CAPÍTULO 4 - A escolha de Narumi Kouta
- AKEMI FTL
- 20 de ago.
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Ali estava uma mulher esbelta, impecavelmente vestida em um terno. Com uma elegante bolsa de negócios pendurada no ombro, ela exalava a imagem de uma mulher de carreira altamente capaz. Seu olhar aguçado, visível através das lentes dos óculos, estava direcionado a Kazemiya, com um tom de repreensão.
Kohaku… Ela é alguém que poderia chamar Kazemiya pelo primeiro nome e estar em frente a este prédio..
Olhando de perto, suas características faciais eram muito parecidas com as de Kazemiya. Não era difícil imaginar que, quando adulta, Kazemiya poderia se tornar uma beldade como essa mulher.
— Mãe?
Então era ela, a mãe de Kazemiya.
Considerando que a irmã mais velha de Kazemiya era uma estudante universitária, sua mãe parecia incrivelmente jovem para sua idade.
— Só porque eu não estou de olho em você, não significa que você deva sair a essa hora. Sinceramente... quando é que você vai crescer?
— ...
A mãe de Kazemiya soltou um suspiro profundamente exasperado. Por fim, seu olhar se voltou para mim, que estava ao lado de Kazemiya.
— E quem é você?
— Perdoe minha apresentação tardia. Meu nome é Narumi Kouta. Sou amigo da Kazemiya.
— Entendo. Peço desculpas por qualquer problema que a Kohaku possa ter te causado.
Suas palavras foram educadas o suficiente, mas carregavam um tom sutil que era difícil de não perceber.
É apenas minha imaginação? Não, talvez eu esteja simplesmente pensando demais... ou talvez...
— Na verdade, fui eu quem convidou Kazemiya para sair hoje. Acabei me empolgando e ficamos fora mais tempo do que deveríamos porque estávamos nos divertindo bastante. Eu realmente sinto muito.
— Não precisa se preocupar com isso. Tenho certeza de que foi essa criança quem te forçou a fazer essas bobagens… Aff... Pare de incomodar os outros. Algumas de nós estão ocupadas e você sabe bem.
— …
Diante das palavras de sua mãe, Kazemiya mordeu o lábio com os punhos fechados ao lado do corpo.
— Parece que você tem algo a dizer, Kohaku.
— Nada… Não tenho nada a dizer.
— Essa sua expressão de desaprovação... Não há problema em pensar o que quiser, mas você realmente precisa parar de deixá-la tão visível assim. É um tanto quanto inadequado.
Com outro suspiro, como se estivesse acostumada a isso, a mãe de Kazemiya se virou e entrou no prédio.
Kazemiya hesitou por um momento antes de seguir a mãe, com os passos pesados e sem energia. Pouco antes de entrar, seus olhos encontraram os meus por um breve momento.
— ...
Ela rapidamente desviou o olhar, como se não conseguisse suportar a dor, e desapareceu dentro do edifício imponente.
— Kazemiya...
Senti que entendi o que ela estava sentindo naquele último olhar. Kazemiya e eu éramos parecidos. Por causa disso, eu pude entender:
Dentre todas as pessoas, eu não queria que Narumi visse isso.
Era isso que seus olhos pareciam dizer naquele breve momento antes de se afastar, com suas emoções transparecendo apesar de seus esforços para escondê-las.

☆
— Cheguei.
Voltei direto da casa de Kazemiya e enfiei a cabeça na sala de estar para anunciar minha chegada.
— Bem-vindo de volta.
— Bem-vindo ao lar, Kouta-kun.
— Você deve estar cansado. Enchi a banheira com água quente, então tome um banho e relaxe.
Já passava das dez quando cheguei em casa.
Minha mãe, que estava escrevendo na sala de estar, e Akihiro-san, que estava colocando suco de cacau em uma caneca, me cumprimentaram calorosamente.
Normalmente, essas ações me encheriam de desconforto, culpa ou sensação de inadequação. Mas, só por hoje, fui capaz de aceitá-lo sem resistência.
