feridas que ninguém podia ver.
Não havia como eu simplesmente deixá-la ali sozinha. Essa opção não existe para mim.
Esqueci completamente o motivo pelo qual tinha ido à loja de conveniência. Silenciosamente, segurei meu guarda-chuva sobre ela e a levei para minha casa. Deixar Kazemiya, mal preparada, vagando pelas ruas escuras à noite era impensável. Minha casa não ficava longe e, além disso, meus pais gostavam de Kazemiya. Eles certamente a receberiam sem problemas, mesmo que eu a trouxesse de repente e eu estava certo.
Quando cheguei em casa com Kazemiya encharcada, meus pais e Tsujikawa ficaram surpresos, mas ao ver sua expressão abatida, eles simplesmente disseram:
— Por enquanto, vá tomar um banho — eles a deixaram entrar.
Depois que consegui colocar a desanimada Kazemiya na banheira e acalmá-la, uma garota pequena de cabelos negros veio ao meu quarto.
— Maninho, podemos conversar?
Era Tsujikawa Kotomi, a garota que se tornou minha meia-irmã nesta primavera, depois que minha mãe se casou novamente.
Ela se destacava tanto nos estudos quanto nos esportes, chegando a fazer o discurso representativo na cerimônia de entrada, completamente o oposto de mim. Tecnicamente, eu deveria chamá-la pelo primeiro nome, já que agora ela é minha meia-irmã, mas ainda me sentia estranho com isso, então continuei chamando-a de “Tsujikawa”.
— Claro, mas, se for sobre Kazemiya, não sei muito além do fato de que ela fugiu de casa.
— Entendo... Achei que você soubesse mais.
— O que você quer dizer com “achei”?
— Bem, eu presumi que vocês dois já estavam até namorando.
— Não estamos. Ela é… só uma amiga. Não diga coisas estranhas.
Levei um tempo para responder “só uma amiga”. Algo que eu não deveria ter precisado pensar, mas não pude deixar de me perguntar:
Kazemiya Kohaku é realmente só uma amiga para mim?
— Hehe, desculpe se toquei em um ponto sensível. Mas provocar meu irmão mais velho sobre sua vida amorosa é algo que uma irmã mais nova faria, você não acha? Sinto que ganhei alguns pontos extras de irmãzinha por isso.
Lá estava, seu misterioso sistema de “pontos”. Eu ainda não tinha ideia do que ela planejava fazer com eles.
— Você parece estar de bom humor. Aconteceu algo bom?
— Sim. Você trouxe Kazemiya-san para casa.
Enquanto eu refletia sobre suas palavras, Tsujikawa continuou com um tom alegre.
— Conhecendo você, não seria surpresa se você fugisse com Kazemiya-san — seu sorriso elegante transmitia palavras que refletiam meus próprios pensamentos fugazes.
Por um momento, considerei levar Kazemiya e desaparecer em algum lugar. Se ela tivesse saído de casa, eu poderia ter ido com ela, mas, ao vê-la ali, encharcada e vulnerável, quis ajudá-la a se recuperar.
Para isso, trazê-la para cá foi a melhor escolha. Nesta casa, ela poderia se aquecer rapidamente e poderíamos conversar com calma.
— Fico feliz que você não tenha fugido, maninho.
— Para com isso — voltei meu olhar para o banheiro onde Kazemiya estava — Por enquanto, o importante é a Kazemiya.
— Se você vai confortá-la ou encorajar, primeiro você precisa se acalmar — disse Tsujikawa, batendo seu dedo no meio da minha testa — Você está com a testa franzida. Está com raiva?
— Talvez... mas só um pouco.
Me lembrei que o sorriso que Kazemiya me mostrou durante o dia tinha desaparecido quando a encontrei em frente à loja de conveniência.
As férias de verão começam amanhã.
Ela estava tão animada quando fizemos planos para sair juntos. Agora, eu só conseguia sentir uma frustração crescente em relação a quem quer que tivesse tirado essa felicidade dela. Era como um fogo ardendo dentro de mim, mas não era hora de ficar com raiva.
— Por enquanto, maninho, você deveria relaxar. Se você quiser animar Kazemiya-senpai, deixe isso comigo. Apoiar você em momentos assim é um dever da irmã mais nova, você não acha?
— Você tem algo em mente?
— Sim, uma arma secreta.
Para alguém tão talentosa quanto Tsujikawa, a melhor aluna do ano, a primeira da turma e membro do conselho estudantil, dizer isso com tanta confiança despertou minha curiosidade.
