CAPÍTULO 3 - Sushi e Sorvete
- AKEMI FTL
- 20 de ago.
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— Ah, você não ficou sabendo? Saitou-san está de férias agora.
— Hãããã?!
— O queeee?!
No dia seguinte, Ioka e eu fomos para a enfermaria, apenas para gritar juntos. Olhei para a Ioka, que cobriu a boca com as duas mãos, verificando minha reação. Seus olhos pareciam me perguntar o que exatamente deveríamos fazer de agora em diante, então respondi com um olhar igualmente confuso.
— De qualquer forma, serei a substituta por enquanto. Devo dizer que estou com muita inveja por ela poder fazer uma viagem ao exterior durante suas longas férias.
A enfermeira representante emitiu uma vibração calma e relaxante com um sorriso gentil. Naturalmente, ela não sabe da nossa situação. Diante dessa revelação, nós dois saímos da enfermaria e ligamos para Sai-san na hora.
— Alô, alô! É a sua exorcista e enfermeira favorita... Saitou Sai falando!
Uma voz familiar veio do alto-falante do meu telefone. Além disso, ela estava com a câmera ligada, o que nos permitiu ver que tipo de cara ela fez ao acenar para nós.
— Estamos ligando para você porque você não estava na sua maldita enfermaria!
— Onde quer que eu esteja é a enfermaria, meu jovem!
— Que tipo de lógica é essa?
— A lógica é de extrema importância, afinal de contas, demônios são conceitos.
Fiquei imaginando de onde exatamente ela estava nos chamando, então verifiquei o fundo. Eu podia ver uma tábua de madeira atrás dela, com os nomes dos peixes escritos nela.
— Você está em um restaurante de sushi?
— Eu não disse a você? Vou ficar na Inglaterra por um tempo. Inglaterra, Grã-Bretanha e peixes.
— Você não nos disse nada sobre viagens e lazer! E você não nos pediu para passar aqui hoje?
— Pedi? Bem, eles encontraram mais alguns dados históricos sobre demônios em Oxford, então a equipe de pesquisa do Museu Britânico me chamou. Também preciso começar a escrever minha tese em breve, então esse é o momento perfeito. Sendo assim, estou comendo sushi no aeroporto de Narita neste momento... Hummm… gyoza é tão bom!
— Você age como uma adulta, mas seu gosto é tão infantil...
— Nós nos conhecemos há tanto tempo e, mesmo assim, você insiste em me machucar, irmãozinho?
— Tô nem aí para isso. Mais importante, o que vamos fazer com relação ao Ioka?!
— Ah, quanto a isso... Como pesquisadora que sou, pensei um pouco sobre isso. O que fazer nessa situação e qual seria a melhor solução? A conclusão a que meu cérebro genial chegou… — ela usou seus longos dedos para remover a cauda do camarão e continuou — ...é que vou deixar esse caso para você, Aruha-kun.
— Ah não...
— Exatamente. Você vai exorcizar o demônio, irmãozinho.
— O que diabos você está dizendo?! Não tem como eu fazer isso!
— Eu lhe disse. Você só precisa descobrir o desejo de Ioka-kun e torná-lo real. Você deve ser capaz de fazer isso... ou melhor, você é o único que pode fazer isso.
— Isso não faz sentido!
— Assim que eu terminar de comer aqui, tenho que fazer o check-in, então vou ser breve.
Ela não se importou com minha resposta e simplesmente levantou três dedos.
— Deixe-me abençoá-lo com três conselhos de sabedoria. São os princípios básicos de um exorcista.
No final, fui forçado a ouvir.
— Primeiro... Os demônios são conceitos. Uma vez que as chamas tomam forma, você não pode apagá-las com nenhum meio físico. Você só pode abordar o desejo que é a força motriz para isso. Reaja rapidamente e prepare medidas defensivas, entendeu?
— Acho que sim.
— Segundo... O demônio está tentando realizar o desejo dela com o uso de chamas. Deve haver uma conexão lógica entre as chamas e Ioka-kun. Você tem que descobrir isso.
— Como eu saberia?
— Você tem que pensar sobre isso. De qualquer forma, a última parte é a mais importante... Como os demônios são conceitos, eles sempre se comportam de acordo com sua própria lógica. Se você quiser exorcizá-los adequadamente, todas essas condições precisam ser atendidas.
— O que isso quer dizer?
Ela viu meu rosto perplexo e sorriu.
— Ah, você vai ficar bem. Afinal, você é o irmão mais novo da Yomiko. De qualquer forma, vou deixar o resto com você.
Ela então desapareceu da tela do meu telefone.
— Ela desligou...
Disse Ioka enquanto me olhava preocupada.
Não… tá mais pra abandonou.
— Não acredito que ela tenha me desligado assim! Maldita! Demônio!
Eu a xinguei, mas a tela continuou preta. Ela não está respondendo.
— O que vamos fazer agora?
— Bem...
Olhamos um para o outro. Com toda honestidade, ficamos desapontados e fomos traídos. Nós dois pensamos que Sai-san deveria ser capaz de lidar com as coisas, desde que fôssemos lá.
— Sai-san deve voltar logo.
— Quanto tempo é logo?