“Bem-vindo de volta” hein…
Esses dois dizem isso tão naturalmente, mas...
A mãe da Kazemiya não disse isso…
A mãe da Kazemiya não cumprimentou a filha quando ela chegou em casa. Nem mesmo uma palavra de preocupação. Tudo o que ela fez foi repreendê-la, suspirar e agir como se lidar com ela fosse um fardo.
— O que há de errado? Você está se distraindo muito.
— Acabei de perceber como sou afortunado.
— O quê? Você está com febre ou algo assim?
— Não, não estou…
Na verdade, eu desejava que a mãe de Kazemiya tivesse sido apenas uma alucinação febril.
— De qualquer forma, vou deixar minhas coisas lá em cima e tomar um banho.
— Ah, Kouta-kun, se você está subindo, poderia levar um pouco de suco para a Kotomi? Ela deve estar estudando agora mesmo.
— Entendi.
— Obrigado. Eu agradeço.
Para ser honesto, meu relacionamento com a Kotomi ainda é um pouco estranho. Akihiro-san provavelmente percebe isso também. É por isso que ele usa oportunidades como essa para incentivar a comunicação entre nós como irmãos.
Se fosse outra pessoa, eu provavelmente teria recusado, mas a família é complicada.
Ao contrário da escola, essa conexão que temos como família não é algo que possa ser cortado ou ignorado. Mesmo que eu tentasse fugir ou desviar os olhos, o fato de sermos “família” não mudaria.
Além disso, minha mãe finalmente encontrou sua felicidade. Não sou tão insensível a ponto de estragar tudo e, assim, depois de me fortalecer com uma série de justificativas internas, fiquei em frente ao quarto da minha meia-irmã.
Primeiro, respirei fundo e, depois, dei uma batida leve.
— Ei, Tsujikawa. Sou eu.
— Nii-san?
— Akihiro-san me pediu para trazer isto para você.
— Entendo. Só um momento, por favor.
Pouco tempo depois, a porta se abriu. Em seu pijama, Kotomi olhou para mim brevemente antes de oferecer uma saudação educada.
— Bem-vindo de volta. Então você está em casa…
— Ah, sim... acabei de chegar.
— Hmm? Algum problema?
— Eu só estava pensando como é bom ser cumprimentado assim.
— Claro. Dizem que mesmo entre parentes próximos, a etiqueta é importante. Isso vale especialmente para a família. Em uma “família normal”, é natural cumprimentar seu irmão quando ele chega em casa.
— Mesmo entre parentes próximos, a etiqueta é importante, hein...
Ouvi-la dizer “bem-vindo de volta” dessa forma só me deixou mais consciente do quão pouco a mãe de Kazemiya se importava com ela. Isso me fez sentir vontade de afundar no desespero.
— Aqui, do Akihiro-san.
— Obrigada.
Tsujikawa pegou o cacau com um pequeno aceno de cabeça.
— Ah, a propósito, Nii-san, amanhã é sexta-feira, então isso significa que você está de folga, certo?
— Sim, é isso mesmo.
— Você tinha planos para hoje, mas se for como de costume, você estará em casa amanhã, não é?
— Esse é o plano.
— Hehe. Fico feliz. Mãe disse que vai tirar uma folga amanhã também e pai vai voltar para casa mais cedo. Será como uma “família normal” com todos nós passando tempo juntos.
Uma família normal, hein.
Talvez seja isso que eu deva ajudar a manter.
Não importa o quanto seja desconfortável, valorizar a família deve ser normal.
No entanto, a imagem de Kazemiya recuando, indo embora com sua mãe e a expressão em seus olhos quando ela saiu… tudo isso permaneceu em minha mente, recusando-se a desaparecer.
☆
A quinta-feira caótica chegou ao fim e a sexta-feira, sem dúvida o dia em que os estudantes e adultos que trabalham dão o melhor de si, enfim começou.