— Mas vou precisar da sua ajuda, Nii-san.
— Sem problema. Se for para animar Kazemiya, farei qualquer coisa.
— Obrigada. Nesse caso, por favor, reúna o que vou listar o mais rápido possível.
Seguindo suas instruções, preparei rapidamente tudo o que ela pediu e entreguei a ela. Eu não tinha ideia do que ela planejava fazer com aquilo, mas, por enquanto, decidi confiar na minha meia-irmã.
— Os preparativos estão concluídos.
— Ótimo. Há mais alguma coisa que eu possa fazer?
— Por enquanto, por favor, espere no seu quarto.
— Só isso?
— Só isso.
— Tudo bem.
Conforme instruído, esperei no meu quarto, mas a falta de acontecimentos só me deixou mais ansioso. Eu não tinha ideia do que era realmente a “arma secreta” de Tsujikawa. Como exatamente ela planejava animar Kazemiya?
Agora que penso nisso, essa deve ser a primeira vez que converso tanto com Tsujikawa.
Depois que meu pai biológico me abandonou por causa da minha “falta de habilidade”, minha mãe se casou novamente e criou novas regras familiares sem me contar. Não podíamos comparar as habilidades de Tsujikawa com as minhas habilidades. Não podíamos elogiar as conquistas da minha meia-irmã na minha frente.
Por causa disso, Tsujikawa Kotomi nunca recebeu o reconhecimento que merecia.
Tudo isso era uma reação exagerada para acomodar a mim, a criança inadequada. Era desconfortável. Eu odiava estar nessa casa. Também me sentia culpada em relação a Tsujikawa.
Como resultado, minimizei o tempo que passava em casa, o que naturalmente também minimizou minhas interações com Tsujikawa.
Se Kazemiya não estivesse aqui, isso também não teria acontecido…
Perdido em meus pensamentos, de repente ouvi uma voz vinda de trás da porta.
— Narumi?
— Kazemiya? Você já terminou o banho?
— Sim… e obrigada. Isso me ajudou muito mesmo.
— Entendo…
Nossa conversa terminou em um silêncio constrangedor.
O que é essa tensão? E qual o motivo da Kazemiya está parada do lado de fora do meu quarto sem entrar?
— Conversar através da porta é um pouco estranho. Entre. Não fique tímida.
— É que... ééé...
— Se você não gosta do meu quarto, posso pedir para a Tsujikawa deixar você usar o dela ou você pode usar a sala de estar...
— Não, não é isso! Não é que eu não goste do seu quarto, Narumi...
O que está acontecendo? A voz dela parece estranha.
— É sobre essas roupas...
— Roupas?
Quando ela chegou, Kazemiya não trouxe nada além do celular. Suas roupas molhadas estavam na máquina de lavar agora. Mais cedo, Tsujikawa tinha ido ao banheiro para deixar algumas roupas para ela trocar…
Espere. De onde vieram as roupas?
Elas não seriam de Tsujikawa, considerando as diferenças de tamanho entre Tsujikawa e Kazemiya.
— Elas estão do tamanho errado?
— Bem... sim, elas estão do tamanho errado, mas é mais como... elas são grandes demais para mim... Mas esse não é realmente o problema.
Então não é que as roupas de Tsujikawa não serviam... Então, o que é?
— Não estou entendendo... Bem, tanto faz. Você deve ficar bem independentemente do que vestir. Pelo menos mostre seu rosto.
— Ah, espere!
Ela parecia estar à beira das lágrimas anteriormente. Eu não conseguiria dormir sem ver por mim mesmo como ela estava agora. No momento em que abri a porta, minha voz falhou.
Ouvi dizer em algum lugar que cerca de 80% da percepção humana vem da visão e, naquele momento, os 80% de informação recebida pelos meus olhos foram dominados por algo quase violento em seu impacto.
Kazemiya Kohaku estava diante de mim. As roupas que ela vestia não combinavam com ela. Mais do que isso, nem sequer eram roupas femininas. Era a camiseta que eu costumava usar, uma camiseta simples de manga curta que eu havia dado a Tsujikawa mais cedo. Era barata, algo que eu havia comprado em uma grande rede de fast-fashion, mas agora, só por estar sendo usada por Kazemiya, ela irradiava um brilho violento, uma sensação quase avassaladora de charme que me atingiu de frente.
— Desculpe. Quando saí do banho, as suas roupas estavam lá. Essa era a única coisa que eu podia vestir...