— Uma... semana? Talvez um mês?
— Isso não é cedo o suficiente!
Ioka gritou de repente e até eu me estremeci de choque. Ela se aproximou de mim, com o rosto sem sangue e sua pele branca parecia ainda mais pálida.
— Por que isso?
— Simplesmente… Eu preciso me livrar dessas chamas o mais rápido possível.
Ela não revelou seus motivos, mas sua expressão encurralada me mostrou sinceridade suficiente. Um amador como eu não poderia se envolver em uma situação complicada como essa. Dito isso, eu não poderia exatamente abandonar o barco e deixá-lo afundar.
O que seria mais responsável, afinal?
— Ok, eu entendo. Se a Sai-san foi embora assim, esse demônio deve ser algo com que até eu posso lidar. Eu só tenho que realizar seu desejo, então... sim, eu consigo lidar com isso.
Eu fiz de difícil para esconder meus verdadeiros sentimentos, para tranquilizá-la, e sua expressão rígida se suavizou quando ela finalmente me mostrou um sorriso.
— Tudo bem. Estou contando com você.
Ela me abençoou com uma expressão genuína que eu nunca tinha visto antes, enquanto eu sentia minha temperatura corporal subir.
— Vamos fazer uma reunião de estratégia primeiro.
— Uma reunião de estratégia?
— Há muitas coisas que devemos discutir, certo? Coisas que seriam difíceis de falar na escola... talvez no sábado... ou domingo. Qualquer dia que você possa arranjar tempo. Talvez durante o jantar — eu disse, só para perceber algo no meio da frase.
Isso é quase como...
— Você está me convidando para um encontro?
— Não, não estou.
— Ótimo. Se estivesse, eu o teria jogado no chão novamente.
— Se você tiver alguma reclamação, por favor, mantenha-a em uma forma não fisiológica de fazer com que sua voz seja ouvida.
— Não se preocupe, a destruição de humanos se enquadra no campo biológico.
— Eu tenho liberdade física, certo?
— Você é um cidadão?
— É mais uma questão de moral do que qualquer outra coisa.
— Oh, meu Deus, não me lembro de ter aprendido isso.
— Então, reinicie desde o ensino fundamental, por favor. De qualquer forma, entendo a necessidade de nos encontrarmos. Entrarei em contato novamente assim que verificar minha agenda. Dispensado.
Para onde exatamente fugiu sua honestidade anterior?
Ela me deu outra ordem arrogante, virou as costas para mim e foi embora. Embora estivesse apenas andando pelo corredor, a figura de suas costas se assemelhava à de uma régua. Sério, em que tipo de Pa*k Jurássico eu me envolvi? De qualquer forma, eu provavelmente deveria cumprir meu dever como exorcista. Isso é o mais importante no momento.
*
— Eu estava esperando.
Ela estava no local em que combinamos de nos encontrar, com uma mão na cintura e a outra apontando para mim com o dedo indicador. Nossa cidade de Sakamaki era geralmente conhecida como uma cidade portuária perto de rios e do oceano. O rio Sakamaki, que até aparece no hino da nossa escola, estava localizado a noroeste da cidade, com um shopping center gigante e uma estação de trem incorporada perto dele. Decidimos nos encontrar em frente ao monumento do shopping. Esse monumento de pedra celebrava um cantor, então uma foto dele e a letra da música estavam gravadas nele. Fiquei imaginando se Ioka um dia também teria um monumento como esse.
— Você diz isso, mas...
— Eu sou modelo. As modelos são ocupadas. Você está ciente disso, certo?
— Não, não sei. Além disso, ainda faltam 30 minutos para nos encontrarmos.
— Esse não é o problema. Pense nisso. O que você acha que eu poderia ter feito durante todo o tempo em que fiquei esperando aqui?
— Não sei? Fazendo logins diários para seu jogo de celular?
— Você está tão entediado assim?
— O suficiente para que eu esteja disposto a ajudar com seu exorcismo, sim.
Sua enxurrada incessante de reclamações me fez começar a ignorar isto. Surpreendentemente, apesar de sua atitude, ela estava perfeitamente preparada. Como se tudo acontecesse tão naturalmente quanto ela respirava.
Ela usava o que parecia ser uma peça única que revelava seus ombros. A parte do decote tinha rendas em volta. As mangas eram cortadas na diagonal, criando uma aparência original, mas também enfatizando suas proporções. Dando uma boa olhada, percebi que havia flocos de neve brancos impressos nela. Nas pernas, ela usava tênis vermelhos. Apesar de não ser nada excepcionalmente sofisticado, o contraste entre o vermelho e o branco o tornava ainda mais elegante. Além disso, ela usava brincos redondos que balançavam a cada passo seu, não saindo da minha vista mesmo quando eu desviava o olhar.
Juntamente com todas essas impressões diversas, a atriz principal de tudo isso ainda era Ioka. É quase como se ela tivesse sugado a beleza criada pelas roupas para torná-la sua.
— Tanto faz, vamos.
— Não foi você quem começou isso?
