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PRÓLOGO - CHUVA

Atualizado: 8 de set.

O que é um lar?

Um lugar onde as pessoas podem viver. Um lugar para construir uma vida. Uma base de operações. Um lugar para se sentir seguro. Um lugar para relaxar. As pessoas podem defini-lo de maneiras diferentes, mas a sociedade geralmente o vê como algo positivo.

Para mim, porém, “lar” não passa de um “lugar onde não consigo relaxar”.

— Kouta, onde é que você vai a uma hora dessa?

— Na conveniência. Se precisar de alguma coisa, posso comprar enquanto estiver lá.

Eram 21:00, tarde o suficiente para que sair parecendo suspeito. Era natural que minha mãe me chamasse e eu dei a ela a desculpa que havia preparado com antecedência, dizendo a frase como se estivesse lendo um roteiro.

— Então, compre sorvete. O suficiente para todos. Ah, e leve um guarda-chuva. Parece que vai chover.

— Tá.

É final de julho. Uma noite quente e tranquila, com agosto chegando. O céu estava pesado e nublado. Honestamente, eu não precisava de nada da loja de conveniência. Eu só queria sair daquela casa desconfortável.

Isso não é um recado à eles, mas uma fuga.

Enquanto caminhava pelas ruas na minha suposta fuga, meus pensamentos não estavam nos lanches que eu realmente não queria e nem no sorvete que eu tinha sido encarregado de comprar.

Férias de verão, hein... Normalmente, eu estaria pelo menos um pouco feliz, mas por que já estou sentindo falta da escola?

Era apenas o primeiro dia. Não, as aulas tinham acabado mais cedo naquela tarde e, no entanto, lá estava eu, já com saudades da escola…

Para ser mais preciso, do tempo que passei com Kazemiya durante o semestre passado.

O primeiro semestre da minha vida como Narumi Kouta foi, para dizer o mínimo, um turbilhão de mudanças. Durante as férias de primavera, minha mãe se casou novamente, dando-me uma meia-irmã e um padrasto. Meu pai biológico, um meritocrata rigoroso, me considerava um fracasso por não atender às suas expectativas, o que acabou levando ao divórcio dos meus pais. Essa experiência deixou minha mãe excessivamente carinhosa, praticamente me sufocando com preocupação.

Isso não mudou mesmo depois de ganhar uma nova família e fez com que minha casa parecesse mais sufocante do que nunca. Para escapar, comecei a frequentar um restaurante familiar depois do trabalho. Foi lá que conheci minha colega de classe, Kazemiya Kohaku. Ela também achava sua casa desconfortável e matava o tempo no mesmo lugar pelos mesmos motivos.

Juntos, transformamos o lugar em nossa “zona de fuga” mútua, apelidando-nos de “Aliança do Restaurante Familiar”. O que começou como uma aliança de conveniência lentamente evoluiu para uma amizade genuína. Nós até fizemos planos para “aproveitar a fuga” juntos durante as férias de verão.

“Aproveitar a fuga”... que frase bizarra foi essa? Bem, mas essa é a verdade…

— A chuva já começou?

Ploc. Ploc.

Gotas de chuva começaram a cair em minhas bochechas. Assim como minha mãe havia avisado, estava chovendo afinal. Ainda bem que eu tinha trazido um guarda-chuva. Seu microgerenciamento finalmente valeu a pena.

Enquanto eu relaxava no sofá, olhando para a tela da TV, o programa que eu estava assistindo terminou e um comercial começou a passar. Minha atenção e a atenção de Kazemiya Kohaku foi instantaneamente roubada pelo que veio a seguir, mais do que qualquer coisa que tivesse passado antes.

— Este... este é o que vou ver com Narumi amanhã.

O comercial era de um filme recém-lançado que aparentemente estava quebrando recordes de bilheteria. O motivo pelo qual acabei indo? A mãe de Narumi conseguiu dois ingressos com uma amiga e os entregou a ele.

Dois ingressos... Honestamente, ele poderia só ter convidado logo o amigo de infância dele, o Inumaki. Não precisava ser eu…

Mas ele me escolheu e só esse fato já me encheu de uma alegria que, francamente, era um pouco embaraçosa.

— Por que estou tão animada?

Não era como se amanhã fosse a primeira vez que Narumi e eu iríamos ao cinema juntos, no entanto, por alguma razão inexplicável, meu peito não se acalmava. Meu coração batia acelerado como se estivesse tentando bater um recorde pessoal e uma sensação calorosa e agitada se espalhou por mim. Para completar, eu não conseguia ficar parada.

