CAPÍTULO 4 - Kohaku e Kuon
- AKEMI FTL
- 28 de set.
- 15 min de leitura
Atualizado: 6 de out.
Entediada.
Quantas vezes já senti isso no meu coração?
Monótona.
Quantas vezes já sussurrei isso desde que nasci?
Para Kazemiya Kuon, a vida era uma sequência de padrões previsíveis. Ela compreendia a maioria das coisas depois de vê-las apenas uma vez. Mesmo sem ver, ela conseguia lidar com quase tudo.
Alguém disse uma vez:
— Kazemiya Kuon é um prodígio.
Outra pessoa disse:
— Kazemiya Kuon é uma gênia.
Mas palavras tão comuns não eram suficientes para descrevê-la, uma monstra nascida com um talento incomparável. Para aqueles da sua idade, ela podia parecer uma tempestade se aproximando como um caos.
Kazemiya Kuon nunca teve nada parecido com um amigo, mas nunca se sentiu solitária. Ela simplesmente não tinha nenhum interesse fundamental pelas pessoas ao seu redor, no entanto, isso não significava que ela não fosse popular. Pelo contrário, Kazemiya Kuon estava sempre cercada de pessoas.
Mesmo quando criança, ela compreendia que construir conexões poderia ajudar a evitar problemas incômodos, mesmo que não estivesse genuinamente interessada nos outros. Aprofundar superficialmente relacionamentos e desempenhar o papel de amiga era fácil para ela. Socializar era apenas mais uma tarefa que ela podia completar sem esforço.
Para Kuon, o mundo era um amontoado de coisas familiares e enfadonhas. A própria vida parecia um exercício de tédio. Uma maneira interminável de passar o tempo. Um horizonte repleto apenas do comum e do mundano.
A única incógnita que restava para ela era a “morte”.
Havia até momentos em que ela pensava que talvez fosse bom simplesmente morrer, mas, no final, Kazemiya Kuon nunca escolheu a morte. Porque...
— Maninha, maninha!
— O que foi, Kohaku-chan?
— Maninha, eu te amo!
— Eh?! O quê?! Você acabou de dizer que me ama?! Não acredito, você realmente disse isso, não foi? Você não está mentindo, certo? Claro, você não mentiria, você é Kohaku-chan! E-Espere, sério? Você está falando sério? De verdade?! Ebaaaa! Isso é a melhor, a melhor coisa de todas!!! Kohaku-chan, você é tão fofa! Eu também te amo! Eu te amo, amo, amo muito! Você é a minha favorita de todas!
Kazemiya Kuon é uma siscon nata.
Para Kuon, todas as outras pessoas no mundo eram mundanas e comuns, mas sua irmã mais nova, Kohaku, era a exceção. Ela podia amá-la incondicionalmente. Ela era simplesmente adorável demais. Kuon adorava Kohaku tanto que a ideia de raptá-la para si não parecia ser tão absurda.
Ela até achava que dedicar o resto da vida a mimar Kohaku não seria uma maneira tão ruim de viver, mas, à medida que crescia, ela descobriu outra coisa, algo que a libertou da jaula do tédio. Era outra coisa desconhecida, além da morte: Música.
— Kuon... é um pouco difícil de dizer isso, mas não acho que cantar combine com você.
Ela sempre amou ouvir música. Para Kazemiya Kuon, as vozes das pessoas comuns eram como se não existissem. Assim, em seu mundo sem som, as canções e a música que traziam som para ele se tornaram coisas que ela apreciava.
No início, ela começou a cantarolar distraidamente. Então, ela se viu com vontade de cantar, mas, sem que ela soubesse, ela era desafinada. Um fato que sua mãe revelou um dia, com certa apreensão.
— Não combina comigo? Cantar? Você está dizendo... que eu sou ruim nisso?
— Sim... Para ser sincera...
Vendo sua mãe fazer uma careta constrangida, Kuon abriu um sorriso.
— Isso é incrível.
Ela mergulhou de cabeça no canto. Pela primeira vez na vida, ela soube o que era se esforçar em algo. Ela passou a amar cada vez mais cantar. Não ser capaz de fazer algo era divertido. Havia algo desconhecido que ela ansiava por toda a sua vida, bem ali na sua frente. Mesmo que seus esforços não rendessem resultados, ela se divertia.