Eu resmunguei, mas, naturalmente, eu não expressei minhas impressões em alta voz, nem ela seria capaz de adivinhá-las, pois ela simplesmente começou a andar. Sua passada era feroz e confiante, e eu não teria ficado chocado se ela se curvasse no chão a cada passo. Eu me senti como se fosse um pesquisador da vida selvagem, enquanto seguia um passo atrás dela.
— Então, para onde estamos indo?
— Há uma cafeteria que eu vou às vezes. Deve ser perfeito para termos uma conversa particular.
Uma cafeteria que ela frequenta regularmente… parecia tão desconhecido e fresco, o que me deixou com sentimentos complicados. Acho que ela simplesmente vive em um mundo diferente do meu, mesmo que frequentando a mesma escola e morando na mesma cidade.
— Então, você fez algum progresso?
Dito isso, estava claro como o dia que ela estava se sentindo inquieta, como um balão balançando para a esquerda e para a direita em um tempo tempestuoso.
— Eu me certifiquei de ler sobre o assunto, mas…
Continuei acompanhando seus passos enquanto segurava meu smartphone com firmeza. Agora que fui nomeado exorcista, eu precisava ter pelo menos um conhecimento básico sobre demônios e, para isso, tenho essa ferramenta conveniente. Apenas pesquisando, descobri todos os tipos de informações sobre os demônios. A maioria dos registros se assemelhava bastante, contando aos possuídos sobre verdades ocultas, derrotando seus inimigos ou se transformando na aparência da pessoa amada para satisfazer seus desejos. A maioria deles era desenhada como feras ferozes ou monstros míticos, o que me fez perceber que Ioka estava possuído por algo tão assustador.
Isso me dá arrepios.
No entanto, nenhuma das informações que encontrei foi uma dica útil. Não consegui obter ajuda ou truques relacionados ao exorcismo de fato. Quero dizer, encontrei algo sobre exorcizar um espírito maligno, mas eram apenas coisas como ler a Bíblia para eles, orar segurando uma cruz e todas essas coisas religiosas. Preciso encontrar uma conexão conceitual. Se eu seguisse os métodos que Sai-san me disse...
— Acho que gostaria de saber mais sobre você, Ioka.
— Você perdeu algum parafuso?
— Por favor, não faça isso. Não estou perguntando isso porque estou curioso.
— Então qual o motivo? Você não pode ao menos demonstrar um pouco de interesse pelo caso?
— Você pode cooperar, por favor? — murmurei, ao ponto que a ponta do nariz de Ioka se ergueu.
— Bem, eu concordo que é algo que temos que fazer. Já tem algo em mente?
Ela parecia disposta a cooperar, o que era muito reconfortante. Às vezes, eu me perguntava se ela realmente queria resolver as coisas ou não.
— Hmmm, deixe-me pensar… — pensei sobre isso enquanto caminhava — Desde quando esse fogo começou a aparecer?
— Na época em que fiz minha sessão de fotos da temporada primavera-verão. Acho que aconteceu quando tive uma discussão com meu estilista sobre uma roupa. De repente, meu corpo começou a queimar, minha mente ficou confusa e, então, as chamas. Naquela época, elas ainda eram relativamente pequenas, saltando para a caixa de luz da sala, o que causou um grande pânico. Consegui disfarçar dizendo que uma das luzes pegou fogo de repente...
Tentei imaginar essa cena em minha mente. A menos que você tenha visto com seus próprios olhos, seria incrivelmente difícil de acreditar. Acho que eu não teria acreditado se não soubesse.
— Então, há algo em sua mente ultimamente?
— Nada além do demônio. Afinal de contas, sou perfeita.
— Não acredito nisso. Tem de haver alguma coisa. Como brigar com um amigo ou com seus pais...
— Eu não tenho amigos.
Isso foi uma surpresa. Imaginei que, se você se tornasse uma modelo com o nível de fama dela, estaria desfrutando muito dos relacionamentos com outras pessoas.
— Por favor, não me olhe com essa cara de surpresa.
— Eu não estava fazendo esse tipo de cara.
— Então que tipo de cara você está fazendo agora?
— Desculpe. Acho que fiquei um pouco surpreso.
Ela era como uma esperta que podia ler meus pensamentos… ou, acho que apenas deixei tudo muito óbvio.
— Talvez seu desejo seja fazer amigos?
— Mas eu mesmo escolhi esse caminho. Sinceramente, não tenho tempo para fazer amizade com as pessoas. Se eu tivesse algum tempo livre, eu estudaria sobre trajes. Mesmo agora, eu preferiria...
Percebi que a expressão dela estava ficando mais rígida e, para ser sincero, eu não a estava questionando ou investigando seus sentimentos porque me divertia com isso. Dito isso, dizer que ela estava ocupada não parecia ser uma desculpa ou um meio de me fazer sentir mal. No entanto, o fato de chamá-la de “amiga de brincadeira” certamente deu uma conotação negativa. Não só isso, mas parecia que ela até adivinhava o que eu estava pensando.
— Não sou só eu. Todos estão espalhando fogos de artifício por onde passam. É um mundo cruel.
— Fogos de artifício...
Até mesmo essa escolha de palavras me fez pensar nas chamas. Talvez uma rivalidade com outra modelo possa ser a razão para o trabalho do demônio?