Essa era a “arma secreta” de Tsujikawa? Como isso poderia animar Kazemiya?
— Só para constar, estou vestindo algo por baixo, ok?!
— Ah, hmm, pelo menos isso...
Olhando de perto, percebi que ela estava usando minha bermuda de exercícios, o que eu uso nas aulas de educação física. Eu esperava que ela não estivesse se referindo apenas a isso quando disse que estava usando algo por baixo. Eu me contive antes que meus pensamentos fossem além. Isso só traria problemas.
— A camiseta foi ideia do Tsujikawa. Desculpe.
— Você não precisa se desculpar. Sinceramente, Narumi, isso te incomoda? Eu… usando suas roupas?
— Hã?
— Quero dizer, suas roupas… É estranho para você se eu usá-las?
— Claro que não. A verdadeira questão é como você se sente em relação a isso. Se você se sentir desconfortável, posso encontrar outra coisa agora mesmo.
— N-Não! Não é isso! Na verdade… — Kazemiya começou a dizer algo, mas rapidamente cobriu a boca — Desculpe. Esqueça o que eu acabei de dizer.
— Entendi. Vou esquecer.
Eu estava curioso para saber o que ela queria dizer, mas como ela me pediu para esquecer, não tive escolha a não ser obedecer.
— Bem, pelo menos entre.
— Tudo bem.
Seu rosto ainda estava corado, provavelmente por causa do banho, quando ela deu um pequeno aceno com a cabeça e entrou no meu quarto.
Enquanto eu a observava, nossos olhos se encontraram de repente.
— O-O que foi?
— Tsujikawa mencionou que tinha uma arma secreta para te animar… Não entendo a lógica, mas parece que funcionou.
— Sim. Parece que funcionou.
Kazemiya segurou a barra da camisa grande demais, um sorriso suave se espalhando por seu rosto.
— Vou agradecer à sua meia-irmã mais tarde.
— Sim, ela provavelmente vai gostar disso... eu acho. Enfim, aqui, pegue a cadeira. Sente-se aqui.
— Hã? Tudo bem. Vou sentar na cama.
— Prefiro que você não adormeça assim que eu virar as costas.
— Não vou dormir tão rápido assim.
— Mas é o que parece. Se vai dormir, não seria melhor ir para outro quarto?
— Por quê?
— É a minha cama. A cama de um garoto. Isso não te incomoda?
— Não me incomoda. Isso na verdade...
A rápida negação de Kazemiya foi interrompida como se ela tivesse percebido algo de repente, seu ímpeto parando abruptamente.
Após uma breve pausa, ela baixou o olhar e murmurou baixinho.
— Isso me faz sentir segura.
— Segura?
— Sim... Desculpe. Isso foi estranho, não foi?
— Não é estranho. Se ficar aqui faz você se sentir segura, então fico feliz. Se é assim, então... sim... Se isso te deixa feliz... Aceitarei sua oferta.
Com isso, cedi a cama para Kazemiya, que murmurava baixinho. Após um breve silêncio, decidi falar.
— Posso te perguntar uma coisa?
— O que é?
— Sobre o motivo de você ter fugido de casa.
Tínhamos uma regra na Aliança dos Restaurantes Familiares: não nos intrometemos na vida pessoal uns dos outros.
Mas, dadas as circunstâncias atuais...
— Fizemos um pacto, certo? A aliança e tudo mais. Mas... não, não é isso.
Apaguei as desculpas que estava preparando na minha cabeça.
— Desculpe.
— Por que você está se desculpando?
— Eu disse que não iríamos nos intrometer na vida uns dos outros, não foi? Esse era o nosso acordo como aliados. Mas... eu não consigo fazer isso. Não consigo simplesmente ignorar o que vi hoje à noite. Ver você ali na chuva, com aquela aparência.
Sim, é isso. Para mim, Kazemiya Kohaku é especial. Especial o suficiente para derrubar meus próprios princípios sem hesitação.
— Mas se você não quiser falar sobre isso, não vou forçá-la. Vou esperar até que você esteja pronta.
— Quanto tempo você vai esperar?
— O tempo que for necessário.
— Não sei. E se eu dissesse dez anos?
— Se é isso que você quer, vou esperar dez ou vinte anos.
— Dez ou vinte anos!? Você ficaria comigo por tanto tempo?
— Pelo tempo que você quiser. Para sempre, se for preciso. Vou ficar ao seu lado e esperar até que você esteja pronta para falar.