Os filmes... O restaurante da família... E, o encontro com a mãe da Kazemiya, que era fria com a filha.
Se algum dia merecia ser chamado de caótico, a quinta-feira se encaixava perfeitamente nos requisitos.
Não, a semana inteira havia sido um turbilhão. A aliança com a Kazemiya Kohaku começou na segunda-feira. Hoje foi o quinto dia desde então. Apenas cinco dias e, no entanto, para mim, foi uma mudança significativa.
— ...
Meus pensamentos foram consumidos pela expressão que Kazemiya usou ontem. Eu não conseguia parar de pensar nisso.
— Kouta! Kouta!
— Hã? Ah, Natsuki... O que é isso?
— O que foi? Eu tô falando “Bom dia” já tem um tempo, mas você não responde.
— Desculpe. Estava perdido em meus pensamentos.
— Isso tem acontecido muito ultimamente.
— Sim, acho que tenho tido mais em que pensar recentemente.
Especialmente nesses últimos cinco dias.
— Hmm...
— Não fique olhando para mim assim.
— Kouta, você definitivamente mudou um pouco recentemente. É graças a esse seu novo amigo?
— Mudei? Eu não achava que tinha mudado...
As palavras se arrastaram antes que eu pudesse negar com confiança, porque, no fundo, eu sabia que tinha mudado, mesmo que só um pouco. Esses cinco dias com a Kazemiya Kohaku tinham sido como um sonho.
— Sim, acho que mudei.
— Está vendo? Eu sabia!
Natsuki sorriu, com um sorriso suave e caloroso, como se estivesse genuinamente feliz por mim.
— O que está acontecendo com essa cara alegre?
— Hm? Eu não sei. Por que será que estou feliz? Não faço ideia…
— São seus próprios sentimentos, então descubra sozinho.
— Você consegue descobrir tudo sobre si mesmo, Kouta?
Esse comentário casual da Natsuki me tocou profundamente, perfurando meu âmago. Parecia que ele tinha apontado, sem saber, algo que eu nem tinha percebido sobre mim mesmo.
— Ah, é Kazemiya-san.
Kazemiya entrou na sala de aula. Seu olhar parecia fixo à frente, mas, ao mesmo tempo, não estava focado em nada. Seus olhos estavam vazios, distantes, como se ela pudesse desaparecer a qualquer momento.
— Kazemiya-san também está agindo um pouco diferente ultimamente.
— Está?
— Sim, tem... mas hoje, parece que ela voltou ao normal.
— Voltou ao normal...
— Até a semana passada, ela sempre estava assim, como se sua mente estivesse em outro lugar.
Aquele olhar vazio… era essa a Kazemiya de sempre?
A Kazemiya Kohaku que eu conhecia não era assim. Ela não tinha esse tipo de olhar. A Kazemiya que eu lembro mostrava tantas expressões diferentes.
Seu rosto frio e cauteloso quando ela queria manter as pessoas à distância na sala de aula. Seu olhar sonolento depois de passar a noite inteira jogando. Sua conversa entusiasmada quando compartilhava suas ideias sobre um filme. Sua reação de pânico quando alguém roubava um pedaço de seu hambúrguer.
Essa é a Kazemiya Kohaku que eu conheço agora.
Seus olhos de gema, tão deslumbrantes que quase poderiam roubar sua consciência se você não tomasse cuidado. Eu não conseguia nem me lembrar de como eram seus olhos antes. Foi assim que minha impressão da Kazemiya Kohaku mudou nos últimos cinco dias.
É impressão minha?
Impressão. É assim que estou encarando agora?
Não…
Não era algo tão vago quanto uma “impressão”. Rastrear o mal-estar em meu coração, analisá-lo e colocá-lo em palavras...
Presença?
Sim, é isso mesmo. Não é “impressão”, mas “presença”. Isso parece mais preciso. A Kazemiya Kohaku se tornou uma presença significativa em minha vida.
— Você tá no mundo da lua de novo.
— Eh!