— Hmm… com licença.
Enquanto eu estava perdido em meus pensamentos, uma voz nos chamou, ou melhor, chamou Ioka, mas demorei um pouco para perceber isso.
— Sim, em que posso ajudar?
No entanto, Ioka não parecia nem um pouco perturbada, pois respondeu imediatamente. A pessoa que a chamou era uma mulher e, embora pequena, suas roupas faziam parecer que ela era adulta. Acho que ela deve ter mais ou menos a mesma idade de Sai-san. Nem percebi que Ioka já havia parado bem à minha frente e voltar para ela seria ainda mais estranho, então fiquei apenas observando a situação de longe.
— Você é... Ioka-chan, certo?
— Sim, ela mesmo — ela sorriu gentilmente.
Era uma expressão muito mais acolhedora e calorosa do que qualquer outra que eu já havia visto nela antes.
— Não posso acreditar! Eu sempre assisto aos seus vídeos e… caramba, você é muito mais adorável pessoalmente e sua roupa é muito estilosa...
— Obrigada. A sua blusa também está maravilhosa.
— Eu a comprei na NarraTale desta primavera, aquela que você usou naquela revista...
— Você ficou ótima com ela.
— O-Oh, por favor. Mas, posso pedir uma foto com você?
— Claro que sim.
Ioka concordou e rapidamente se aproximou da mulher e fez uma pose. A mulher pegou seu smartphone e rapidamente tirou a foto. Não sei qual foi a expressão que ela fez, mas provavelmente conseguiu um sorriso perfeito.
— Muito obrigada! Você acha que eu poderia mostrar isso aos meus amigos? Talvez fazer postar nas mídias sociais?
— Não sei se isso lhe dá muito direito de se gabar, mas eu ficaria feliz se você fizesse.
— Obrigada! Vou guardar com carinho — A mulher sorriu para o smartphone enquanto se afastava.
Esperei que ela desaparecesse no meio da multidão antes de voltar para Ioka.
— Sinto muito que você tenha que manter distância daquele jeito, mas obrigada.
— Não, eu não queria ser incomodado por isso. Embora, acho que só agora percebi o quanto você é famosa.
Quando Ioka ficou ao meu lado, começamos a caminhar novamente.
— Não é o caso, de forma alguma. Na verdade, eventos como esse são uma raridade.
Disse ela, deixando escapar uma leve fungadela ao ouvir minhas palavras e mostrando um sorriso autodepreciativo. Não gostei de vê-la em tal estado, então tentei animá-la.
— Mesmo assim, você lidou com ela perfeitamente, não?
— Claro que sim. Pode ser uma raridade, mas eu nunca sei quem vai me chamar ou quem está me observando.
— Você tem muitos fãs adultos, aposto.
— Sim, ouço muito isso. Tenho certeza de que é uma coisa boa... mas eu não me importaria de ter um pouco mais de apoio de pessoas da minha idade. — disse ela, soando como se fosse sua própria produtora ou algo assim.
Mas, de certa forma, eu entendo. Ioka é sempre tão calma e controlada que parece bastante madura para sua idade. Ainda mais em fotos ou vídeos. E acho que é isso que faz com que ela pareça difícil de abordar.
— Não entenda mal.
— Sobre o quê?
— Talvez eu não tenha amigos, mas isso não significa que sempre me sinto sozinha. Tenho muitas pessoas que me apoiam e há todas as pessoas que conheço por causa do meu trabalho... Bem, isso também tem suas desvantagens.
— Desvantagens?
— Como stalkers.
Fiquei atônito.
— Você deveria ter me falado sobre isso antes! Eu não acabei de perguntar sobre suas preocupações?!
— Não é necessariamente algo com que eu me preocupe.
— Não acredito nisso.
— Houve uma ocasião em que encontrei uma pessoa assim. Não sei de onde eles ouviram isso, mas estavam me esperando no meu destino. Alto, usando um capuz preto sobre a cabeça. Eles até usavam uma máscara preta, escondendo completamente o rosto. Só que isso foi o mais longe que lidei.
— Mas eles não se destacariam mais se estivessem vestidos de forma tão cômica e suspeita?
— Eu penso a mesma coisa, mas aconteceu...
Eu só conseguia imaginar algum tipo de mago negro que aparecia em um romance. Quanto mais eu penso nisso, mais parece estar ligado ao demônio.
— Isso parece... bastante aterrorizante.
— Não, não é bem assim. Isso só mostra que eu me tornei uma mulher tão boa que posso tocar o coração das pessoas.
— Por favor, compartilhe uma fatia de sua positividade, está bem?
No caso dela, parecia que ela estava constantemente fazendo cócegas nos desejos de um homem mais do que qualquer outra coisa, mas decidi ficar calado sobre isso.
— Sem falar que... eu também sou muito forte.
Disse ela como se não fosse da conta de ninguém, mas senti vontade de puxá-la de volta para baixo.
— Entendo que você não tenha medo, mas definitivamente não deveria enfrentar um homem de frente, especialmente se ele for mais alto que você. Você deve fugir imediatamente.