— Você por acaso é idiota? Ao menos pense antes no que está dizendo — Kazemiya desviou os olhos dos meus e eu poderia jurar que seu rosto estava mais vermelho do que antes — Eu vou falar. Agora mesmo.
— Tem certeza?
— Esperar parece bom, mas se você esperasse, acho que acabaria dependendo demais de você.
— Vá em frente e dependa de mim, pelo menos um pouco.
— De jeito nenhum. Se eu começar a depender de você, não será só um pouco.
Com essa advertência, Kazemiya começou a falar. Ela me contou, em detalhes, o que a levou a fugir de casa.
☆
— Ei, mãe. Que história é essa?!
A equipe de produção no set da novela ficou perplexa.
As filmagens estavam indo muito bem, tanto que as gravações terminaram não apenas no horário, mas antes do previsto. O crédito por isso coube inteiramente à atriz principal, cuja presença foi fundamental.
Quando seus colegas de elenco enfrentavam dificuldades, ela os orientava. Se surgissem problemas, ela os resolvia com serenidade e flexibilidade. Ela decorava suas falas com perfeição, sem uma única tomada errada. Ao prestar atenção meticulosa ao bem-estar da equipe e do elenco, ela mantinha uma atmosfera calorosa e harmoniosa no set, mas sabia como exigir o foco necessário quando necessário.
O progresso excepcional das filmagens se deve inteiramente à essa mulher, Kuon, cujo nome verdadeiro era Kazemiya Kuon, no entanto, agora era a própria Kuon que se tornara a fonte do problema.
Embora as filmagens do dia já tivessem terminado, o que significava que não havia impacto no cronograma, suas ações atuais causaram comoção entre a equipe e o elenco.
— O que está acontecendo com a Kuon?
A Kuon que eles conheciam, Kazemiya Kuon que sempre mantinha a calma, agora estava diante de sua empresária e mãe, Kazemiya Sora, em uma rara demonstração de fúria.
Mesmo para os espectadores, era evidente que ela estava fervendo de raiva, as chamas irradiavam por todo o seu corpo. Parecia que ela poderia agarrar sua mãe pelo colarinho a qualquer momento. Tal comportamento era impensável para alguém que sempre se esforçou tanto para manter o ambiente leve e profissional.
— Você não me ouviu? Ou ainda está fingindo não entender? Ah, entendo. Então deixe-me explicar de uma forma que até você possa entender.
Suas palavras, mais afiadas do que nunca, foram acompanhadas por um olhar tão penetrante que poderia cortar aço. Um olhar mais intenso do que qualquer outro que ela já tivesse mostrado, mesmo em suas performances mais poderosas diante das câmeras.
— Estou dizendo para você se explicar enquanto ainda estou sendo boazinha com você, seu pedaço de lixo. Que merda é essa de expulsar Kohaku-chan de casa?
☆
Kazemiya se abriu comigo. Ela me contou que sua mãe insistiu para que ela ficasse em casa durante as férias de verão. Como ela se recusou. Como foi mandada para fora de casa. Além de como, tomada pela emoção, ela saiu furiosa.
— Odeio ser tão infantil.
— Você é uma criança. Nós dois somos.
— Eu sei que isso é verdade, mas... não é isso que quero dizer.
— Saquei.
Kazemiya se encolheu, parecendo tentar se esconder dentro de si mesma, com sua auto aversão inquestionável.
Era egoísmo da minha parte esperar que ela não se odiasse assim?
— Eu entendo, então... apenas continue sendo uma criança quando estiver comigo. Afinal, nós dois somos apenas crianças.
— Quando você diz coisas assim, só me faz sentir ainda mais infantil. É bem frustrante…
— Você quer ser adulta?
— Talvez. Pelo menos tanto quanto você.
— Eu definitivamente não sou adulto.
— Você parece um para mim.
— Que parte de mim parece adulta?
— Bem... você parece bem maduro.
— Eu não sou maduro de forma alguma.
— Viu? É exatamente isso que faz você parecer maduro.
— Se eu pareço assim, é graças a você.
Pensando bem, percebo que não estava tão maduro no início do semestre.
O caminho de volta para esta casa parecia como andar sobre lâminas de barbear. Só de respirar aqui, sentia como se meus pulmões estivessem cheios de toxinas. Meu coração estava exausto com o peso da vida cotidiana, mas depois de conhecer Kazemiya Kohaku e formar a “Aliança dos Restaurantes Familiares”, passar tempo com ela aos poucos começou a derreter essa exaustão.