Antes que eu percebesse, o rosto de Natsuki estava bem na minha frente.
— Você não notou o sinal, não é?
— Não, não notei.
— A próxima aula é com a Professora Hosomine. É melhor ter seus livros didáticos e caderno na mesa ou ela vai te expulsar.
— Obrigado pelo aviso.
— De nada. Só não se distancie tanto durante a aula, ok? Nem sempre posso te alertar.
— É o fato de você tentar me alertar que eu agradeço.
— Claro que sim.
Natsuki sorriu novamente, seu tom era leve e provocador.
— Há muito tempo não o vejo pensando tão seriamente em algo, Kouta.
— Eu já pensei seriamente sobre as coisas antes, você sabe.
— Sim, mas... seja lá o que for que você esteja pensando agora, acho que é algo bom.
Grato pela consideração de meu amigo de infância, peguei meus livros didáticos na escrivaninha.
☆
— Muito bem, vamos para a festa da turma!
Ao ouvir o chamado entusiasmado de Sawada, os participantes da festa, que já haviam terminado de arrumar suas coisas, levantaram-se animados.
Observando a cena animada pelo canto do olho, comecei lentamente a arrumar minhas próprias coisas.
— Kazemiya-san.
Enquanto eu colocava meus livros didáticos na mochila, Sawada chamou Kazemiya, que também estava juntando suas coisas lentamente.
— Diga.
— Que tal participar da festa? Você ainda pode ir, se quiser.
— Eu já te dei minha resposta antes.
— Achei que você tivesse mudado de ideia.
— Não mudei. Preciso ficar em casa hoje.
— Ah, estou entendendo. Hoje é um dia da família para você, não é?
— Isso não é da sua conta.
Terminando rapidamente de pegar sua bolsa, Kazemiya saiu correndo da sala de aula sem olhar para trás.
— É hora de ir para casa.
— Entendi. Kouta, você não gosta das tardes de sexta-feira? A energia é totalmente diferente.
— Ah... mais ou menos isso, eu acho.
Até a semana passada, eu teria acenado imediatamente com a cabeça e concordado com a declaração de Natsuki.
Não, eu ainda gosto das sextas-feiras.
Mesmo sem nenhum plano específico, a expectativa sempre me deixa um pouco animado. Mas, por alguma razão, eu não estava sentindo a mesma empolgação hoje.
— Até logo, Kouta!
— Sim, vejo você na segunda.
— Ah, essa é uma despedida tão fria, como se nunca fossemos nos ver no fim de semana. Que tal me convidar para sair um dia desses?
— Infelizmente, tenho turnos de trabalho programados para o fim de semana.
Depois de me separar do Natsuki, fui direto para casa. Ficar em casa às sextas-feiras era uma regra pessoal que eu havia criado para não atrapalhar a felicidade que minha mãe finalmente havia encontrado.
— Estou de volta.
— Bem-vindo de volta.
Minha mãe me cumprimentou quando entrei pela porta. Akihiro-san ainda não estava em casa, é claro. Mesmo que ele estivesse planejando voltar cedo para casa, o horário de trabalho dos adultos não coincide com o horário escolar.
— Ufa...
Joguei minha bolsa de lado, pendurei meu uniforme em um cabide e caí na cama.
Desde o dia em que me mudei para esta casa, depois que minha mãe se casou novamente, ainda não me acostumei com a vista do teto desta cama... Talvez seja porque eu esteja fugindo de casa o tempo todo.
— As sextas-feiras são dias de prioridade para a família...
Eu disse em voz alta a regra que havia estabelecido para mim mesmo.
Mesmo depois que minha mãe se casou novamente e eu comecei a fugir desta casa, desta família, eu me mantive fiel a essa regra: As sextas-feiras eram o único dia em que eu não podia correr.
— ...
Levantei-me da cama, peguei meu uniforme no cabide e enfiei o celular no bolso.
Do segundo andar para o primeiro. Em vez de ir direto para a porta da frente, fui até a sala de estar para avisar minha mãe.