Mas aqueles ao seu redor não aprovavam.
— Pare de cantar.
— Você não tem talento para isso.
— Desperdiçar seu talento em algo tão trivial como música é ridículo.
— É um mau uso dos seus dons.
— É uma perda para o mundo.
— Não há garantia de que você vai ganhar a vida com música.
— Pare com isso.
— Pare de cantar.
Ela começou a ouvir as vozes do mundo comum que ela nunca havia notado antes. Ela não sabia que o mundo podia ser tão barulhento. Era insuportável. Dia após dia, as vozes ameaçavam rasgar seus tímpanos.
O que ela não conseguia tolerar acima de tudo e o que a enfurecia além das palavras, era que seu amor pela música estava sendo negado todos os dias por causa dela. Parecia que a própria música estava sendo contaminada, manchada por sua existência.
Se for esse o caso...
Mais valia desistir. Se o seu canto era a causa da profanação da música, então seria melhor desistir completamente.
— Eu gosto quando você canta, maninha — a sua irmã mais nova, Kohaku, tinha dito essas palavras — Então, por favor, não pare de cantar.
Essas palavras tiraram Kuon do abismo, mantendo-a no caminho da música.
Na tempestade de rejeição implacável, sua irmã apareceu, como um anjo, e quando Kuon cantava com sua irmã em mente, era estranho, além de surpreendente, o quão bem ela conseguia cantar.
— Maravilhosa!
— Você é uma gênia!
— Seu talento é com a música!
— É como se você tivesse nascido para cantar!
— Incrível!
O talento de Kuon floresceu completamente. O potencial de Kazemiya Kuon despertou totalmente. Agora ela podia cantar à vontade, dedicando sua vida à música.
Ela estava indescritivelmente feliz, tomada pela alegria e gratidão. Ela estava eufórica, verdadeiramente, profundamente eufórica, mas ela não conseguia entender. A irmã que lhe deu essa felicidade estava constantemente sofrendo. Perseguindo as costas do monstro que era Kazemiya Kuon, Kohaku tropeçou, enfrentou a derrota e suportou comparações intermináveis. Ela devia odiar Kuon. Ela devia odiá-la com todo o seu coração.
Então por quê? Por que Kohaku me ajudou a permanecer no caminho da música?
Kuon entendeu. Kohaku não era o tipo de pessoa que zombaria do canto desafinado da irmã. Ela falava sério. Ela realmente apoiava Kuon sinceramente, querendo que ela não abandonasse o canto que amava. Kuon sabia disso, mas ainda assim não conseguia entender.
Por quê? Por que Kohaku ajudou a pessoa que deveria odiar?
Kazemiya Kohaku era a pessoa mais magoada por Kazemiya Kuon, a pessoa mais profundamente ferida por ela.
Eu não... não consigo entender porque estou pensando com lógica humana.
Por mais que pensasse sobre isso, a resposta não vinha, mas, enquanto continuava pensando, Kuon finalmente chegou a uma conclusão.
Agora entendi. Kohaku-chan é um anjo.
Kazemiya Kohaku não era apenas sua irmã mais nova, ela era um anjo que desceu a este mundo. Na mente de Kuon, essa era a única explicação.
Você me deu o dom da música. Você é um anjo, não é?
E assim, Kazemiya Kuon se tornou uma adepta de seu anjo. Pelo bem de seu anjo, ela desafiaria até mesmo os próprios deuses criadores, se necessário.
Ela não queria que Kohaku se machucasse. Ela queria protegê-la. Ela a amava profundamente. Mas, ao mesmo tempo, Kuon compreendia a fragilidade da irmã. A maneira como ela se machucava, tropeçava e fugia. Kazemiya Kohaku era frágil. Como um anjo delicado que poderia se quebrar ao menor toque.
É por isso que tenho que protegê-la!
Kuon começou a se distanciar de casa. Se ela ficasse por perto, continuaria a magoar sua irmã. Ela também tirou sua mãe de casa, porque ela também era uma fonte de dor para Kohaku.