— O que isso quer dizer? Sou eu quem tem recebido toda a ajuda.
— Você não precisa entender. Apenas me deixe aproveitar meu momento.
É por isso que tomei minha decisão. Não importa o que aconteça, estarei sempre ao lado de Kazemiya Kohaku.
— Então, Kazemiya, o que você vai fazer agora?
— Não sei. Ainda não decidi.
— Você quer voltar para casa?
— De jeito nenhum — ela abaixou a cabeça, encolhendo-se e envolvendo-se com os braços — Não quero voltar para aquela casa, mas também não sei o que mais fazer. Uma parte de mim só quer desaparecer em algum lugar bem distante… mas esse é um pensamento bem estúpido.
Ela se acalmou após o banho, recuperando a compostura, mas isso só tornou a desesperança de sua situação ainda mais clara.
— No final, vou ter que voltar e pedir desculpas. Como sempre faço… — enquanto falava, parecia que ela estava organizando seus pensamentos, aceitando suas emoções — Fugir de casa não é a melhor opção a se escolher, especialmente para alguém como eu, apenas uma pirralha fazendo birra.
Cada palavra, cada som que ela emitia, afundava profundamente como resignação.
— De qualquer forma, obrigada por tudo hoje. Você realmente me ajudou. Vou agradecer à sua mãe e ao seu pai antes de voltar para casa. Eu sei que isso é patético da minha parte, mas... como você estava lá para mim, eu...
— Bem, então, que tal fugirmos juntos?
— Hã?
Kazemiya congelou, com a boca aberta em descrença, como se não conseguisse compreender o que eu acabara de dizer. Seus olhos azuis profundos, como pedaços de um céu claro, arregalaram-se enquanto ela lentamente conseguia formar palavras.
— O que... o que você quer dizer com isso?
— Eu disse exatamente o que eu disse. Vamos fugir juntos. Pegaremos o primeiro trem amanhã de manhã. Por enquanto... vamos usar os planos que fizemos antes das férias de verão começarem. Se vamos fugir, é melhor aproveitar ao máximo. Quero aproveitar isso com você.
— E-Espere um segundo!
— Não se preocupe com dinheiro. Eu tenho uma fonte de fundos para fugir.
— Essa não é a questão! Você está falando sério? Isso não é uma piada?
— Se você quiser que seja uma piada, vamos chamá-la de piada.
Se voltar para casa era o que ela realmente queria, eu aceito isso. Eu não vou impedir ela de fazer o que quer.
— A diferença é que isso não é para ser uma piada. Isso é para que você sorria. Não quero que você chore. Se você vai derramar lágrimas, eu quero ser quem as enxugue. Se você está triste, quero fazer você feliz. É assim que realmente me sinto. Sou seu aliado e seu amigo.
Embora nosso relacionamento seja de curta duração, considero-o profundo e significativo. E, da minha perspectiva, a maneira como ela falou sobre voltar para casa não parecia genuína.
Se houver outra opção, ela a escolheria. É por isso que quero criar essa opção para ela.
— Por que você iria tão longe por mim?
Era uma pergunta natural, mas a resposta já havia florescido na minha mão.
— Porque você me deu uma estrela dourada.
Você fez um ótimo trabalho.
Era o que ela havia escrito na minha mão esquerda, uma estrela dourada que ela havia desenhado para mim. Quando criança, eu ansiava por essas palavras mais do que qualquer outra coisa, mas nunca as recebi.
Mas Kazemiya Kohaku me deu isso.
— É tudo o que você precisa?
— É mais do que suficiente.
Porque essas eram as palavras que Kazemiya também queria ouvir. Palavras que ela deve ter desejado desesperadamente. Mesmo quando estava magoada e mal conseguia se controlar, ela me deu essas palavras.
— Eu já decidi que estou do seu lado, Kazemiya.
— Mas e se eu estiver errada? E se eu estiver apenas sendo egoísta, fugindo de casa, enganando você e causando todo esse problema?
— Mesmo que você esteja errada, mesmo que esteja me enganando, eu não me importo. Eu já te disse isso antes, não disse? Mesmo que você se tornasse uma senhora demoníaca determinada a destruir o mundo, eu ainda estaria do seu lado, Kazemiya Kohaku.
— Ah, qual é? Corta essa…
Kazemiya se jogou na cama, puxando o cobertor sobre a cabeça para esconder o rosto de mim.
— É por isso que... só não me mime assim.
— É exatamente por isso que estou dizendo para você me deixar te mimar.