— Hã? O que está acontecendo?
— Estou saindo um pouco.
— O quê? Mas você disse que ficaria em casa hoje…
— Desculpe.
As sextas-feiras são dias de prioridade para a família. As sextas-feiras são o único dia em que não posso fugir. Essa é a regra. Uma regra para evitar que a família se separe.
Mas hoje, só desta vez, decidi quebrar essa regra.
— ...
Enviei uma mensagem para Kazemiya no aplicativo de mensagens.
O texto era simples e objetivo:
KOUTA: Estou indo para aí agora.
Era isso. Isso deveria ser suficiente para que ela entendesse.
“Ah, estou entendendo. Hoje é um dia da família para você, não é?”
As palavras de Sawada se repetiram em minha mente e eu as risquei mentalmente com tinta vermelha em negrito.
Sawada, você não entende nada da Kazemiya Kohaku.
Kazemiya ficou em casa? Obviamente isso foi apenas uma desculpa para não ir com eles. Ela não está rejeitando as pessoas friamente, como costumava fazer, apenas para evitar rumores ruins sobre si mesma.
— ...
Fui para o lugar de sempre. O restaurante familiar de sempre. O assento de sempre.
— Você realmente veio…
Ali estava sentado Kazemiya Kohaku.
— Hoje não era para ser o dia em que você ficaria em casa!?
— Esse era o plano.
Eu me sentei na cadeira em frente a ela, que havia se tornado “meu lugar de sempre” nos últimos cinco dias.
— Hoje, decidi que vou ouvir suas reclamações.
— Você está aqui para ouvir minhas reclamações? Espera, o quê? Por quê?
— Porque...
Honestamente, nem eu sabia por que estava aqui, quebrando a regra que havia criado para mim mesmo, negligenciando o tempo com a família em uma sexta-feira.
Eu havia me feito essa pergunta várias vezes no caminho para cá, mas ainda não tinha encontrado uma resposta.
— Coisas da escola, coisas pessoais... coisas da família. Fizemos uma aliança para compartilhar e ouvir as reclamações uns dos outros, não foi?
Afinal de contas, foi Kazemiya quem sugeriu isso em primeiro lugar. Ela não poderia ter se esquecido.
— ...
No entanto, aqui estava ela, olhando para mim com a boca ligeiramente aberta, congelada no lugar.
— Diga alguma coisa.
— Desculpe. Não sei o que dizer... Não achei que você viria mesmo. Eu tinha certeza de que não nos veríamos hoje... e agora... não sei, estou muito confusa.
Eu nunca tinha visto Kazemiya tão nervosa antes. Nem durante o dia, quando ela mantinha a calma, nem depois da escola, quando baixava um pouco a guarda.
— Como eu disse, eu realmente não estava planejando vir hoje.
— Então, por que você está aqui?
— Eu não sei.
— Você também não sabe?
Quando respondi honestamente, Kazemiya soltou uma pequena risada.
— Para com isso… Eu pensei sobre isso, mas ainda não sei. Enfim, reclamações. Hoje estou aqui para ouvir as suas, mas, primeiro, deixe-me pegar um refrigerante.
— Você não precisa pedir nada.
— O que você é? Um demônio? Corri o caminho todo até aqui e estou com sede.
— Hã? Você correu até aqui?
— Tem algum problema com isso?
— Não… Se tenho alguma coisa, é felicidade.
Por que? Parece que não consigo olhá-la nos olhos neste momento.
— De qualquer forma, vou pedir algo, não importa o que você diga.
— Não se preocupe com isso. Veja.
Kazemiya deslizou o recibo da mesa em minha direção. O pedaço de papel branco dizia claramente: “Free Refil - Quantidade: 2” em negrito e preto.
— Não achei que você fosse aparecer, mas... por hábito, pedi dois.
Normalmente, como vou ao Flowers depois de meus turnos, peço a Kazemiya para pedir isso junto com o dela.
