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CAPÍTULO 5 - Absoto por você

Desde o dia do aniversário da briga entre Kuon e Kazemiya, nossa pequena fuga tem sido surpreendentemente tranquila.

Chamar uma fuga de “tranquila” pode parecer estranho, mas é verdade.

A maior mudança foi a própria Kuon. Depois de nos perseguir, ela mudou de papel e se tornou nossa aliada. Ela trouxe para Kazemiya itens necessários, como roupas de casa, e até entrou em contato com minha família para mantê-los informados.

A melhoria mais significativa, porém, foi resolver nossa questão de hospedagem. Kuon encontrou lugares para ficarmos e nos arranjou pequenos empregos, basicamente nos deixando trabalhar como ajudantes residentes sob condições específicas.

— Se algo acontecer à saúde de Kohaku-chan, vou exilar você em algum lugar e depois vou atrás de você.

Essas palavras foram ditas a mim com um olhar severo.

— Só para esclarecer, onde você me exilaria?

— No oceano? Não, não. Estou pensando nas montanhas agora. Um lugar tão quente que derrete a carne parece mais apropriado.

Um vulcão, hein?

Parecia que ela não estava falando do mar, mas do magma.

Que maravilha…

De qualquer forma, aceitei os termos dela. Melhor isso do que continuar nossa fuga de forma imprudente e arriscar a saúde de Kazemiya. Honestamente, era difícil acreditar que essa era a mesma pessoa que nos perseguia incansavelmente há poucos dias.

Também parecia que Kuon e Kazemiya haviam começado a trocar mensagens por meio de um aplicativo de bate-papo. Embora Kuon ainda parecesse inquieta com nossa situação de fugitivos, as duas estavam reconstruindo seu vínculo, discutindo e conversando como irmãs de verdade novamente. Nesse ritmo, estávamos constantemente riscando itens da nossa “lista de recompensas das férias de verão”.

E agora, Kazemiya e eu estamos...

— Narumi, Inumaki. Dois pedidos de yakisoba, uma raspadinha Blue Hawaii e uma raspadinha de morango.

— Entendido. Natsuki, cuide da raspadinha.

— Claro! Deixe comigo!

Trabalhando meio período em uma casa de praia…

— Já tô fazendo raspadinha.

— E o yakisoba também está quase pronto.

O calor do verão e o calor escaldante da chapa se uniram contra mim enquanto eu fritava o yakisoba, com o suor escorrendo pela minha testa.

O ar estava pesado com o aroma do molho, estimulando meu apetite. O ventilador da cozinha não ajudava muito, ele apenas soprava ar quente em mim. Eu sentia como se estivesse derretendo. Honestamente, se eu visse uma miragem acima do yakisoba, não questionaria.

— Kouta, o intervalo está chegando. Vamos dar o nosso melhor!

— Sim... claro. Animado como sempre, né?

— Claro! Quer dizer, como eu poderia não estar animado? Estou trabalhando em uma casa de praia com você.

Isso é realmente motivo para estar tão animado? Eu mal conseguia pensar direito com esse calor.

— Bem... trabalhar aqui com você é divertido. Admito isso.

— É, eu imaginei! Ouvir isso me faz querer trabalhar ainda mais.

Natsuki sorriu, com uma expressão alegre apesar do calor, enquanto derramava xarope sobre o gelo raspado.

Yakisoba e raspadinha, clássicos do verão. Comer enquanto admira o mar azul cintilante além da parede? Provavelmente ficariam ainda mais saborosos.

— Narumi, Inumaki. Dois curries, um com arroz extra.

— Entendi. A raspadinha está pronta e eu cuido do curry.

— Obrigado.

Embora a cozinha fosse praticamente uma sauna, a área de refeições não estava melhor. O sol escaldante era implacável. Apesar disso, Kazemiya, que estava atendendo os clientes, parecia estar com disposição. Seu rosto praticamente brilhava de alegria, irradiando o quanto ela estava se divertindo.

Se vê-la assim era o resultado, então sim, esse trabalho valeu a pena. Eu deveria agradecer ao Natsuki adequadamente mais tarde.

Eu virava o yakisoba mecanicamente, minha mente vagando alguns dias atrás.

Por que estávamos trabalhando em uma casa de praia? E por que Natsuki está aqui?

Tudo começou alguns dias atrás em um restaurante familiar, onde fomos para o quarto carimbo em nossa lista de verão…

— Você quer tentar trabalhar de meio período?

— Sim. Acho que seria divertido.

Depois de tomar um gole de chá, Kazemiya assentiu com firmeza.

— Você já não começou? Com os trabalhos internos que Kuon-san arranjou?

— Esses não são trabalhos de meio período. Tá mais pra “ajudar minha irmã” ou “ajudar as amigas da minha irmã”. É basicamente trabalho voluntário… não que eu esteja reclamando por não receber nada — Kazemiya hesitou antes de continuar, suavizando o tom de voz — É que... eu quero dar um presente para minha irmã. Para agradecer e... pedir desculpas, sabe?

— Ah, entendi. Nesse caso, faz sentido trabalhar em algum lugar que não tenha relação com Kuon-san.

— Sim. Além disso, você sabe como é, Narumi. Minha mãe não me permite ter um emprego de meio período, mas como estou longe de casa agora, pensei... talvez eu pudesse tentar um enquanto tenho a chance.

Suas palavras soaram estranhas e hesitantes. Ela provavelmente tinha outros motivos para querer um emprego além do que estava dizendo, mas não senti necessidade de pressioná-la. Quaisquer que fossem seus motivos, provavelmente não eram nada de ruim.

— Um emprego de meio período… Não tenho nenhum problema com isso, mas normalmente você precisaria da autorização dos seus pais.

— Ugh... sim, imaginei que fosse isso. É por isso que minha irmã chamou de “ajudar”.

Ela parecia ter antecipado minha resposta, recuando para seus pensamentos sem muita resistência.

Um emprego de meio período…

Ela está motivada e eu gostaria de ajudá-la se pudesse, mas meu local de trabalho fica muito longe daqui. Além disso, já estou em uma situação delicada por ter tirado uma longa folga.

