INTERLÚDIO 1 - SENTIMENTOS DA NANAMI

Naquele dia, eu, Nanami Barato, me declarei para um garoto pela primeira vez. Um garoto da minha turma que era quieto. Um garoto que não se destacava. Um garoto com quem eu nunca tinha realmente conversado antes, que eu nem conhecia muito bem. Mas o garoto para quem me declarei, Yoshin Misumai, era sem dúvida um garoto gentil.

Desde que o garoto fosse gentil, minha confissão poderia ter sido para qualquer um. Quando digo isso, pareço uma agressora aleatória, mas tenho certeza de que ele deve ter pensado isso de mim. Afinal, eu não me declarei porque gostava dele.

Eu me declarei a ele por causa de um desafio.

Isso mesmo, um desafio. Um desafio em que eu deveria dizer a ele que gostava dele e depois sair com ele por um mês. Era o castigo que eu tinha que enfrentar por perder um jogo com minhas amigas.

Um desafio como esse era o pior ato de brincar com os sentimentos de outra pessoa. De alguma forma, porém, eu finalmente decidi seguir em frente. Percebo novamente que essa foi a pior das decisões.

Mas essa não tinha sido minha ideia inicialmente. 

Minhas amigas, Hatsumi Otofuke e Ayumi Kamoenai, foram quem me desafiaram a fazer isso. No começo, eu relutei, mas no final... aceitei o desafio. Se pensar dessa forma, acho que não havia motivo para inventar desculpas. No momento em que disse a elas que faria isso, me tornei tão culpada quanto elas.

Eu sabia que parecia confiante por causa da maneira como me vestia e minhas roupas tendiam a ser um pouco reveladoras, mas, por várias razões, eu tinha dificuldade em conversar com os meninos. Foram minhas amigas que me ajudaram a construir minha aparência como uma barreira para proteger meu coração.

No fim das contas, era uma barreira frágil que não era bem uma parede, mas quando eu me vestia assim e saía com as duas, conseguia interagir com os rapazes de forma bastante normal. Acho que até consegui fazer amizade com alguns deles.

Mas minha aparência não era suficiente para eu fazer isso sem elas. Eu ainda não conseguia ficar sozinha com um rapaz… pelo menos, não antes daquele dia. 

Foi por essa razão que minhas duas amigas estavam preocupadas comigo.

Por enquanto, estava tudo bem, mas eu planejava ir para a faculdade um dia. Hatsumi queria ser cosmetologista e Ayumi almeja ser designer, então ambas estavam estudando muito com o coração voltado para escolas profissionalizantes.

Nós três podíamos parecer burras por causa da nossa aparência, mas nossas notas não eram tão ruins assim. Estávamos nos esforçando tanto quanto qualquer outra pessoa para realizar nossos sonhos, mas, como estávamos em caminhos tão diferentes, chegaria um momento em que meu caminho se desviaria do delas. 

Elas estavam preocupadas que eu fosse para a faculdade e me envolvesse com algum cara estranho enquanto elas não estivessem lá para cuidar de mim. Na verdade, Hatsumi e Ayumi estavam mais preocupadas comigo do que meus próprios pais e sempre me lembravam para não me envolver com nenhum cara estranho.

Provavelmente foi por isso que elas sugeriram um desafio dessa vez… Foi tudo para que eu pudesse me acostumar um pouco mais com os caras e me manter segura no futuro.

Minhas amigas provavelmente escolheram Yoshin-kun porque ele parecia a opção mais segura. Eu nunca tinha falado com ele pessoalmente, mas era verdade que ele era quieto e estava sempre sozinho. Considerando isso, elas não eram as únicas que acreditavam que ele era inofensivo.

Então, depois de um pouco de incentivo das minhas amigas, eu reuni coragem para me declarar para ele e fiz isso naquele mesmo dia.

Mesmo sabendo o quanto isso era ruim, eu me declarei para ele por egoísmo. Eu realmente era péssima, mas, ousada ou não, essa ainda era minha primeira declaração. 

Já havia recebido declarações antes, mas nunca tinha feito uma. Na noite anterior, fiquei deitada sem conseguir dormir, murmurando baixinho para mim mesma enquanto meus nervos me atormentavam.

— Amanhã... amanhã eu tenho que me declarar...

Quando finalmente chegou a hora, porém, não foi meu próprio nervosismo que me surpreendeu, mas o próprio Yoshin-kun.

 Muitos rapazes haviam se declarado para mim até aquele momento. O capitão do time de basquete que não conseguia tirar os olhos do meu peito, aquele rapaz com complexo de bad boy que ficava olhando para as minhas pernas, aquele rapaz de aparência séria com óculos que ficava olhando para os meus braços nus... Nenhum deles olhou para o meu rosto durante a confissão e todos me olharam como se estivessem esperando algo.

Mas Yoshin-kun é diferente.

Ele olhou nos meus olhos e apenas nos meus olhos. Não foi em nenhuma outra parte do meu corpo, pois ele me olhou nos olhos com seriedade. Ele fez isso por mim.