Ioka não me respondeu, ao invés disso, ela fez uma parada abrupta e deu uma boa olhada em meu rosto. Seus brincos balançavam para a esquerda e para a direita, bem na minha frente. Seu olhar penetrante me atravessou.
— Você está preocupado comigo?
— Claro que sim. Os demônios são assustadores, mas os humanos também podem ser aterrorizantes.
— Hmmm...
Ela não desviou o olhar, enquanto olhava para mim perplexa. Essa atmosfera incômoda continuou por um tempo até que ela finalmente ofegou como se tivesse percebido algo.
— Waaah! É um stalker!
— Onde?!
— Ali!
Olhei na direção para onde ela apontou. Muitas pessoas estavam me enchendo a vista, mas não vi ninguém suspeito. Mesmo assim, passei na frente dela e dei um passo à frente da garota assustada. Suas mãos delicadas agarraram meu braço, enquanto ela se escondia atrás de mim.
Não vi nenhum suspeito, então, onde eles estão? E se eles vierem atacá-la agora? Eu conseguiria vencer? De jeito nenhum. Temos que sair daqui.
Peguei a mão de Ioka. Sua temperatura ainda estava boa e não vi nenhum lagarto por perto. Pelo menos as chamas não devem nos incomodar agora.
— Vamos!
Puxei sua mão e comecei a correr, ou melhor, tentei correr, mas ela não se moveu nem um centímetro. Eu me virei, só para encontrá-la sorrindo para mim.
— Não me diga que-
— Sim, eu estava mentindo.
— Você só pode estar brincando comigo...
Pude sentir toda a tensão sair do meu corpo e soltei sua mão.
— Não sou uma atriz ruim, sou?
— Você realmente espera que eu o elogie depois de tudo isso?!
— Mas é verdade que os stalkers são bastante problemáticos.
— Você não acabou de falar com toda a presunção sobre como você não se importa com eles?
— E há mais uma coisa que eu descobri que é verdade.
— Que é?
— Posso dizer que você está realmente preocupado comigo, Aruha-kun.
Isso não é algo que você deva verificar contando uma mentira. Eu queria ficar com raiva dela por isso... Mas quando vi aquele sorriso provocador dela, todas as palavras ficaram presas em minha garganta. Ela acenou com a cabeça em sinal de satisfação e depois bateu palmas uma vez.
— Ok, já decidi. Mudança de planos — disse ela, caminhando na direção de onde acabamos de vir.
— Hã? E-Ei, para onde estamos indo agora?
Quando ela se virou para me responder, seu cabelo balançava ao vento.
— Vou lhe contar mais sobre mim.
*
Ioka me levou a uma loja de roupas dentro do prédio da estação de trem. Com o tamanho do shopping center, você não andaria muito até encontrar uma loja de roupas. Uma delas parecia ser o nosso destino, porque Ioka entrou sem muita hesitação.
— Bem vi-Olha só… É a Ioka-chan!
— Já faz algum tempo, Kaname-chan.
Ao contrário da funcionária que falava em um tom amigável, Ioka manteve sua polidez. A funcionária falava em um tom um pouco apático e sua franja era longa o suficiente para esconder um de seus olhos, enquanto ela mantinha o cabelo para trás mais curto. A roupa que ela usava devia ser dessa mesma loja de roupas, pois era muito impressionante e estava na moda, mas isso é o que se espera de uma funcionária que trabalha em uma loja de roupas. Em sua placa de identificação pendurada no peito, eu podia ler o nome Kaneko Kaname. Ainda assim, seja com o fã de antes ou agora com a funcionária, Ioka sempre mantém uma expressão perfeita por fora.
— Parece que já faz muito tempo! O que o traz aqui?
— Na verdade, vim com um amigo hoje. Seu nome é Arihara Aruha-kun.
— Olá.
Por enquanto, decidi cumprimentá-la casualmente. Sinceramente, não estou acostumado a situações como essa. Parecia desagradável.
— Amigo?! — a funcionária gritou em choque.
— Não precisa ficar tão chocada com isso!
— Ah, desculpe. É que é a primeira vez, sabe?
Ver a resposta desesperada de Ioka quase me fez cair na gargalhada. Não importa o quão boa seja sua fachada, ainda há algumas coisas que ela não pode simplesmente ignorar.
Ou talvez seja porque essas duas são muito próximas.
— Então, o que seu amigo quer aqui em nossa loja, onde só vendemos produtos para as mulheres?
— Você ainda tem o lookbook?
— Ah, estou entendendo como é... A coleção primavera-verão, certo? Só me dê um minuto!
Kaname-san sorriu e se afastou por um momento, voltando apenas com um livro grosso.
Na capa, eu podia ver uma garota sorrindo, vestindo uma peça única branca. Seus lábios vermelho-carmesim deixaram uma impressão especial.
— O que é isso? Um catálogo?
— Mais ou menos. Bem, dê uma olhada.
Fiz o que Ioka me disse para fazer e folheei as páginas. Lá, fui recebido com a mesma garota da capa, em uma pose diferente. O cenário ao redor dela era verde, o que me dizia que ela devia estar em uma floresta.
Mas onde poderia ser isso?