Mesmo que meu chefe tenha me dispensado sem muitos problemas, precisarei me desculpar profusamente e trabalhar duro quando voltar. Além disso, o consentimento dos pais ainda seria um obstáculo.

Deve haver alguma maneira de contornar isso...

— Espere um segundo.

Afastei-me da mesa e fui para fora fazer uma ligação. O telefone tocou apenas uma vez antes de ser atendido.

— Ei, Kouta, como está sendo a vida de fugitivo?

— Está indo bem, eu acho.

Natsuki Inumaki, meu amigo de infância e melhor amigo.

Natsuki tinha muitos contatos, com uma vasta rede social que parecia quase inacreditável. Ele era o tipo de cara que conseguia facilmente ingressos extras para o cinema com pessoas do meio. Mesmo depois que eu fugi, continuamos em contato por mensagens, mas essa era a primeira vez que falávamos ao telefone desde então.

— Haha, que bom saber. Mas se você está me ligando, deve ser por algum motivo, certo?

— Não exatamente “acontecendo”. Só preciso de um favor. Fique à vontade para recusar se for pedir demais.

— Recusar? Eu? Um favor seu, Kouta? Nem pensar. Não tem como ser “pedir demais”, mesmo que o mundo estivesse acabando. Mesmo que seja inconveniente, vou dar um jeito. Então vá em frente, use disso quanto quiser.

— O quanto eu quiser, hein? Eu nunca tiraria vantagem do meu melhor amigo assim. Que tipo de pessoa você acha que eu sou?

Talvez fosse por causa do meu recente desentendimento com Kuon, mas algo em Natsuki me lembrava ela. Não que eu pudesse me sentir desconfortável perto do Natsuki, na verdade, ele era totalmente confiável.

— Isso pode demorar um pouco para explicar.

— Tudo bem! Quanto mais tempo, melhor. Mais tempo para conversar com você.

Com essa resposta descontraída, dei ao Natsuki um resumo rápido do que estava acontecendo. Contei sobre Kazemiya querer tentar trabalhar em um emprego de meio período e que ela provavelmente não conseguiria o consentimento dos pais.

— Entendi. Se for esse o caso, acho que posso ajudar.

— Sério?

— Sim. Conheço alguém que administra uma casa de praia. Alguns dos funcionários escalados ligaram dizendo que estavam doentes, então eles estão procurando ajuda extra. Se eu te recomendar, eles vão pular o processo de entrevista e te contratar na hora.

— E quanto à questão do consentimento dos pais?

— Sem problema. Tecnicamente, alunos do ensino médio não precisam de consentimento para trabalhar meio período, embora haja o risco de o contrato ser cancelado mais tarde. Mas, considerando que a mãe de Kazemiya é gerente na indústria do entretenimento, duvido que ela queira problemas desnecessários. Depois que o trabalho começar, tudo ficará bem. Vou explicar tudo para lá e, se a escola tiver alguma reclamação, eu também cuidarei disso.

— Impressionante.

Esse era o Natsuki de sempre, confiável como sempre. Ainda assim, não pude deixar de me preocupar.

— Natsuki.

— Hm?

— Sei que não posso me comparar a você, mas se precisar de ajuda, é só pedir. Estarei ao seu lado, não importa o que aconteça.

— ...

— Natsuki?

Não houve resposta. Talvez a conexão estivesse ruim?

— Desculpe, eu só... fiquei sem jeito agora. Foi tão inesperadamente emocionante, parecia que meu herói favorito estava me cumprimentando pessoalmente em um evento. Meu coração ainda está tremendo.

— Você está exagerando.

Ele provavelmente estava apenas tentando me fazer rir.

— Você pode me enviar os detalhes sobre o trabalho? Vou apresentar a Kazemiya.

— Claro! Vou enviar agora mesmo.

Verifiquei as informações que Natsuki enviou: posição de moradia, refeições fornecidas, ¥ 20.000 por dia. O horário era das 10h às 20h. Parecia intenso, mas valia a pena. Deixei com Natsuki a tarefa de encontrar uma oportunidade tão lucrativa, embora o desespero do empregador fosse evidente no contrato.

— Então, o Natsuki encontrou esse trabalho e-

— Eu aceito.

Sua resposta veio instantaneamente.

— Ei, você não acha que deveria pensar um pouco mais?

— Já pensei. Se foi você quem arranjou isso, deve ser bom. Além disso, sempre quis experimentar um trabalho como esse. Pode ser difícil, mas quero tentar.

Seus olhos brilhavam com determinação. Ela devia realmente querer isso. Fiquei um pouco preocupado, mas como Natsuki também estaria trabalhando lá e eu estaria com ela, parecia mais seguro do que deixá-la fazer isso sozinha.

— Na verdade, é graças ao Natsuki. Ele também estará lá, então não se esqueça de agradecer a ele.

— Entendi. Vou agradecer a ele como deve ser.

Ela assentiu com entusiasmo, não parecendo mais a loba solitária que havia sido durante todo o primeiro semestre.

Se a Kazemiya da sala de aula é uma loba solitária, então a Kazemiya à minha frente agora é um cachorrinho brincalhão abanando o rabo. 

E assim, graças a esses eventos, acabamos trabalhando meio período em uma casa de praia. Kazemiya trabalhava no atendimento, enquanto Natsuki e eu ficávamos na cozinha. 

Pessoalmente, eu não era muito bom cozinheiro. Quando me colocaram na cozinha no meu primeiro dia, achei que seria um desastre, mas com alguma experiência anterior em empregos de meio período e itens de menu simples e diretos, apoiados por manuais, eu consegui.

Eu estava mais preocupado com Kazemiya, mas ela parecia estar se adaptando bem, apesar de ser novata. Naturalmente habilidosa, ela já estava bastante à vontade para anotar pedidos e interagir com os clientes, mesmo que seu atendimento tivesse sido um pouco desajeitado no início.

Aliviado por ver que minhas preocupações eram infundadas, concentrei em lidar com o fluxo incessante de pedidos ao lado de Natsuki. O grande volume de pedidos parecia um inferno, mas trabalhar com um amigo de infância confiável como ele tornava a carga de trabalho suportável.