Diante de uma reação tão diferente e inesperada, senti algo além de nervosismo e no momento em que terminei de confessar com toda a minha coragem 

Coragem? Não, isso foi só um desafio! 

Yoshin-kun veio correndo em minha direção. Em um piscar de olhos, ele me empurrou no chão e cobriu meu corpo com o dele. Naquela hora, eu fiquei tão chocada com o comportamento dele.

Hã?! Estou sendo atacada?!

Eu simplesmente fiquei deitada lá, incapaz de fazer qualquer coisa, e naquele momento, não pude deixar de me sentir... decepcionada.

Ah… Ele é igual a todos os outros caras antes dele… ou talvez até pior…

De repente, fiquei com medo de que esse cara fosse me agredir. Gritei, mas minhas pernas se recusaram a se mover. Tudo o que pude fazer foi fechar os olhos e gritar, incapaz de oferecer qualquer resistência significativa, mas rapidamente percebi o quanto minhas percepções estavam erradas.

Quando caí no chão, ouvi o som de água espirrando e o baque de um objeto duro, seguido por um choque que reverberou através do corpo dele para o meu. Quando abri os olhos com medo, imaginando o que havia acontecido, me deparei com a imagem de Yoshin-kun, encharcado e sangrando pela cabeça.

Seu sangue escorria pelo meu rosto e ele sorriu para mim.

— Você está bem? Barato-san? Você está ferida?

Essas primeiras palavras, ditas enquanto ele estava encharcado e ferido, expressavam uma preocupação genuína por mim e imediatamente depois disso, ele desmaiou.

Sem saber o que estava acontecendo, fiquei confusa, mas logo percebi que ele tinha agido assim para me proteger e me senti envergonhada pela minha decepção anterior. Quase entrei em pânico, pensando que ele havia morrido por minha causa, mas, por algum milagre, ele ainda respirava.

Sem pensar duas vezes, me levantei e corri para pedir ajuda, pois não havia como carregá-lo sozinha.

Enquanto corria, minha respiração ficou mais pesada e meu coração bateu mais rápido, mas não sabia dizer se meu pulso acelerado era por causa da corrida ou por causa de Yoshin-kun.

Quando finalmente cheguei à sala dos professores, chamei um professor e pedi que o levassem para a enfermaria. Meu coração continuava batendo forte e meu peito estava apertado enquanto eu olhava para seus olhos fechados.

A enfermeira da escola tirou as roupas molhadas de Yoshin-kun, tratou-o rapidamente e o deitou em uma cama. Eu poderia ter chorado quando me disseram que ele ficaria bem.

Então, depois de tudo o que aconteceu, ele se sentou, deixando-me instantaneamente sem palavras. Afinal, Yoshin-kun ainda estava sem camisa! Mais do que isso, porém, foi seu físico que me pegou de surpresa. 

Eu achava que ele era quieto e magricelo.

Na verdade, ele tinha um corpo mais bonito do que eu jamais poderia imaginar. Foi então que finalmente percebi que ele era realmente um menino, mas a apreensão que eu normalmente sentia em relação a eles... não era um problema e logo descobri que, mais do que qualquer outro cara que eu já tinha conhecido, esse era gentil e cavalheiro.

Quando ele acordou e aceitou minha confissão, fui tomada por uma mistura de alegria e culpa. Mais do que isso, porém, fiquei surpresa comigo mesma por me sentir tão feliz por ele ter dito sim.

Tomada por essa sensação de felicidade, sugeri que nos chamássemos pelo primeiro nome. Até então, eu não gostava da ideia de um rapaz me chamar de Nanami. Isso sempre me pareceu desconfortavelmente íntimo, mas não pude evitar querer ouvir isso do Yoshin-kun.

Mas isso foi tudo que consegui fazer. Além disso, não consegui dizer mais nada para ele.

Não sei se foi por causa da minha crescente sensação de culpa ou por estar nervosa por estar andando com ele, mas não consegui encontrar palavras para conversar com ele no caminho de volta para casa. Será que ele ficou entediado? Me senti muito mal por isso.

No final, quando estávamos trocando informações de contato, trocamos algumas palavras, embora fosse um pouco estranho. Mesmo essa breve conversa me deixou tão feliz que eu estava nas nuvens.

Algum tempo depois, voltei para casa ainda atordoada. Quando me joguei na cama, meus pensamentos me atingiram de repente.

— Ele foi tão legal... Yoshin-kun...

Espere, por que eu estou tão nervosa? Por que eu estou falando sozinha? Eu tenho o direito de fazer isso?

Eu me debati na cama, minha mente cheia de Yoshin-kun.

Yoshin-kun, meu namorado. 

No meu coração, eu não sentia nenhum desconforto com a ideia de sair com um garoto.

Isso mesmo, a partir de amanhã, eu iria agir como a namorada de Yoshin-kun... 

Eu não podia me dar ao luxo de cometer mais erros, ou pelo menos era o que eu dizia a mim mesma com entusiasmo e, naquele momento, de repente me dei conta.

Por que eu estou tão nervosa? Era tudo apenas um desafio. Um mísero mês de relacionamento, mas por que, se é assim, eu me senti tão triste quando ele disse adeus?