Enquanto eu estava sentada ali, praticamente vibrando de empolgação, o som de alguém chegando em casa ecoou pelo corredor.

O ritmo constante dos passos era inconfundível. Era o som de alguém que vivia sua vida como se seguisse um manual de operações rigoroso.

— Bem-vinda de volta, mãe.

— Só vim pegar uma muda de roupa.

— E a Kuon?

— Ela está gravando uma novela hoje. Ela vai ficar no hotel comigo por enquanto. Voltaremos depois de amanhã.

Minha irmã mais velha, Kazemiya Kuon (mais conhecida mundialmente como a cantora e compositora Kuon), não se limitava apenas à música.

Não, ela faz de tudo.

Compunha músicas, escrevia, estrelava novelas e até aparecia em programas de variedades. Para piorar… não, para melhorar, objetivamente, sua atuação era tão boa que as pessoas começavam a questionar se ela era primeiro atriz e depois musicista.

Mais cedo, ela até apareceu como convidada no programa que eu estava assistindo sem prestar muita atenção. Eu não tinha verificado, mas apostaria minhas economias inexistentes que o nome dela já estava em alta nas redes sociais novamente. Kuon era esse tipo de pessoa, uma daquelas pessoas super-realizadas que te fazem querer revirar os olhos, mas também aplaudir educadamente.

— Entendo…

Tudo é sobre ela. Seu sucesso, sua presença, tudo parecia estar a anos-luz de distância de mim. Meu complexo de inferioridade em relação a ela? Sim, ainda estava vivo. Ainda forte.

Mas, tudo bem. Isso não… faz mal.

No momento, minha mente estava ocupada demais com o encontro iminente com Narumi para me importar.

O que devo vestir? Devo tentar um novo penteado? Vamos assistir ao filme pela manhã, almoçar depois... talvez possamos até ir a outro lugar depois. Um lugar divertido. Um lugar romântico. Espere, não, não se precipite, Kohaku.

— Kohaku. Fique em casa pelo resto das férias de verão.

— Hã?

As palavras da minha mãe caíram sobre mim como uma bomba e assim, todos os pensamentos animados na minha cabeça foram destruídos. Escuridão. Nada além de escuridão em minha mente naquele instante.

— Por quê? O que você quer dizer?

— Kuon está em um momento crítico agora. Ela está lidando com dramas, comerciais e até ofertas de filmes. Não podemos arriscar manchar a imagem dela.

— Hã?

Eu não tenho ideia do que minha mãe está falando. Como isso tinha a ver comigo?

— Ei... por quê? Por que o fato de Kuon estar ocupada significa que eu tenho que ficar em casa? Qual é a conexão?

— Se você sair por aí que nem uma louca, você pode causar problemas para Kuon.

— Isso não faz sentido.

— Olha, se você se envolver em qualquer tipo de incidente ou problema, isso pode prejudicar a reputação da Kuon. Isso pode arruinar suas novelas, comerciais ou até mesmo seus contratos para filmes. Você está no ensino médio agora, então com certeza já está grandinha o suficiente para conseguir entender isso.

Minha mãe deu sua explicação como se fosse a coisa mais lógica do mundo. Ela nem sequer olhou para mim, muito ocupada digitando em seu smartphone, provavelmente mandando mensagens para alguém do trabalho. Mesmo quando terminou, ela não olhou para mim, em vez disso, enfiou suas roupas em uma bolsa com uma eficiência impressionante.

— Bem, estou saindo.

Com a bolsa pronta, minha mãe virou as costas para mim e começou a se afastar.

— Não vou fazer isso!

Mas eu a impedi de seguir em frente.

— O que você disse?

— Eu disse que não vou fazer isso.

Finalmente, minha mãe se virou para mim. Pela primeira vez, seus olhos encontraram os meus em muito tempo.

— Fiz planos para ir ao cinema com um amigo amanhã. Tenho outros planos também, muitos deles, para as férias de verão. Não vou ficar em casa o tempo todo.

— Você entende o que está dizendo?

— Eu quem deveria estar perguntando à você.

— Como assim?

— É sempre o mesmo roteiro. Me proibindo de trabalhar meio período, tomando todas essas decisões por mim. Você nunca confia em mim. Você nem tenta confiar.