Na verdade, o caos está começando a parecer divertido.

— Kouta, podemos fazer uma pausa agora.

— Já?

Eu nem tinha percebido o tempo até Natsuki apontar isso. Troquei de lugar com os funcionários que estavam voltando e fui para a sala de descanso.

Peguei duas garrafas de soda de limão na geladeira, empurrei as tampas e fui recebido pelo som satisfatório do gás. Juntos, saciamos nossa sede e finalmente tivemos um momento para relaxar.

— E a Kazemiya?

— Ela deve trocar de turno daqui cinco minutos. Os turnos do salão são escalonados em relação aos nossos.

— Entendi.

— Não se preocupe. Kazemiya está indo bem.

Percebendo que eu olhava em sua direção, Natsuki me deu um sorriso irônico.

— Honestamente, eu estava um pouco preocupado, já que é a primeira vez que ela trabalha, mas ela me surpreendeu. Quase não comete erros com os pedidos e, embora seu atendimento ainda seja um pouco rígido, ela tá pegando o jeito.

— Sim, você está certo. Talvez eu tenha sido super protetor.

Kazemiya estava bem agora. Ela não era mais a garota frágil que estava parada na chuva naquele dia. As feridas em seu coração estavam cicatrizando. Na verdade, ela se tornou forte o suficiente para enfrentar sua irmã, Kuon, com confiança. Eu sabia disso melhor do que ninguém.

— Super protetor, hein... O que você acha que isso significa?

— Hã?

— Por que você acha que é tão protetor com Kazemiya?

— É porque...

A pergunta me pegou de surpresa e não consegui responder imediatamente.

— O que ela é para você, Kouta?

— Ela é importante para mim.

— Como amiga?

A perspicácia de Natsuki me atingiu em um ponto sensível. Meu amigo de infância estava me lendo como um livro aberto.

— Vamos lá, você não fugiria de casa por qualquer amigo, fugiria? É um pouco injusto e estou começando a ficar com ciúmes.

Mais do que uma amiga, mas não exatamente família. Não apenas uma melhor amiga, também. Para mim, Kazemiya Kohaku era...

— Por que esse interrogatório repentino?

Tentando evitar o assunto, tomei outro gole da limonada. Meu ritmo estava mais rápido do que o normal, mas não por causa do calor do verão ou da desidratação. As bolhas subiam e estouraram, desaparecendo, assim como a resposta que havia surgido em meu coração, apenas para ser suprimida.

— Estou preocupado que você acabe reprimindo seus sentimentos, Kouta. Chame isso de intromissão, mas esse é o meu trabalho como seu amigo.

— Você não tem jeito, né? Não consigo ignorar quando é você quem está se intrometendo.

Não era apenas porque ele era meu amigo de infância. Natsuki esteve comigo nos momentos bons e ruins. Quando eu falhei, quando meus pais se divorciaram, quando eu estava uma bagunça. Ele nunca me deu sermões ou tentou me consertar, ele apenas ficou ao meu lado. Ele era meu amigo de infância insubstituível, meu confidente mais próximo e, de certa forma, minha família. É por isso que seus raros momentos de intromissão me atingem mais do que os de qualquer outra pessoa.

— Desde que seu pai foi embora, você mantém as pessoas à distância. No ensino fundamental, você tinha muitos amigos. Agora, sou praticamente o único com quem você sai. Você tem medo de se decepcionar, não é?

— Desde quando você ficou tão observador comigo para me entender, hein?

— Eu te observo há muito tempo. Você sempre foi meu herói, Kouta.

— Você continua dramático como sempre.

— Talvez sim.

Eu não conseguia afastá-lo. Se fosse qualquer outra pessoa, eu teria respondido: “O que você sabe?”, mas não o Natsuki.

— O que você mais teme agora, Kouta, é decepcionar Kazemiya. Você está fugindo da ideia de levar seu relacionamento com ela adiante porque não quer correr esse risco.

Era típico do Natsuki ver através de mim. Ele era tão vasto e estável quanto o oceano. Conversar com ele sempre me deixava à vontade. Mesmo quando ele investigava mais a fundo, eu não conseguia sentir raiva de verdade.

— Tudo bem fugir, mas você não pode escapar dos seus próprios sentimentos. Eles vão te seguir pelo resto da vida. É isso que significa ser honesto consigo mesmo... E vamos ser sinceros, você é péssimo em confrontar seus verdadeiros sentimentos. É por isso que vou te dar um empurrãozinho desta vez.

— Um empurrão?

— Um feitiço mágico para revelar seus verdadeiros sentimentos.

O som das ondas e da praia movimentada pareciam desaparecer. Meu coração acelerado pelas palavras de Natsuki era a única coisa que eu conseguia ouvir.

— Eu quero a Kazemiya.

— De jeito nenhum!

Foi reflexivo, não algo que eu decidi conscientemente. No momento em que as palavras de Natsuki chegaram aos meus ouvidos e meu cérebro as processou, minha língua, que estava travada momentos atrás, de repente se moveu suavemente, como se por vontade própria.

Eu não era tão ignorante a ponto de não perceber o que tinha acabado de dizer.

— Esse é o seu verdadeiro sentimento, não é, Kouta?

— A funcionária mais adorável, chique, descolada e estilosa, com lindos cabelos dourados que fazem até mesmo a camisa branca simples parecer uma peça de passarela! Quero yakisoba, raspadinha, salsicha, curry, ramen, takoyaki e oden, por favor! Ah, e cerca de cem selfies com a funcionária! Ah, este lugar aceita cartão? E dinheiro eletrônico? Se não, vou juntar algum dinheiro...

— Senhorita, por favor, evite comportamentos perturbadores.

Esse é o resultado dos meus vários dias de trabalho temporário?

De alguma forma, eu tinha acumulado experiência suficiente em atendimento ao cliente para responder mecanicamente às travessuras da minha irmã.

— Ahh, que bom... Esse seu olhar gelado, Kohaku-chan, é perfeito!

— O que você está fazendo aqui, maninha?