Tudo bem se Kohaku sair de casa temporariamente para fugir. É só um ato de autopreservação e, no final, ela vai voltar para casa.
Sim, contanto que ela acabasse voltando, estava tudo bem em fugir, mas sair de casa permanentemente era inaceitável. Lá fora, no mundo, no feio reino inferior, seu delicado anjo não sobreviveria.
Kohaku-chan pode me odiar, mas tudo bem…
Se ela se machucasse onde Kuon não pudesse ver, Kuon não seria capaz de ajudá-la.
Contanto que eu possa proteger Kohaku-chan, isso é o suficiente para mim.
Um sorriso autodepreciativo cruzou seu rosto. Ela queria tanto proteger Kohaku, mas sabia que era ela quem mais a machucava.
— Tudo bem, Kohaku-chan. A “Kazemiya Kuon” que você odeia vai desaparecer para você.
As palavras, que rasgaram seu peito só de serem ditas, foram levadas pelo vento no telhado do prédio.
— Você desaparecer por conta própria seria um problema para mim.
E o vento trouxe de volta as palavras de um anjo.
— ...
— Por que essa cara?
Diante de Kazemiya Kuon estava o anjo que ela achava tão frágil.
— Sinceramente, estou surpresa. Não achei que você viria até mim, Kohaku-chan. Como você me encontrou?
— Você sempre gostou de lugares altos, Onee-chan. Imaginei que você estaria em um lugar como este. O amigo de Narumi também me ajudou muito.
Narumi Kouta não estava à vista. Ele provavelmente estava por perto, mas Kohaku tinha vindo sozinha para enfrentar Kuon.
— Então? Você está pronta para voltar para casa, Kohaku-chan?
— Não vou voltar.
A resposta foi a mesma de ontem. Kuon não ficou surpresa com isso, ela já esperava por isso. O que a surpreendeu foi a nova força na voz de Kohaku.
— Você ainda está jogando seu joguinho de fugir?
— Isso mesmo.
Diferentemente de ontem, Kohaku assentiu sem hesitar, mesmo que as palavras de Kuon fossem destinadas a magoá-la.
— Você está certa sobre isso, irmã. Essa fuga não pode durar para sempre. Eu sei disso. Sei que terei que voltar eventualmente, mas... essa hora ainda não chegou.
Não passava de uma declaração teimosa. Fugir continuava sendo fugir, mas, para Kazemiya Kohaku, essa era uma mentalidade que ela nunca havia adotado antes.
Até agora, ela sempre se sentira culpada por fugir, negando suas próprias ações escapistas. Agora, porém, ela estava afirmando ativamente sua decisão de fugir.
— Por quê? Kohaku-chan, você fugiu porque sentiu que não podia ficar em casa, não foi? Porque odiava a mamãe e a mim. Mas nós estamos indo embora. As pessoas que você não precisa em sua vida vão desaparecer daquela casa. Então você não vai mais se sentir presa. Você não precisa mais fugir. Você pode ser feliz. Então por que você não volta?
— Não decida isso por mim.
O vento rugia, trazendo o calor do verão e o som das cigarras em seu rastro. Em meio ao barulho caótico, a voz de Kohaku soou clara e resoluta.
— Não decida que ela e você são desnecessárias na minha vida. Não decida que a sua partida é o que vai me fazer feliz.
— Eu não-… entendi.
— Não, você não entende. Você não entende nada. Nem você e nem mãe são apenas fontes de dor para mim.
— Isso é impossível — Kuon respondeu com um sorriso autodepreciativo às palavras sinceras de sua irmã — Eu sei o quanto você sofreu por causa do talento de “Kazemiya Kuon”. O quanto isso te machucou e o quanto os outros te machucaram por causa disso.
— É verdade. Eu fui machucada pelo seu talento. Eu senti inveja. Eu senti desespero. Houve até momentos em que eu desejei que você não existisse.
Kuon reconheceu interiormente que isso confirmava sua crença, Kohaku era o anjo frágil que ela sempre conhecera. Por mais que Kohaku tentasse embelezar suas palavras, ela ainda era a irmã mais nova e vulnerável que Kuon sempre conheceu.