Ainda debaixo do cobertor, ela finalmente espiou o suficiente para encontrar meu olhar, seus olhos tímidos, mas perscrutadores.
— Posso realmente contar com você?
— Pode.
— Talvez eu dependa muito de você.
— Eu cuido disso.
— Se você me mimar demais, posso me tornar uma pessoa sem esperança.
— Isso é ótimo para você.
— Posso fazer pedidos egoístas.
— Então faça. Eu os concederei.
Parecia que ela havia dito tudo o que precisava no momento. Envolta no cobertor, ela permaneceu imóvel.
— Então posso começar pedindo uma coisa?
— Vá em frente.
Uma breve pausa. Naquele silêncio, havia uma hesitação tênue, um lampejo de dúvida e uma determinação frágil de se abrir.
— Fuja comigo — sua voz tremia, como se ela fosse começar a chorar. Era a voz de uma criança com medo da rejeição — Eu sei. Sei que isso causará problemas para você, Narumi... e para sua família. Sei que é egoísta e sinto muito, mas... eu quero que você fuja comigo. Eu quero ficar com você, Narumi.
Para Kazemiya Kohaku, dizer essas palavras deve ter exigido uma coragem imensa.
Mas ela expressou o que queria.
Um desejo que ela normalmente teria apenas desistido. Um desejo tão simples e ingênuo que poderia parecer superficial e infantil para os adultos, mas para nós, crianças, era um pedido genuíno e sincero.
— Se é isso que você quer, então vou fugir com você. Para qualquer lugar... pelo tempo que você quiser.
Estendi a mão e peguei a mão estendida debaixo do cobertor.
Nossos dedos se entrelaçaram, apertando-se com força. Amarrados juntos, como se garantissem que nunca nos separaríamos. Como se desafiassem qualquer um que tentasse nos separar.
☆
Nossos dedos se entrelaçaram firmemente, como se fossem se manter assim para sempre. Unidos, garantindo que nunca poderíamos ser separados por ninguém. Narumi não disse nada depois disso. Ele apenas ficou ao meu lado. A cada momento que passava, algo começou a crescer dentro de mim. Era como uma fruta, doce e quente, amadurecendo lenta mas seguramente.
Tão quente...
Eu já tinha me acalmado depois do banho. O quarto estava cheio do ar fresco do ar condicionado. Mesmo assim, eu me sentia tão quente.
Meu coração acelerou, cada batida trêmula fazendo aquele fruto amadurecer ainda mais. Eu devia estar mais cansada do que imaginava. Lentamente, minhas pálpebras começaram a fechar. A escuridão me envolveu, mas não era assustadora. Não era fria. Era uma escuridão reconfortante. Não era como antes. A escuridão sob as luzes da rua era aterrorizante. Fria.
O que tem de diferente agora? Era porque eu estou em um quarto? Porque estou envolvida pelo calor do cobertor? Ah... entendi...
A resposta veio rapidamente. Estava bem na minha frente o tempo todo. Eu nem precisei pensar sobre isso.
É porque Narumi está aqui...
É por isso que eu não estava com medo. Não de dormir. Não da escuridão. Nada na situação havia mudado. Se era alguma coisa, eu havia arrastado Narumi para essa confusão e, ainda assim, eu me sentia à vontade.
Mais do que nunca.
— Narumi.
Minha consciência começou a se esvaecer, afundando nas profundezas reconfortantes de um sonho.
— Me desculpa.
Desculpe por ter te envolvido nisso. Por causa da minha estupidez infantil, eu te puxei para dentro.
— Eu causei tantos problemas para você, Narumi.
Desculpe, Narumi.
— Mesmo causando problemas para você, me sinto à vontade. Mesmo você tendo dito que fugiria comigo, estou feliz. Sei que não deveria me sentir assim, mas...
Estou feliz por poder fugir com você. Estou feliz por poder passar tempo com você.
— Não peça desculpas.
Com apenas essas palavras gentis de Narumi, o fruto doce e quente dentro de mim amadureceu ainda mais. O menor toque de seus dedos nos meus, a maneira como sua mão acariciava suavemente meu cabelo, tudo isso nutria aquele fruto, pouco a pouco, mas de forma inegável.
— Você não é um incômodo. Na verdade, eu também estou feliz. Estou feliz por poder fugir com você, Kazemiya...
A presença de Narumi Kouta estava ficando cada vez maior em meu coração.
— Obrigada...
Com a sensação de mais um fruto doce e quente amadurecendo dentro de mim, eu adormeci.
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