Parada descaradamente na loja estava minha irmã, a mesma irmã com quem eu tinha brigado feio há pouco tempo. Talvez na tentativa de se disfarçar, ela usava óculos escuros e um chapéu de palha, mas não havia como não reconhecê-la.

— Havia uma gravação de novela por perto e terminamos antes do previsto. Pensei em dar uma passada aqui para fazer uma pausa.

“Hoje é dia de filmagem. Vou ficar em um hotel. Volto em três dias.”

Pensando bem, minha mãe mencionou algo assim no dia em que eu fugi.

— Ah, eles têm oden também? Perfeito, vou pedir um também!

— Me deixe confirmar seu pedido: Um yakisoba, uma raspadinha, uma salsicha, um curry, um lámen, um takoyaki e um oden. Correto? Por favor, aguarde um momento... Você planeja comer tudo isso sozinha?

— Claro! Isso não é nada para mim, eu como isso o tempo todo.

Não que eu possa falar muito. Sei que posso ser um pouco glutona, mas isso é definitivamente algo que herdei da minha irmã. Momentos como esses, em que sinto a semelhança entre nós, são estranhamente reconfortantes.

— Bem, tecnicamente, não é tudo para mim desta vez.

— Hã?

— Nada, nada. Enfim, você deveria se concentrar no trabalho! Se for pega conversando durante um momento tão louco assim, vai levar bronca.

Sentindo que ela estava evitando o assunto, transmiti o pedido à cozinha. Narumi e Natsuki não estavam lá, eles deviam estar no intervalo. Enquanto eu continuava atendendo outros clientes, a montanha de comida que minha irmã havia pedido foi feita.

— Kazemiya, você pode fazer uma pausa depois de entregar isso.

— Entendi.

Troquei algumas palavras com o gerente e levei o pedido absurdamente grande até a mesa da minha irmã.

— Obrigada por esperar.

— Eba! Kohaku-chan entregou pessoalmente esta refeição, não tem como não estar deliciosa!

— Mas não fui eu quem preparou.

— Não importa quem cozinhou, o que importa é quem colocou seu coração e sua alma para entregar.

— Você está dizendo isso com uma cara séria, mas tenho certeza de que não é verdade. Eu apenas trouxe normalmente.

Desde a nossa briga, minha irmã estava assim. Nós tínhamos nos comunicado principalmente por mensagens de texto, mas ao nos encontrarmos pessoalmente, sua energia estava em outro nível.

Sinceramente, ela devia estar se contendo nas mensagens.

Ela disse: “De agora em diante, vou conversar mais com a Kohaku-chan em vez de fugir!”, mas não era bem isso que eu tinha em mente.

Tipo, eu disse que queria conversar mais com ela, mas isso é um pouco demais, né?

— Kohaku-chan, você está no intervalo agora, certo?

— Como sabia?

— Eu li seus lábios enquanto você conversava com o gerente. Isso se chama leitura labial.

Como sempre, as habilidades da minha irmã são um pouco exageradas.

— Vamos comer juntas!

— Tudo bem.

Eu já estava começando a ficar com fome mesmo.

Além disso, eu não queria continuar fugindo dela e eu não queria ser o tipo de pessoa que só consegue agir com o incentivo da Narumi.

— O que você quer comer, Kohaku-chan? O yakisoba parece delicioso.

— Hmm... Vou querer o yakisoba, então.

Me sentindo um pouco culpada por fazer uma pausa enquanto os outros funcionários ainda estavam trabalhando, peguei o yakisoba que minha irmã havia sugerido e parei.

— Pensando bem, vou querer a salsicha.

O yakisoba poderia deixar pedacinhos verdes de algas grudados nos meus dentes e eu não queria que Narumi me visse com pedacinhos verdes grudados nos dentes.

— Que donzela...

Percebendo minhas intenções, minha irmã sorriu maliciosamente. Irritada, eu a ignorei e coloquei ketchup na salsicha.

— Sou muito grata ao Narumi-kun por trazer à tona o lado feminino da Kohaku-chan.

— Por quê o Narumi?

— “Por quê”? Você está namorando ele, não está?

Surpresa, apertei o frasco de ketchup com muita força. A salsicha agora estava afogada em um mar de ketchup e meu prato parecia uma cena de crime.

Mas isso não importava. Isso era mais importante do que isso.

— O-o quê? Namorando? Eu? Com Narumi?

— Hã? Você não está?

— Não estou!

Ouvi o som do ketchup espirrando novamente. Pela sensação do frasco na minha mão, provavelmente não havia mais ketchup.

— Tem certeza mesmo? Não está mentindo só porque não gosta de mim?

— Tenho certeza, certeza mesmo! E não odeio você! Eu amo!

— Hmm... Se isso for verdade, normalmente eu ficaria tão feliz que teria um sangramento nasal, mas estou chocada demais para conseguir fazer isso agora.

Por um momento, pensei que minha irmã estivesse brincando comigo, mas sua reação parecia genuinamente surpresa.

— Espere um segundo. P-por que você pensaria que eu... estou namorando Narumi?

— Deixe-me perguntar uma coisa: se você não está namorando, por que me envia mensagens que parecem que você está se gabando do seu relacionamento?

— Ga-gabando!? Não me lembro de ter enviado nada parecido!

Minha irmã pegou o celular e mostrou uma das minhas mensagens, segurando-o como um detetive apresentando provas a um suspeito em um drama policial.

— Esta foto.

— Essa é... de quando Narumi e eu fomos ao parque temático.

— Vocês estão tão próximos. Praticamente colados um ao outro. Esqueça o juntos, isso aqui é basicamente entrelaçados.

— N-nós tivemos que ficar perto, caso contrário, não caberíamos na foto...

— Vocês estão de mãos dadas.

— Havia muita gente, então Narumi disse que poderíamos nos separar...

— Então e esta?

— É uma foto do Narumi deitado em uma cama. E daí?

— Pelo ângulo e pela composição, fica claro que vocês estavam deitadas na mesma cama.

— A cama era grande o suficiente para nós dois, mas dormimos em quartos separados.

— Essa não é a questão! Isso parece totalmente um casal! Você está me dizendo que não estão namorando? Isso é simplesmente inacreditável!