— Mas, mais do que isso, eu te admirava.
Ou pelo menos era o que ela pensava.
— Eu sentia mais orgulho de você do que dor.
O que saía dos lábios de Kohaku não era ódio ou ressentimento.
— Eu te amo mais do que sua presença já me magoou!
Suas palavras brilhavam intensamente, deslumbrantemente puras e sinceras.
— Isso é... mentira.
— Não é mentira.
— Não consigo acreditar.
— Então acredite em mim.
— Não consigo entender. Porque... porque, Kohaku-chan, você me deu a “música”. E, no entanto, eu... como “Kazemiya Kuon”... só lhe causei dor. Não tem nada em mim que você possa amar.
— Há sim. Eu sempre disse isso. Eu amo suas músicas, Kuon. Eu gosto do seu canto. Então, por favor, não pare de cantar, Onee-chan.
Ela se lembrou. Como poderia esquecer as palavras que a mantiveram no caminho da música?
— Mas é só isso... apenas esse motivo...
— É o mesmo para mim. Tudo o que fiz foi dizer que gostava do seu canto. Tudo o que fiz foi dizer para você não parar de cantar e só por isso, você se importou tanto comigo.
Enquanto falava, Kohaku pegou seu celular e mostrou a tela para Kuon. Nela estava uma lista de reprodução em seu aplicativo de música. A lista incluía músicas como Wings of an Angel, Sugar Sheep, Marshmallow Declaration, Bone World, Sakura Minus Red e o último lançamento de Kuon, Snow Wings.
— Branco.
Com uma voz cheia de certeza, Kohaku nomeou a cor.
— Todas as músicas que você escreveu têm títulos relacionados ao meu nome.
— Você percebeu…
— Claro que percebi. Afinal, fui a primeira fã de Kuon no mundo. Eu não poderia odiar alguém que se importava tanto comigo. Como eu poderia odiar alguém que pensava tão profundamente em mim? Maninha, você é a razão de eu ser quem sou.
Kuon pensava que ela não tinha percebido. Ela presumiu que não havia como Kohaku perceber. Ela acreditava que seus sentimentos de amor e carinho pela irmã eram totalmente unilaterais.
— Houve um tempo em que pensei que você devia me odiar, quando pensei que você, alguém tão talentosa, nunca poderia gostar de alguém como eu, que não é. Mas quando percebi isso, não consegui mais pensar dessa forma. Claro, foi um pouco embaraçoso, mas a felicidade superou isso. Mas... mas agora... mais do que vergonha, mais do que felicidade, há outra coisa que sinto… raiva.
O olhar de Kohaku perfurou diretamente o de Kuon. Não era o olhar de alguém fugindo. Era o olhar de alguém mantendo sua posição. Não era o olhar de um anjo frágil. Era o olhar de alguém pronta para seguir em frente com suas próprias pernas.
— Você mesma disse, “Kohaku-chan, você está sempre fugindo”, mas não é o mesmo para você? — Kohaku falou, mesmo que as palavras claramente a magoassem, cortando profundamente tanto a ela quanto a Kuon — Você também estava fugindo de mim, não estava?
Suas palavras carregavam o peso da verdade.
— Você poderia simplesmente ter conversado comigo em vez de transmitir as coisas através de suas canções. Sair de casa é a mesma coisa. Você está fugindo porque tem medo de me enfrentar! — Suas palavras abnegadas perfuraram diretamente o coração de Kuon — Você estava fugindo assim como eu! Você nem teve coragem de brigar comigo como irmãos fazem! Em vez de dizer palavras grandiosas e dar desculpas, apenas me enfrente de verdade!
Sob o céu azul de verão, a voz de Kohaku ressoou, vasta e profunda, ecoando por toda parte.
— Eu queria conversar com você! Eu queria ouvir sobre o seu trabalho, perguntar sobre suas músicas! Eu queria ir às compras com você nos seus dias de folga, jogar jogos em casa ou até mesmo que você me ensinasse a estudar! Mas você nunca voltava para casa! E... e... bem, de qualquer forma! Eu não vou voltar ainda! Eu decidirei por mim mesma quando for hora de voltar! Então, Onee-chan, cuide-se e dê o seu melhor no trabalho!