— Ainda bem que eu vim, então.
— Mesmo que você não tivesse vindo, eu teria pedido os dois.
— Ainda assim é uma taxa.
— Se eu beber o dobro, então é como se fossem duas, não é?
Kazemiya argumentou com um raciocínio completamente sem sentido e, pela primeira vez naquele dia, nossos olhos se encontraram. A tensão diminuiu, os pensamentos desnecessários se dissiparam e parecia que nossa rotina habitual depois da escola havia voltado.
— Isso é um absurdo.
— Sim, totalmente.
Nós dois rimos juntos.
— Obrigado, Narumi. Estou me sentindo um pouco melhor agora.
— Não precisa me agradecer. Não vim aqui para animar você.
— É verdade. Você só veio para me ouvir desabafar, certo?
— Isso torna as coisas mais fáceis para você, não é?
— Sim, facilita.
Aproveitando o passe do refil livre que ela já havia pedido, enchi meu copo com gelo e completei com refrigerante de melão. Perto dali, Kazemiya estava esperando sua vez de encher seu copo também.
— Você realmente gosta de refrigerante de melão, não é?
— Não posso tomá-lo em casa.
— É verdade. Você vê muito isso em restaurantes familiares, mas não muito em lojas como bebidas engarrafadas. Eu me pergunto o porquê.
— Talvez seja uma estratégia para fazer com que pareça mais exclusivo?
— E o que isso significa?
— Não sei. Só os deuses sabem.
— Isso é tão preguiçoso…
Sorrindo levemente, Kazemiya colocou uma leve camada de gelo em seu copo e o colocou sob o dispensador. Ela apertou o mesmo botão que eu havia apertado antes.
— Eu também quero refrigerante de melão.
— Não quer chá?
— Hoje é especial.
Com nossos copos de refrigerante de melão, voltamos aos nossos assentos. Estava chegando a noite, e o restaurante estava enchendo lentamente. Famílias com crianças, estudantes e até mesmo algumas pessoas digitando furiosamente em teclados conectados a tablets ou fazendo reuniões sobre documentos espalhados pelas mesas.
A atmosfera era uma mistura de barulho, conversa e o zumbido geral da vida, no entanto, em meio a todo esse barulho, senti-me estranhamente em paz. Era como se o mundo tivesse se reduzido a apenas nós dois.
— Desculpe por ontem.
Mesmo em meio ao barulho, a voz de Kazemiya se fez ouvir claramente.
— Minha mãe... foi desagradável, não foi?
— Ela não fez nada comigo. Não precisa se desculpar por ela.
— Mas ela é minha mãe. Se ela o aborreceu, então eu devo pedir desculpas.
— As famílias são um incômodo.
— Não posso argumentar contra isso.
Por ser da família, você pede desculpas em nome dela. Porque ela é sua mãe. Porque você é filha dela. Porque vocês estão conectadas.
Mesmo que Kazemiya não tenha feito nada de errado, as famílias são realmente problemáticas.
— Se alguma coisa me incomodou em relação a ontem...
Para ser sincero, eu me senti desconfortável.
Mais do que isso, eu fiquei completamente irritado. O desconforto permanecia em meu peito até hoje, como uma mancha que não saía.
— Foi a maneira como sua mãe olhou para você, como se já tivesse decidido que você estava errada. Sua expressão, seu tom e até mesmo suas palavras. Se ela é uma gerente, deveria aprender a esconder melhor seus sentimentos. Isso não é profissional.
Depois de extravasar minha irritação, limpei minha garganta com o refrigerante de melão verde brilhante. Uma solução rápida.
— Pff... Haha.
Na metade de sua bebida, Kazemiya deu uma risadinha suave e depois caiu na gargalhada.
— É você mesmo Narumi? Quem é que fala assim da mãe de alguém?
— Se um pedido de desculpas for necessário, posso oferecer um com zero de sinceridade.
— Não, tudo bem… Na verdade, isso me fez sentir um pouco melhor.