— Eu continuo dizendo, não estamos!

Sua intensidade e pressão eram avassaladoras. Eu estava começando a entender como um criminoso se sente quando encurralado por provas irrefutáveis em um drama. Embora, no meu caso, a única cena do crime fosse a salsicha coberta de ketchup no meu prato.

— Com tudo isso, se você ainda não está namorando, o que seria necessário?

— C-como eu disse, Narumi e eu não somos...

— Ok, mas o que você sente por ele?

— Hã?

Sua pergunta me fez parar.

— O que você acha de Narumi? Ele é apenas um amigo?

Apenas um amigo… 

Eu não conseguia dizer isso. Para mim, Narumi Kouta era...

— Não é um amigo.

A relação que eu vinha definindo todo esse tempo já havia mudado. Não, provavelmente havia mudado há muito tempo.

— Não consigo mais pensar em Narumi apenas como um amigo. Nem mesmo como um aliado.

Eu vinha evitando isso, não querendo confrontar ou tocar nessa realidade.

— Porque eu... gosto de Narumi.

Meus sentimentos há muito tempo não me deixavam escapar.

— Então é isso... Você gosta do Narumi, né?

Enquanto eu forçava as palavras a sair, minha irmã me deu um sorriso gentil.

— Eu imaginei.

— Você... veio aqui por causa disso?

— Eu só vim ver minha irmãzinha adorável. Não é como se eu tivesse planejado isso, foi só um bônus.

Ela se esquivou da pergunta com um encolher de ombros e deu uma mordida em seu sorvete raspado.

— Mas... sim. Estou aliviada. Sem que eu percebesse, Kohaku-chan, você se apaixonou.

— Não diga isso. É constrangedor...

Sim. Eu estou apaixonada por Narumi Kouta.

Não havia dúvida disso, mas ouvir isso dito assim me deixou constrangida.

— Sempre achei que você fosse do tipo que fugia de tudo, Kohaku-chan. Você não pode se apaixonar se continuar afastando as pessoas... Saber que você superou isso é um grande alívio. Você ficou mais forte, Kohaku-chan.

Ela parou de comer sua raspadinha e desviou o olhar de mim.

— Então agora, você precisa sentar-se à mesa.

Segui sua linha de visão e senti meu coração parar.

— Mãe?

Não era nossa mesa, era a mesa da minha irmã, mas lá estava nossa mãe.

— Kohaku... Por que você está aqui?

Seu olhar frio penetrava através das lentes dos óculos, sua voz cheia de desaprovação, como se rejeitasse minha própria existência.

Ele não mudou em nada. Ela está igual ao dia em que eu saí de casa.

— Estou trabalhando aqui. Mas estou no intervalo agora.

Respondi com naturalidade. As sobrancelhas da mamãe se franziram ao ouvir a menção de um emprego de meio período.

— Não me lembro de ter dado permissão para você trabalhar... Não, isso não vem ao caso. Você não causou nenhum problema, causou? Por favor, eu imploro, não envolva o nome de Kuon em nada.

Desde o início, ela falou como se assumisse que eu fosse causar problemas. Era exaustivo. E, no entanto, de alguma forma, isso não me incomodou nem um pouco dessa vez.

— Eu entendo. Não vou causar problemas para você, maninha.

— Claro que não.

Sua resposta desdenhosa, carregada de descrença, não me abalou. Honestamente, o fato de eu conseguir ficar calmo me surpreendeu mais do que qualquer outra pessoa.

— Kuon. Você já não teve descanso suficiente?

— Eu acabei de começar! Olhe para este curry, parece incrível, e eu ainda nem dei uma mordida. Além disso, você também não almoçou, não é? Por que não se senta? Se comermos todos juntos como uma família, podemos economizar algum tempo, certo?

Ela deve ter percebido que eu não iria embora até que ela terminasse sua montanha de pedidos. Pela primeira vez desde aquele dia, o dia em que eu fugi, ou talvez pela primeira vez em muito tempo, toda a família Kazemiya sentou-se à mesma mesa.

— Este oden está muito bom! Não sabia como é que ia combinar com uma casa de praia, mas estou impressionada!

Kuon concentrou-se em comer. Provavelmente de propósito.

— ...

Eu mordisquei silenciosamente a minha salsicha coberta de ketchup, olhando para a minha mãe.

Mamãe não tinha tocado na comida. Ela estava grudada no celular, digitando mensagens enquanto ocasionalmente verificava as horas. Suas ações costumavam me fazer sentir rejeitada, mas agora... eu não sentia nada.

Se senti alguma coisa, foi que...

— Você emagreceu, mãe…

— Isso não é da sua conta.

Ela me interrompeu sem nem mesmo olhar para mim e, no entanto, seu tom não evocou raiva ou tristeza em mim.

A minha mãe sempre foi assim?

A pessoa à minha frente parecia muito mais exausta do que a mamãe que eu lembrava.

Seu cabelo preto, antes sedoso, estava opaco e sem vida. Olheiras apareciam sob o corretivo mal aplicado. Suas mãos estavam ásperas e rachadas. Ela não tinha a presença imponente de Kuon, não havia intimidação, nem medo. Apenas alguém desgastado, muito menor do que a mamãe das minhas memórias.

A minha mãe sempre foi... tão pequena?

Enquanto eu estava fora, não houve um único momento em que eu não pensasse nela. Na verdade, muitas vezes me perguntei o que diria quando finalmente nos encontrássemos novamente.

Mas agora que ela estava aqui, eu não conseguia dizer nada.

— Terminei!

O tempo passou em silêncio até que percebi que Kuon havia devorado todos os pratos colocados na mesa.

— Tudo estava delicioso!

— Bem, então, devemos ir. Se não sairmos logo, vamos nos atrasar para a próxima filmagem.

— Sim, sim. Eu conheço minha agenda.

No final, minha mãe não tocou na comida. Eu me perguntei: quando foi a última vez que ela comeu direito?

— Mãe!

Eu não podia deixar isso acabar assim. Mesmo que nenhuma palavra viesse à minha mente, eu ainda queria dizer algo, qualquer coisa.