No final, Kohaku deixou o telhado, proferindo uma enxurrada de palavras que confundiam a linha entre reclamações e encorajamento. Ela era como o vento, ou melhor, mais como uma tempestade que ultrapassava até mesmo o próprio vento.
— Então eu também estava fugindo, hein? Ela realmente atingiu um ponto sensível…
Kazemiya Kuon estava fugindo. Ela acreditava que sua irmã a odiava. Ela achava que sua própria existência magoava Kohaku mais do que qualquer outra pessoa ou coisa no mundo.
Voltar para casa significaria enfrentar a realidade de que a pessoa de quem ela mais gostava a odiava. Ela se convenceu disso e usou a desculpa de afastar sua mãe de Kohaku como motivo para ficar longe.
— Eu achava que tinha que protegê-la, meu anjo frágil, mas... antes que eu percebesse, ela havia se tornado forte o suficiente para se opor a mim e superar até mesmo minha imaginação.
Por estar fugindo, ela não tinha conseguido enxergar isso. Kazemiya Kohaku é forte. Forte o suficiente para não precisar da sua proteção. Foi Narumi Kouta quem enxergou a verdade.
— Eu perdi. Você e Kohaku-chan venceram.
O monstro, ou talvez a calamidade, reconheceu sua derrota. Mas seu coração estava tão claro quanto o céu azul acima. Sentindo-se revigorada, ela pegou seu smartphone e fez uma ligação. A pessoa atendeu após apenas dois toques.
— Oi, mãe?
A pessoa do outro lado da linha era Kazemiya Sora, mãe de Kuon e Kohaku.
— Kohaku-chan fugiu.
O relato de Kuon sobre sua derrota foi recebido com um breve silêncio.
— Entendo. Então você já se divertiu o suficiente, não é? Volte ao trabalho.
A voz de sua mãe, fria e quase insensível, despertou uma mistura de irritação e desdém em Kuon.
— Você é tão irritante. Eu já ajustei minha agenda, não é? Por que você acha que eu me dou ao trabalho de acumular favores de tantas pessoas? Honestamente, considerando a natureza desses favores, eles provavelmente ficam felizes em ajudar. É uma situação em que todos ganham — E, ainda assim, Kuon não conseguia cortar completamente os laços com sua mãe — Eu não estava enfrentando Kohaku-chan. Eu estava fugindo dela. Por enquanto, estou começando por admitir isso.
— Do que você está falando?
— Estou dizendo que você também deveria parar de fugir da Kohaku-chan.
— ...
— A Kohaku-chan já está começando a crescer.
Um silêncio total se instalou entre elas. Kuon esperou pacientemente pela resposta da mãe.
— Volte ao trabalho.
Mas nenhuma resposta veio e a ligação foi abruptamente encerrada.
— Aff. Aquela velha bruxa — xingando baixinho, Kuon soltou um suspiro, como se tentasse se convencer — Mas acho que não tem jeito.
Do telhado, ela olhou para a paisagem urbana abaixo. Ela podia ver Narumi Kouta e Kazemiya Kohaku se afastando, continuando sua jornada de fuga.
— A culpa que você carrega em relação à Kohaku-chan, mãe... é ainda mais pesada do que a minha.
☆
— Haaaaahhhhhh... Isso foi tão estressante...
Após o confronto de Kohaku com Kuon, embarcamos no trem novamente e paramos em uma filial da Flowers perto da estação para descansar. Na verdade, foi Kohaku quem enfrentou sua família de frente, eu não fiz nada.
— Bom trabalho com a sua irmã.
A única coisa que pude fazer foi oferecer algumas palavras de agradecimento.
— Obrigada... haah... Tô tão cansada... Sinto como se toda a energia do meu corpo tivesse sido completamente drenada.
— Bem, você enfrentou de frente aquela sua irmã mais velha. Não é nenhuma surpresa.
Ela estava encurvada sobre a mesa, completamente exausta, mas isso só serviu como prova de que ela havia enfrentado o desafio sem fugir.