— Fiz?
— Sim. Eu mesmo nunca poderia dizer isso a ela.
— Imaginei. Até eu estou surpreso por ter dito isso. Normalmente, eu nunca falaria assim sobre a família de outra pessoa.
Não é do meu feitio me intrometer na casa de outra pessoa, mas estar perto da Kazemiya me faz sentir como se eu não fosse mais eu mesmo.
— Isso é culpa sua, Kazemiya.
— O quê? Isso não faz sentido.
— Também não faz sentido para mim.
— Não me copie.
Rindo baixinho, Kazemiya girou o canudo em seu copo com seus dedos delicados.
Os cubos de gelo amassados tilintavam levemente contra o copo, criando um som refrescante e calmante.
— Ontem, depois daquilo, minha mãe me deu um sermão.
— Os parceiros da aliança devem compartilhar informações.
Eu joguei sua própria lógica de volta para ela, algo que ela havia me dito uma vez.
— Mas não é uma boa história. Tem certeza de que quer ouvi-la?
— Então, por que começou a falar sobre alguns detalhes em primeiro lugar?
— Bem... eu meio que concordei com algumas coisas. Guardar isso para mim não seria justo com você, Narumi.
— Eu vou ouvir.
Kazemiya colocou seus lábios pequenos e macios no canudo e tomou seu refrigerante de melão lentamente. Parecia que ela estava reunindo energia para dizer o que passava em sua mente.
— “Se você continuar arrastando aquele garoto Narumi para seus pequenos passeios, ele vai continuar a descer ladeira abaixo. Pare de puxar os outros para baixo com você”. Foi isso que ela disse.
— Hmm. “descer ladeira abaixo”, hein... E com que parte disso você concorda?
— Bem... basicamente tudo. Como hoje, por exemplo, você deveria passar um tempo com sua família, mas eu acabei tirando esse tempo de você.
— Essa foi minha escolha e mesmo que as palavras de sua mãe fossem verdadeiras, elas não se aplicariam a mim.
— Por que não?
Kazemiya inclinou a cabeça, intrigada. Para isso, eu lhe dei uma resposta confiante:
— Porque, muito antes de me tornar seu amigo, eu já era uma causa perdida.
— Hã?
— Eu fugi de casa, da minha família. Continuei fugindo e fugindo, até que acabei praticamente morando aqui neste restaurante. Está vendo? Já cheguei ao fundo do poço.
Eu disse isso com orgulho e o peito estufado.
— Narumi, você realmente é demais.
— Devo encarar isso como um elogio?
— Não sei. Mas acho que você é um pouco idiota.
— Acho que é por isso que estou aqui.
— Talvez seja, mas...
A luz voltou aos olhos de Kazemiya.
Eles não estavam vagos como estavam hoje de manhã. Eram os olhos da Kazemiya Kohaku que eu havia conhecido… não, aquela que eu havia conhecido nos últimos cinco dias.
— Eu não gosto de idiotas como você.
— Vou considerar isso como um elogio.
Isso foi tudo o que consegui fazer enquanto desviava o olhar. Não sabia por que, mas agora, apenas nesse momento, não conseguia olhar diretamente para o rosto dela.
— Hoje é a festa da turma, não é?
— Você quer ir?
— De jeito nenhum... mas, sabe, por que não fazemos nossa própria agora mesmo?
— Só nós dois?
— Uma festa da turma ainda é uma festa da turma, mesmo que sejam apenas duas pessoas. Além disso...
— Isso nos dá uma desculpa perfeita para nossas famílias.
Dissemos os dois ao mesmo tempo, sem planejar.
— Você está precisando de uma, não é?
— Agradeço a consideração.
— Obrigado a você também.
Dizendo isso, Kazemiya levantou levemente seu copo quase vazio de refrigerante de melão.
— Devemos pelo menos tornar isso uma verdade?
— Vamos fazer isso.
Também levantei meu copo e bati de leve no dela.
— Saúde.
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