Balancei a cabeça para afastar os pensamentos incômodos e parei um momento para olhar meu celular. Ele estava recebendo notificações sem parar desde que eu voltei, então deviam ser minhas amigas querendo saber como eu estava.

Como era de se esperar, encontrei uma série de mensagens rápidas que comecei a ler uma por uma.

Hatsumi: Então, como foi? Ele disse sim?

Ayumi: Com certeza deu tudo certo, né? Mas você ainda tem que nos contar como foi!

Olhei para as mensagens e sorri amargamente, depois enviei uma resposta simples.

Nanami: Deu tudo certo. Aconteceram muitas coisas, por isso amanhã eu conto tudo que vocês querem saber, mas agora vou dormir. Boa noite.

Depois de enviar a minha resposta, saí da conversa. Elas enviaram mais algumas mensagens depois disso, mas logo pararam, por isso devem ter pensado que eu tinha adormecido.

Depois disso, respirei fundo e toquei no ícone do Yoshin no aplicativo de mensagens. Ao ver o nome do primeiro garoto com quem eu havia trocado informações de contato, senti-me tonta.

O personagem em seu ícone é de algum tipo de anime? Bem… é uma personagem feminina com cabelos presos em tranças elegantes. Ele gosta de garotas com essa aparência?

Enrolei as pontas do meu cabelo nos dedos. Normalmente, eu não fazia nada de especial com ele, apenas prendia ou enrolava em ondas sutis, mas isso era porque não tinha ninguém para quem exibi-lo. Caso contrário, parecia um esforço excessivo. Claro, eu sabia fazer penteados como o da foto do perfil de Yoshin, mas nunca tinha realmente tentado fazer em mim mesma antes.

— Talvez eu devesse tentar fazer tranças...

Incapaz de suprimir meu coração acelerado, enviei uma mensagem para ele impulsivamente.

Nanami: Estamos namorando agora, então vamos caminhar juntos para a escola a partir de amanhã. O que você acha de nos encontrarmos na estação de trem às 7:30?

Será que é amigável o suficiente?

No momento em que pensei isso, a mensagem foi marcada como lida. Fiquei feliz por ele ter lido minha mensagem tão rapidamente, mas, ao mesmo tempo, fiquei ansiosa porque ele não estava respondendo.

Será que eu tinha dito algo estranho? Ele estava ignorando minha mensagem? Ou ele está apenas nervoso porque não sabia como falar com uma garota? Se ele realmente está nervoso, senti que tínhamos algo em comum.

Até que a resposta chegasse, esperei por um tempo que pareceu muito longo, embora provavelmente não tenha sido assim tão longo.

Então, finalmente chegou.

Yoshin: Ficarei feliz em acompanhá-la até a escola, Nanami-san. Às 7:30 está ótimo para mim. Estou ansioso por isso.

Eu pulei de alegria só de vê-lo dizer que ficaria feliz e a cama em que eu estava deitada rangeu.

Mas por que ele está sendo tão educado? 

Eu me perguntei por um momento, antes de finalmente decidir que ele devia estar desconhecido com a situação. Quanto mais eu pensava nisso, mais achava isso adorável.

Espere, adorável? O que eu estou pensando? Eu não sei nada sobre ele!

Não tinha certeza se esses sentimentos eram o que as pessoas chamam de efeito ponte suspensa (sentir-se mais atraída por alguém devido a uma situação perigosa) ou se eu realmente estava começando a gostar dele. 

Mas se eu estou começando a gostar dele, eu sou a garota mais fácil do mundo! 

Talvez minhas amigas estivessem certas em se preocupar comigo.

Não, não. Eu não sou fácil. Yoshin é apenas um namorado de teste, só isso. Eu não sou fácil, ok?! Essas palpitações cardíacas são claramente resultado do efeito ponte suspensa!

Balancei a cabeça em negação, enquanto uma mistura de perplexidade, culpa e um pouco de felicidade rodopiava dentro de mim.

— Mas sim, mesmo que seja apenas uma encenação, ainda sou namorada dele, então sentir isso deve ser permitido.

Assim como disse às minhas amigas, decidi ir dormir cedo. Então, com determinação no coração, deitei na cama. Amanhã, eu teria que acordar mais cedo do que o normal.

— Amanhã, vou me encontrar com Yoshin... Iremos para a escola juntos... Vou para a escola com meu namorado... Com meu namorado... Com Yoshin... Yoshin é meu namorado...

Quando pensei nisso dessa forma, de repente me senti envergonhada. Com o coração batendo forte, forcei-me a fechar os olhos.

Embora estivesse nervosa, o cansaço logo me dominou. Lentamente, mas com segurança, mergulhei em um sono profundo.

Afundei e afundei... até que tive um sonho.

Em meus sonhos, Yoshin sem camisa continuava aparecendo e eu acordava todas as vezes. Essa foi mais uma noite de sono agitada, no entanto, ainda consegui acordar a tempo de encontrá-lo, tudo graças ao Yoshin sem camisa… ou pelo menos foi o que me convenci.

CAPÍTULO ANTERIOR

PRÓXIMO CAPÍTULO