— Obrigada, Narumi. Me sinto muito melhor agora, depois de dizer o que precisava dizer à minha irmã — enquanto falava, Kohaku tomou um gole de seu café com leite gelado para matar a sede — Agora que realmente disse isso e depois de refletir um pouco, percebi uma coisa… eu nunca tinha discutido com minha irmã antes.
— Qual é a sua impressão após a primeira vez?
— Hmm... É cansativo — mas então ela acrescentou — Ainda assim... não foi tão ruim.
Isso era algo que eu não conseguia entender muito bem. Kohaku havia confrontado sua irmã, enquanto eu ainda estava fugindo. Era por isso que eu a respeitava tanto.
— Você é incrível, Kohaku.
— Então você também, Narumi.
— Eu não fiz nada.
— Você fez sim. Você fez muito por mim. Mais do que imagina.
— É mesmo?
Talvez ela quisesse dizer levá-la nessa fuga, mas mesmo isso foi em parte porque eu também me sentia preso em casa e por causa do meu desejo egoísta de monopolizar o tempo dela.
— Você me mimou muito — a voz e o sorriso de Kohaku ao dizer isso eram suaves e doces, como açúcar derretido — A única razão pela qual eu pude encarar à minha irmã e ir embora me sentindo bem com isso foi porque você me mimou e ajudou a recarregar minhas emoções. Não vou mudar de ideia, tudo isso graças a você.
Meu coração disparou. Sua expressão era tão vulnerável, tão confiante, tão doce — era perigosa.
— Narumi? O que há de errado?
— Nada. Estou bem.
Eu menti. Eu não estava bem de jeito nenhum. Meu coração batia tão forte que era insuportável. Tomei um longo gole do meu refrigerante de melão, tentando esfriar o calor que subia no meu peito.
— Ei, Narumi. Posso te perguntar uma coisa?
— Claro.
Houve uma breve pausa. Eu não sabia o que ela estava pensando naquele momento fugaz, mas eu podia perceber, de alguma forma, que essa pergunta era muito importante para ela.
— Por que você me ajuda, Narumi? É porque somos amigos?
Nós fazemos parte da Aliança dos Restaurantes Familiares. Somos aliados. Somos amigos. Eu estou do lado dela.
Essas eram as respostas que eu deveria ter dado, mas, por alguma razão, as palavras não saíram.
Por que eu ajudo Kazemiya Kohaku?
Não porque somos aliados ou amigos ou porque estou do lado dela.
— Porque você é importante para mim. Porque você é especial.
Minhas palavras ficaram no ar e o silêncio se seguiu. Ela era mais do que apenas uma amiga para mim, mas dizer isso abertamente ainda era muito embaraçoso. O momento constrangedor foi quebrado quando a comida que pedimos foi trazida à mesa.
Hoje, nós dois pedimos bife. Era mais caro do que um hambúrguer, mas hoje decidimos ignorar esse fato.
— Afinal, é uma comemoração.
— Uma comemoração, sim.
Olhando para os bifes à nossa frente, ambos enfatizamos “celebração” como se estivéssemos inventando desculpas. Não conseguimos evitar trocar um sorriso e uma pequena risada.
— O que estamos a celebrar exatamente?
— Hmm... que tal uma comemoração por ter enfrentado a minha irmã?
— Um memorial, hein? Isso faz de hoje um aniversário? Um aniversário de briga entre irmãos ou algo assim?
— Oh, gostei disso! Vou marcar no calendário do meu celular.
— Vamos comemorar no ano que vem também?
— Sim, vamos comemorar. Juntos, Narumi.
No restaurante familiar, enquanto comemorávamos esse novo “aniversário”, o terceiro carimbo foi adicionado à coleção da nossa viagem de verão.
— Então... isso ainda conta como fuga?
— Se pensarmos nisso como fuga, provavelmente sim. Tirando a Kuon-san, as coisas com sua mãe ainda estão precisam ser resolvidas.
— Sim, acho que sim. Então vamos continuar com essa fuga por mais um tempo.
Nossa jornada de fuga ainda não acabou. É apenas um ato infantil e passageiro de escapismo, mas agora podemos ver seu fim.
Ainda assim, por enquanto, vamos aproveitar a nossa fuga de verão.
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