Parecia que o verde e as folhas ao redor pareciam ter sido criados artificialmente. No centro de tudo isso havia um longo banco e a garota estava em cima dele. Como se fosse uma conquistadora, ela não demonstrou hesitação. Com uma mão, ela agarrou a bainha de sua saia como uma nobre e a outra mão segurava uma capa de smartphone tão vermelha quanto uma maçã. E então, eu percebi. Essa peça única branca, o tecido e a cor, e as marcas de neve...
— Ioka?!
Como eu não havia percebido até agora? A roupa da foto era exatamente a mesma que ela estava usando agora. A que estava na capa e na primeira página do catálogo sempre foi a Itou Ioka.
— Sim, sou eu. — ela estufou o peito com confiança quando Kaname-san começou a provocá-la.
— Uau! Ioka-chan parece tão exibida!
— Não, de jeito nenhum! É só porque Aruha-kun disse que quer saber mais sobre isso!
— Oooh… Então vocês dois são assim, hein?
Kaname-san continuou a provocar essa atitude de Ioka.
Eu sabia que eles eram muito próximas.
— Não, nós realmente não somos assim.
— Por que você está negando isso instantaneamente, Aruha-kun? Você não pode pelo menos parecer um pouco feliz enquanto diz algo como “Bem, ela é a flor inatingível, então…” e pelo menos adicionar um pouco de nuance?
Ioka resmungou.
— Mas não seria melhor se não houvesse rumores por aí?
— Isso... pode ser verdade...
— Mas você está tão diferente no catálogo que eu nem percebi — acrescentei, ao que sua expressão de desagrado mudou instantaneamente.
— Certo, certo? Trema de emoção com minha expressividade! O conceito da coleção primavera-verão da NarraTale era Branca de Neve, então criei um nível de nobreza e simplicidade para mostrar paixão, fiz a pose perfeita para enfatizar a silhueta da peça única para fazer seu charme brilhar.
— Narra... E agora?
Incapaz de acompanhar sua explicação, fui forçado a devolver uma pergunta. Em resposta, Kaname-san levantou um dedo.
— Ah.
Olhando para cima, havia algo que se assemelhava a um cartaz por cima da sua cabeça. Escrito com letras alfabéticas estava o seguinte título: CONTO NARRATIVO.
— Narrative Tale, ou NarraTale para abreviar. O conceito é basicamente “Crie a sua própria história” e, embora possa parecer casual à primeira vista, combina motivos de contos de fadas com um estilo lúdico e pormenorizado. Combinando com o seu próprio estilo de vida, faz com que cada pessoa que usa as roupas se sinta como um protagonista. É por isso que a marca é famosa.
Explicou a funcionária em tom de brincadeira. Parecia uma daquelas guias turísticas das zonas turísticas.
— Oh, isso é espetacular.
— Acha que sim?
— Sim, sim, é!
Não pude deixar de admirar a ideia, enquanto a funcionária permanecia indiferente como sempre, mas Ioka respondeu com firmeza.
— As roupas podem parecer normais à primeira vista, mas só as pessoas que as vestem conseguem sentir os detalhes e a beleza escondidos nelas e é por isso que a sua popularidade disparou, e não apenas nas redes sociais, para criar este tipo de visão do mundo, é claro que o designer-chefe Tezuka Teruta é um génio absoluto ou até se pode ir ao ponto de lhe chamar mágico quando está a fazer os padrões das roupas.
Ioka continuou a divagar como uma máquina, o que fez Kaname-san soltar uma gargalhada.
— Aqui está. O mesmo procedimento de sempre, mas obrigado por ser um grande fã. Como empregado da marca, ter a Itou Ioka apoiando desta forma dá-me muitos direitos de se gabar!
Eu não fazia ideia. Acho que qualquer pessoa que viva nesta cidade foi às compras a este edifício pelo menos uma vez. Eu também faço parte desse grupo. E, certamente, devo ter passado por esta loja muitas vezes, no entanto, ser uma loja assim...
Não, encontrar uma loja assim aqui, nunca teria imaginado.
— Gosta deste aqui, não é?
— Sim, muito. — respondeu ela, sorrindo como uma criança alegre.
Na cidade onde vivo, há uma loja que vende as roupas preferidas dela e até tem as suas próprias fotografias. Olhei mais uma vez para o catálogo. Esta era... a obra de arte de Ioka. É claro que o operador de câmera, o estilista, o designer e todas as outras pessoas que eu não conhecia contribuíram para criar isto. Mas no final de tudo, foi Ioka que trabalhou com estas pessoas para falar a todos sobre esta marca e deu vida a esta obra de arte. Até agora, pensava que os modelos eram apenas pessoas com boa aparência ou com um físico fantástico, que eram fotografadas, mas não é assim. Ioka é uma profissional. Este é o seu trabalho.
— E todas elas... querem ser como você.
Eu disse com a intenção de mostrar a minha admiração. No entanto...
— Claro que não.
A expressão dela ficou nublada, no entanto, isso durou apenas um instante, como uma única nuvem cobrindo o sol quando ela começou a brilhar novamente.
— Ou melhor, não se podem ser como eu.