— Estou te dando dinheiro para gastar em vez de deixar você trabalhar. Qual é o problema?

— Não é sobre o dinheiro! Essa não é a questão!

Ela não entendia. Ela nem percebia o que estava dizendo. Ela estava me dizendo abertamente que não confiava em mim e isso não a incomodava nem um pouco.

—  Kohaku... Não me importa qual seja o seu problema, mas isso é pelo bem de Kuon. Aceite isso. Vou te dar todo o dinheiro que você quiser, mas você vai ficar em casa neste verão.

— De jeito nenhum. Deixe-me aproveitar minhas férias de verão!

— Então vá embora. Saia desta casa. Agora mesmo.

— Quê?

— Se você não consegue seguir as regras desta casa, então vá embora. Minha casa, minhas regras. Faça o que quiser, mas não envolva o nome da nossa família se você se meter em encrenca. Vamos cortar completamente os laços com você.

Ela estava me olhando diretamente nos olhos. E, no entanto... eu sabia. Ela não estava realmente me vendo.

— Você está realmente bem com isso, mãe?

— Contanto que você não cause problemas para Kuon, não me importo.

— Tudo bem. Eu vou embora.

— Vá em frente. Vamos ver quanto tempo você voltar rastejando.

Eu não conseguia mais olhar para ela. Peguei meu celular e saí correndo de casa com nada além das roupas que vestia. Mesmo quando calcei os sapatos, mesmo quando abri a porta, mesmo quando saí de casa, minha mãe não disse uma palavra.

— Por que? Por que?!

Continuei andando. Pelas ruas escuras, sem rumo, como se tentasse me livrar da raiva e da tristeza. Eu não sabia para onde estava indo, mas continuei andando, desesperada para fugir dos meus sentimentos.

— Era para ser divertido... Só de pensar nisso eu ficava tão feliz...

Mesmo com minhas inseguranças em relação à Kuon, mesmo com minha mãe me ignorando, eu estava tão animada com o dia seguinte. Só de imaginar o tempo que passaria com Narumi, meu coração acelerava.

Pensar nas férias de verão me deixava tão feliz e agora toda essa felicidade tinha sido roubada. Foi por isso que eu respondi mal à minha mãe.

Uma pequena parte de mim esperava que confrontá-la pudesse mudar alguma coisa. Que ela pudesse realmente me ouvir pela primeira vez. Mas foi inútil. Ela nem sequer tentou me ver. Talvez eu devesse ter esperado por isso.

— Chuva...

Em algum momento, começou a chuviscar. Eu não tinha trazido guarda-chuva. Esqueci dele na pressa de sair.

A chuva fria encharcou minhas roupas, deixando-me gelada. Estranhamente, isso ajudou a esfriar minha cabeça também. A luz de uma loja de conveniência próxima chamou minha atenção e, como uma mariposa atraída pela luz, fui em direção a ela. Mas não consegui entrar, apenas fiquei parada ali.

— Isso é péssimo.

A chuva levou tudo embora. Minha empolgação, minha felicidade, até mesmo minha frustração. Tudo o que restou foi a repetição pesada da minha briga com minha mãe, girando em minha mente.

Eu não tinha nenhum plano. Nenhum destino. Saí de casa por impulso, levando nada além do meu celular. Talvez eu pudesse me virar com pagamentos móveis por um tempo, mas não poderia passar todas as férias de verão assim. Eventualmente, eu teria que voltar, mas eu não quero. Eu não queria voltar.

O que eu faço? O que eu faço? O que eu...

— Kazemiya?

O som de sua voz atravessou a chuva e a escuridão, cortando a tempestade que me cercava.

— Narumi?

Não tinha como eu ter me enganado. Sua voz era claramente inconfundível.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu não estava me sentindo muito bem em casa, então eu apenas... saí para dar uma volta. Mas e você? Isso não é exatamente perto da sua casa.

Essa não é a questão. Por que é que você... sempre aparece exatamente quando eu mais preciso de alguém?

— O que aconteceu?

Por que é que sempre é você quem me oferece um guarda-chuva, quem lava a tempestade no meu coração?

— Desculpa, Narumi. Eu... eu...

Mas eu não conseguia dizer isso. Não conseguia dizer o que realmente queria.

— Eu fugi.

A chuva continuava caindo, me deixando encharcada até os ossos. Tudo o que eu podia fazer era lutar contra as lágrimas que ameaçavam cair, tentando desesperadamente manter minha expressão firme.



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