— Jogue seu joguinho de fuga o quanto quiser. Não preciso de você em casa — foi tudo o que ela disse.

Sem me dar uma olhada, ela se afastou. Sua figura se afastando parecia ainda menor, ainda mais frágil do que eu me lembrava. Longe de ser reconfortante, parecia que poderia desmoronar a qualquer momento.

— Ela é patética.

— Maninha.

— Só para ficar claro, eu não a trouxe aqui para fazer você voltar para casa.

— Sim... eu sei.

A intenção de Kuon era clara. Ela não tinha vindo apenas para me levar a tomar consciência dos meus sentimentos. Havia outro motivo.

— Você queria que eu visse como ela está agora, não é?

— Era tudo o que eu precisava transmitir.

— Até mais.

Com apenas isso, Kuon se afastou. Suas costas também pareciam menores do que eu me lembrava. Tudo o que pude fazer foi vê-las desaparecer.

KOUTA: Quer ir à praia um pouco?

KOUTA: Já é tarde, mas mesmo assim...

KOHAKU: Eu também ia convidá-lo.

KOUTA: Fico feliz em saber.

Quando enviei o convite, Kazemiya respondeu com seu selo favorito de gato, um alegre “OK!”.

Meus verdadeiros sentimentos, hein….

Mesmo agora, eu ainda não tinha entendido completamente essa emoção. É por isso que eu queria vê-la.

Acima de tudo, depois do intervalo dela hoje cedo, algo em Kazemiya parecia estranho.

Pelo que consegui entender, parecia que ela tinha encontrado Kuon e sua mãe. Natsuki provavelmente diria que eu era superprotetor de novo, e eu mereceria isso, mas eu não queria deixar Kazemiya sozinha hoje à noite.

— Natsuki, você poderia guardar meu celular e minha carteira para mim?

— Claro. Você está indo para a praia com Kazemiya?

— Sim, mais ou menos isso. Quer vir?

— De jeito nenhum. Eu nem sonharia em atrapalhar.

Deixando minhas coisas com Natsuki, saí do dormitório compartilhado para a noite de verão e segui em direção à praia. Apesar de ser verão, a hora tardia significava que a costa estava deserta. 

O céu noturno, salpicado de estrelas cintilantes, parecia um baú de tesouros cheio de joias brilhantes. O ar salgado e quente do mar no verão não era desagradável.

— Desculpe por te fazer esperar, Narumi — Enquanto eu contemplava o oceano da praia, Kazemiya veio correndo em minha direção.

Ela vestia uma camisa casual e um short, com o cabelo preso em um rabo de cavalo simples. A visão de seu decote nu fez meu coração acelerar, batendo tão forte que parecia que ia saltar do peito.

— Tudo bem. Não esperei muito tempo. Você não precisava se apressar.

— Eu só tive vontade de correr.

Seu longo cabelo dourado, preso para trás, balançava brilhantemente com a brisa noturna.

A figura de Kazemiya, ali parada à beira-mar, era de tirar o fôlego, como um sonho conjurado pelo verão. No entanto, meu coração se agitava inquieto. Ver seus lindos cabelos sendo tão casualmente despenteados pelo vento era estranhamente irritante.

— Nadar à noite não é seguro, certo?

— Sim, está muito escuro. É melhor evitar.

— Imaginei. Eu vesti o biquíni que minha irmã me enviou, mas... bem, tudo bem. Acho que vou tirá-lo.

Antes que eu pudesse responder, os fios dourados de seu cabelo que brincavam com a brisa desapareceram sob sua camisa.

Sem hesitar, Kazemiya começou a tirar a camisa e o short ali mesmo.


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Sua cintura esguia e pálida, iluminada pelo luar, apareceu à minha vista e meu coração instantaneamente pareceu pegar fogo.

Em seu biquíni branco, Kazemiya parecia um anjo descido sobre o mar noturno.

— Kazemiya.

— Hm?

— Fica bem em você. Você está... deslumbrante.

Foi tudo o que consegui dizer.

— Obrigada.

Ela sorriu suavemente, com um toque de timidez em sua expressão. Era tão injustamente encantador que me fez pensar que meu coração poderia explodir.

— E você, Narumi? Não trouxe algo pra vestir?

— Trouxe, tecnicamente. Estou usando por baixo disso.

— Então você também deveria tirar sua camisa. É estranho ser a única assim...

— Você tem razão.

Seguindo seu exemplo, tirei minha camisa e me aproximei do mar com Kazemiya.

Entramos na água juntos, tomando cuidado para não ir muito fundo, ficando onde as ondas suaves batiam em nossos tornozelos. Lá, brincamos nas ondas, deixando a água fria girar em torno de nossos pés.

— Frio!

— Mas... é agradável.

— Sim, o frio é refrescante e as ondas fazem cócegas...

O mar à noite, a praia sob as estrelas, um mundo que se estende diante dos nossos olhos, mas não havia mais ninguém lá. Além do som da nossa respiração, nada perturbava a quietude.

— Parece que somos as únicas duas pessoas no mundo.

O silêncio da natureza, a tranquilidade da noite, ambos pareciam confirmar as palavras de Kazemiya.

— Mas também parece um beco sem saída. Como se não pudéssemos ir mais longe.

— Sim. Você está certo. Talvez este seja realmente... o fim da linha para nós.

Para abafar a solidão crescente dentro de mim, peguei água do mar com as duas mãos e joguei no ar. A água formou um arco como fogos de artifício contra o céu noturno, espirrando no rosto de Kazemiya.

— Ah! Ei, por que você fez isso?

— Bem, você já está de biquini, certo? Não seria um desperdício não brincar na água?

— É verdade, mas... Ah! Ei, pare com isso! Tome isso!

— Ugh, que salgado!

Sob o céu estrelado, nós dois jogávamos água um no outro, rindo e brincando.

Não podíamos ir mais longe. Não podíamos nos aventurar no mar escuro e infinito. Então, nesse beco sem saída, brincamos. Nos divertimos. Saboreando a expectativa agridoce de um fim inevitável.

— Uau... Isso é divertido. Quando foi a última vez que brinquei na água assim?

Kazemiya, recuperando o fôlego, falou novamente.