— Hã? Quero dizer, sim, mas…
Não estava à espera daquela resposta, por isso não sabia como reagir. Tinha previsto que ela iria continuar com o seu discurso habitual sobre como toda a humanidade se devia esforçar para se tornar como ela.
— Tu é como... o objetivo deles. A admiração deles, certo?
— Então deixa-me perguntar-te... Porque é que está usando roupas, Aruha-kun?
— Hã? Quero dizer, não posso andar por aí nu.
— Não há nenhuma lei que diga que não se pode andar nu a toda a hora, né?
— Sim. Sim, há e é uma lei muito rigorosa.
— E eu estou dizendo que a razão pela qual você usa é o que realmente importa.
Ela provavelmente viu que eu estava lançando um olhar duvidoso, porque continuou logo a seguir.
— Você é a única pessoa que decide o que quer vestir. Como é o seu eu ideal? Tudo depende disso.
— Meu eu… ideal...
— O que eu faço é dar apenas uma sugestão. Mostrar às pessoas que esta é uma forma de usar essas roupas. Que existe este nível de beleza nelas e é só isso que quero dizer. Há pessoas que sentem uma ligação com isso e outras não, mas a liberdade de fazer essa escolha é toda delas. No entanto, o que é que se faz? Agir como se escolher um modelo como referência fosse apenas o resultado de querer sentir-se em paz com os olhares dos outros...
— Pode não me culpar por algo que eu nunca disse?
— É assim com tudo. Olhamos para todo o tipo de coisas, pensamos nelas, preocupamo-nos com elas e depois escolhemos que é assim que somos ou não tem sentido. Que inútil, na verdade. Você é igual a todos os outros rapazes estúpidos que se confessaram a mim. Mesmo que eles não saibam nada sobre mim…
Ela continuou a divagar, enquanto a ponta da seta se afastava lentamente de mim.
Sinto que pelo menos 80% do que ela disse foi apenas um desabafo, mas, mesmo assim, parece que percebi o que ela queria dizer. Ela acredita que a roupa tem a força de nos fazer mudar. O bem ou o mal da roupa depende se ela aproxima o indivíduo de quem ele quer ser. Por isso, é importante que a roupa seja um elemento de mudança. É por isso que é importante que seja eu quem faça a escolha.
Se há pessoas que não têm um ideal de pessoa como esse, que roupa é que devem usar? Será que todas as pessoas que compram nesta loja têm uma imagem concreta como esta?
Fiquei tão impressionado com tudo isto que olhei em volta e parei quando vi algo. Estava tão absorvido por Ioka durante todo este tempo que nem sequer vi um certo painel num local aberto. Era provavelmente um pouco mais alto do que o original, servindo de imagem principal. Olhando para a imagem, engoli o fôlego.
Ali estava uma verdadeira bruxa. Ela usava um chapéu grande e pontudo que bloqueava grande parte da luz do sol, provavelmente um chapéu de bruxa, no entanto, a camiseta que usava parecia quase translúcida e a cesta em sua bolsa criava uma sensação de brisa. Apesar de todas as cores pretas, não parecia nada opressivo, provavelmente porque, assim como Ioka, a bruxa carregava um smartphone em um estojo vermelho. Mas o que se destacava mais do que as roupas era o modelo em si. As pernas que apareciam por dentro da saia eram incrivelmente longas. Seu corte curto, feito de cabelos loiros bagunçados, combinado com seus olhos loiros, sugeria que ela poderia ser de origem europeia. Seus traços faciais também pareciam abertos e convidativos.
O mais atraente de tudo era sua expressão. Seus olhos fitavam a distância, enquanto ela colocava a língua para fora para criar um sorriso provocante. Eu nunca tinha visto uma modelo fazer esse tipo de expressão. Parecia que ela estava brincando e, ao mesmo tempo, criava uma sensação sombria, mas a raiva também fazia parte dela, assim como a tristeza. Eu não conseguia desviar meu olhar daquela expressão. Isso me fez imaginar para onde exatamente ela estava olhando. O encanto que ela emitiu fez meu corpo tremer. Como se eu estivesse lidando com uma súcubo. A dignidade de uma bruxa, você poderia chamar assim.
— Essa pessoa é incrível. A... aura que ela emite, pode-se dizer.
Expliquei o que estava pensando, mas com falta de vocabulário. Imediatamente após terminar minha frase, senti o ar mudar de temperatura.
— Essa é a Rosy.
Ao ver Ioka dizer isso, Kaname-san colocou uma mão na testa, como se eu tivesse feito alguma besteira.
— Rosamond Roland Rokugou, mas todo mundo, inclusive ela, a chama de Rosy.
Levei um segundo para entender que ela estava falando sobre a modelo.
— Vocês são amigas ou se conhecem?
Eu queria perguntar se elas eram amigas, mas mudei minhas palavras no último segundo. A julgar pelo tom de voz dela e pelo clima que pairava no ar, esse não era o caso.
— Fazemos parte da mesma agência... e até temos o mesmo gerente. Então, sim. Eu a conheço. Ela é alta, tem braços e pernas compridos e pode ser bastante... especial. Ela é uma das modelos mais populares do momento, apesar de estar no segundo ano do ensino médio.
— Ela está no ensino médio?! Com essa aparência?!