— Você tem algo que quer conversar, né?

— Hã?

— O motivo pelo qual você me convidou para cá. Parece que há algo em sua mente. Natsuki também não está aqui.

— Bem... Eu...

Eu estava preocupado com Kazemiya. Não queria que ela ficasse sozinha. Foi por isso que pedi para ela me encontrar. Pelo menos, foi o que disse a mim mesmo. Mas agora, diante dela, meu raciocínio parecia vazio. Minhas palavras falharam.

— Você encontrou Kuon-san e sua mãe mais cedo, não foi? Não queria deixar você sozinha depois disso.

— Entendo... Desculpe por ter te preocupado.

— Isso... não é totalmente verdade.

Eu estava falando sério, eu estava preocupado e não queria que ela ficasse sozinha, mas, ao encontrá-la agora, percebi que havia mais do que isso. Aquelas eram apenas desculpas.

— Eu queria te ver, Kazemiya. Só isso.

Eu queria vê-la, pura e simplesmente. Ao reconhecer meus sentimentos por Kazemiya Kohaku, percebi que lógica ou raciocínio não importavam. Eu só queria vê-la.

Essa é a verdade.

— Eu é que deveria pedir desculpas. Desculpe por chamá-lo por algo tão trivial. Mas... brincar com você também era a verdade.

— Não peça desculpas...

Kazemiya desviou o olhar enquanto falava. Por um momento, pensei que ela pudesse estar chateada, irritada por eu a ter trazido aqui egoisticamente.

— Estou feliz... por causa disso.

— Você está... feliz?

— Sim... estou muito, muito feliz.

Sua resposta me pegou de surpresa e eu congelei momentaneamente.

Enquanto ela acenava com a cabeça suavemente, fiquei impressionado com o quão bonita ela estava, e uma vontade de abraçá-la surgiu dentro de mim.

— Isso é tudo o que eu tinha a dizer. E você? Você disse que estava planejando me convidar também.

— Sim...

Após uma pausa para se recompor, Kazemiya voltou-se para mim. Lentamente, mas com determinação, ela falou.

— Eu decidi... vou para casa.

O som das ondas e o suave zumbido da brisa noturna preencheram o silêncio que se seguiu.

Suas palavras marcaram o fim do que chamávamos de nossa fuga, uma fuga infantil e ingênua da realidade. Embora ela tivesse anunciado o fim daqueles dias de sonho, meu coração estava estranhamente calmo.

— Entendo.

— Sinto muito. Depois de tudo, causei tantos problemas para você.

— Não peça desculpas. Eu me diverti.

Eu sabia que esse dia chegaria. Kazemiya era forte, e eu suspeitava que ela acabaria encontrando seu equilíbrio e decidindo seguir em frente. Que seria ela quem terminaria tudo.

— Você se encontrou com sua mãe e Kuon-san mais cedo, certo? Sua mãe disse alguma coisa para você?

— Ela disse... mas nada disso me afetou.

Olhando para o oceano escuro, sua voz trazia um leve traço de tristeza.

— Nas minhas memórias, minha mãe era uma figura assustadora que eu não conseguia desafiar. Ela era inteligente, sempre vestida com elegância, conciliando trabalho e tarefas domésticas com facilidade. Não importava o quanto ela fosse fria ou indiferente, parte de mim sempre acreditava que ela estava certa.

Seu tom lembrava o de alguém relembrando uma memória distante da infância.

— Mas a mãe que vi hoje era diferente. Ela tinha olheiras, as mãos ásperas e rachadas, o corpo mais magro do que eu imaginava, frágil e exausta. Mas não é como se ela tivesse mudado de repente. Não é porque eu fugi. Ela sempre foi assim... e eu simplesmente nunca percebi. Minha mãe sempre foi tão... pequena.

Kazemiya era quem havia sido magoada, tratada com frieza, rejeitada, negada. No entanto, ali estava ela, chorando pela pessoa que a havia magoado.

— Trabalhar meio período me fez perceber algumas coisas. Ganhar dinheiro é difícil. Mamãe tem feito isso, sozinha, para nos criar. Mesmo quando era difícil, mesmo quando ela queria chorar, ela continuava. E tudo o que eu fazia era odiá-la.

Lágrimas escorriam pelo seu rosto, não por ela mesma, mas pela mãe que a havia negado.

— Eu era tão criança...

Sua voz se quebrou enquanto lágrimas brilhantes, como joias, caíam uma após a outra.

Não é errado, é só simplesmente inevitável.

A verdade era que ainda éramos crianças. Não importava o quanto nos importássemos ou nos arrependêssemos, havia coisas que não podíamos mudar.

Mas Kazemiya não deixou as coisas terminarem com um “não tem jeito”. Ela lamentou seu passado, derramando lágrimas por alguém que a havia magoado.

Isso é realmente o comportamento de uma criança? Para mim, ela não parece uma criança.

— É por isso que decidi. Decidi voltar para casa... para pedir desculpas à mamãe...

Kazemiya, que estava decidida a enfrentar o futuro, agora olhava para baixo, com lágrimas caindo.

— Eu tenho que voltar. Eu tenho que ver minha mãe de verdade. E, no entanto...

Suas lágrimas caíam no mar escuro abaixo, misturando-se silenciosamente com as ondas.

— Mesmo tendo decidido... ainda há uma parte de mim que não quer voltar...

O luar transformou suas lágrimas em joias luminosas, engolidas pelas ondas sem deixar vestígios.

— Porque... se eu voltar, tudo vai acabar.

Então, como se se resignasse ao inevitável, Kazemiya colocou seus sentimentos em palavras.

— Se eu voltar... se não houver motivo para não voltar... esta aliança, nosso relacionamento, o tempo que passamos juntos... tudo vai acabar.

Éramos amigos, unidos pela Aliança dos Restaurantes Familiares.

Nenhum de nós queria voltar para casa. Precisávamos de um motivo para continuar fugindo.

Mas agora, esses motivos haviam desaparecido.

Quando o sol nascesse, essa fuga teria acabado. Kazemiya voltaria para casa.

Ela enfrentaria sua mãe.

Isso seria o fim da nossa aliança.

E quando a aliança terminasse, eu não teria mais motivos para ficar ao lado de Kazemiya Kohaku.

Da mesma forma, ela não teria motivos para ficar ao meu lado.

Nossa aliança, nosso relacionamento e o tempo que passamos juntos — tudo isso desapareceria.

Que direito eu tenho de ficar aqui agora? Ou será porque eu não tinha nenhum direito que não conseguia me aproximar de Kazemiya, que estava chorando?

— !

Eu não entendia a lógica. Meu corpo se moveu antes que minha mente pudesse acompanhar, e meu coração se moveu antes do meu corpo.

Eu não queria ver Kazemiya chorar.

O luar iluminava as lágrimas em suas bochechas, joias tragicamente belas que eu gentilmente enxuguei com meus dedos.

— Não... Eu não quero ser consolada... Não é isso...

— Eu sei. Eu sei.

Por enquanto, era apenas a ponta do meu dedo.

Mas eu queria tocá-la mais. Estar mais perto dela.

— Kazemiya. Eu disse ao Kuon-san antes, não disse? Que queria monopolizar o seu tempo.

— Sim, você disse. E fiquei feliz em ouvir isso.

Outro dedo, depois outro, tocou-a.

— Esse sentimento não mudou. Mas a única razão pela qual consegui monopolizar o seu tempo foi porque éramos aliados, amigos. Éramos parceiros nesta fuga. Se isso desaparecer, se você parar de fugir e voltar para casa, então não há mais razão. Você está certa. A nossa aliança, a nossa relação com um nome, vai acabar. E isso provavelmente é o certo. Fugir para sempre não é certo.

O número de dedos que a tocavam aumentou.

— Mas, mesmo assim, eu quero você, Kazemiya Kohaku.

Minha mão segurou seu rosto, sua pele quente e macia ao meu toque.

— Não quero que mais ninguém tenha você. Quero estar ao seu lado, estejamos fugindo ou não. Não importa o motivo. Mas ser apenas amigos não é suficiente. Não consigo mais me conter. Não é nem de longe o suficiente.

— Narumi...

Não adiantava. Eu não conseguia parar. Agora que eu tinha percebido meus sentimentos, eles jorravam, incontroláveis, com um calor que eu não conseguia conter.

— Eu te amo, Kazemiya.

Coloquei tudo, minhas emoções transbordantes e o calor no meu peito, nessas palavras.

— Você não se sente em casa em lugar nenhum. Você fica no restaurante da família. Você assiste a filmes sem parar e fica acordado a noite toda jogando. Você tem um lado infantil, fazendo barulho por causa das menores coisas. E mesmo quando você se sente magoado pela existência da sua irmã, você se levanta e enfrenta isso, decidindo voltar para casa. Eu amo tudo isso em você, Kazemiya Kohaku. Eu te amo tanto que não consigo me controlar. É por isso que quero que você me deixe te monopolizar, não apenas hoje, não apenas amanhã, mas todos os dias e todos os momentos do futuro.

Seus olhos, tão bonitos quanto o mar azul profundo, se arregalaram de surpresa. Aqueles olhos, redondos e brilhantes, pareciam a lua azul mais radiante e perfeita.

— Tudo em mim é seu. Tudo. Tudo o que tenho. Então, por favor, deixe-me ter tudo de você também. Deixe-me monopolizar você, Narumi. Porque já estou me afogando em você — impotente.

— Você pode ter tudo. Minha vida, meu futuro, tudo o que sou. Então, vamos voltar juntos. Vamos continuar nos encontrando. Não como aliados. Não como amigos. Apenas como namorados.

— Sim… Sim!

A noite tranquila nos embalava, o som fraco das ondas enfatizando nosso momento. O único movimento na água parada éramos nós dois.

Diante de mim estava Kazemiya, e em seus olhos não havia ninguém além de mim.

No final da nossa fuga, chegamos a um beco sem saída. No mundo totalmente escuro ao nosso redor, agora estávamos apenas nós dois. Ninguém mais existia ali. Naquele momento, naquele mundo, não havia espaço para nada além da nossa presença. Nada mais importava.

Olhamos nos olhos um do outro, cativados um pelo outro. Aproximando-nos cada vez mais, nos abraçamos e pressionamos nossos lábios um contra o outro.

O contato durou apenas um momento.

Mas o calor eletrizante e doce que percorreu meu corpo a partir dos meus lábios permaneceu, gravado em mim como se fosse durar para sempre.

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— Ah...

Quando nos separamos, um suspiro doce e ofegante escapou dos lábios de Kazemiya. Meu coração estava acelerado, ardendo. Não sabia dizer se o som forte era meu ou dela. A essa altura, a fronteira entre nós estava confusa, indistinta.

— Nós nos beijamos. É tão perfeito, é como um sonho.

— Talvez seja um sonho.

— Devemos verificar?

— Essa frase é minha, não é?

Nossos corpos permaneceram entrelaçados. Nenhum de nós fez qualquer esforço para se soltar. A expressão sonhadora de Kazemiya tocou meu coração. Eu queria abraçá-la com mais força, reivindicá-la como minha. Protegê-la até mesmo da luz da lua. Impulsionado por essa possessividade, selou seus lábios mais uma vez, como se quisesse protegê-la do luar.

— Não é um sonho. Não pode ser. Se fosse, eu já teria acordado de tão feliz que estou.

— Ainda não tenho certeza.

Sua voz, lânguida e ansiosa, se fundiu com a noite. Seus olhos brilhantes, suaves e cheios de emoção, se fixaram nos meus. O batimento rítmico e doce de seu coração, transmitido através de seu peito pressionado contra o meu, ressoou profundamente dentro de mim.

— Não é o suficiente. Me diga mais. Mostre-me que essa felicidade não é um sonho.

— Eu vou. Até você se convencer de que essa felicidade é real.

— Sim... Mostre-me. Deixe-me me afogar em você, Narumi. Mais e mais.

O terceiro beijo durou muito mais tempo do que os anteriores.

Quanto tempo passei ensinando a Kazemiya que isso era realidade, só a lua, observando-nos silenciosamente no céu noturno, saberia.



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