Em choque, olhei para a foto novamente. Para mim, ela parecia ter pelo menos vinte e poucos anos. A Ioka já era bastante madura, mas ela até superou isso.
— Ela é incrível…
Não consegui me impedir de expressar minha impressão.
— Sim! A Rosy é incrível! Você tem um ótimo gosto.
Tanto Ioka quanto eu nos viramos em uníssono ao ouvir aquela voz. Não precisei adivinhar muito quem estava falando conosco. Ela vestia uma roupa completamente diferente da foto e usava um boné de beisebol, mas invertido na cabeça, junto com uma camiseta regata justa que enfatizava seu peito. Abaixo, seu umbigo estava à mostra e, além da calça, havia pernas nuas, com sandálias pequenas. Suas sobrancelhas grossas contrastavam com seus olhos caídos. Era o oposto do que você esperaria de uma modelo. Mas foi isso também que criou a forte presença que ela emitia. Se ela era uma bruxa naquela foto, agora ela é como um lobo selvagem à caça de sua presa.
Ela veio em nossa direção, olhando para Ioka. Até mesmo sua altura agora era maior do que a minha e parecia ainda mais, já que sua cabeça era bem pequena, mas essa pressão que ela emitia não vinha apenas de sua altura. As pessoas que estavam passando por nós antes pararam e começaram a cochichar entre si. Rosy sempre chamava a atenção. De longe era uma coisa, mas quando você estava tão perto dela quanto eu, a presença que ela emitia era deslumbrante.
Ioka, rainha dos lagartos e Rosy, a chefe dos lobos. Duas existências que se chocam, não se misturam como óleo e água. É claro que só uma coisa poderia acontecer.
— Tenho me perguntado por que não tenho a visto ultimamente, mas era aqui que você estava? O que você tem feito, Ioka?
— O que isso importa para você? Eu tenho minha própria vida.
— Ah, já entendi… Você veio aqui para assistir à sua derrota contra a Rosy, certo?
— Então, por favor, diga quando exatamente eu perdi pra você.
— Dã? O painel da Rosy é maior que o seu.
— E eu tenho mais fotos no lookbook.
— É claro. Isso é o que chamam de produção em massa, certo?
— Quem é produzida em massa?! Isso é força nos números, como sempre digo!
— Dizer o quê? Mas você provavelmente está fazendo exatamente o que lhe mandam! Como uma boneca. Qualquer um pode fazer isso e também sou a melhor!
Dei um passo para trás para me proteger das faíscas. Ainda bem que não os chamei de amigos antes. Eu teria sido arrastado para essa briga e o karma teria sido direcionado para mim.
— Ei, Kaname. Quem você acha que vai ganhar?
— Por que eu me importo? Fico feliz desde que as roupas estejam vendendo.
— Então, você aí... Espere, quem é você?
Rosy olhou em volta, capturando-me em seu olhar como se só agora tivesse percebido que eu estava ali.
— Eu sou Arihara Aruha. Eu, hã...
Tratado como um figurante, só relutantemente lhe disse meu nome. Dito isso, eu não sabia exatamente como me apresentar.
— Ah, ele é seu namorado ou algo assim?
— Não — respondeu Ioka em meu lugar — ah, bem, ele é apenas um amigo... Mas acho que ele tem sentimentos por mim.
— Será que você não pode me usar como uma ferramenta para se gabar?
Reclamei com uma voz calma, mas era tudo o que eu podia fazer. Diante dessa resposta, Rosy soltou uma bufada condescendente.
— Me gabar de que? Bem, a Rosy não precisa de seguidores, então tanto faz.
— Andar pela cidade com seus amigos é uma coisa normal, não? Oh, me desculpe. Você não tem amigos, portanto, não saberia. Mas com sua personalidade desagradável, não me surpreende.
— Desculpe?
— Você é a desagradável. A Rosy está bajulando ninguém e todo mundo sabe.
— Não confunda liberdade com egoísmo. Cada vez que você causa problemas nas mídias sociais, o nome da agência é prejudicado.
— Qual é a importância disso? Eu só digo o que quero. Já você não se sente patética tentando agradar a todos? Isso deve deixá-la estressada. Você vai acabar explodindo. Puf e vai embora.
— Quem é que vai explodir?!
— Ei, Sr. Namorado, quem você acha que vai ganhar?
— O que?
Rosy de repente desviou o olhar de Ioka e olhou diretamente para mim.
— Entre Ioka e Rosy, quem vai ficar por cima?
Eu estava assistindo a essa discussão acalorada de uma distância segura, mas de repente fui arrastado para dentro dela.
— Hmm...
Eu realmente odeio esse tipo de pergunta. Você não poderia compará-la - essa resposta teria sido a mais óbvia. Mas, quando ela me perguntou, não pude deixar de me impedir de compará-los. E quem eu achava que era mais incrível. Dito isso, mantive meus próprios pensamentos em segredo, olhando para Rosy sem dizer uma palavra.
— Hmm.
Ela não hesitou em me encarar diretamente nos olhos. Suas íris brilhavam com um brilho feroz.
— Bem, tanto faz. A Rosy vai dar a primeira olhada de qualquer maneira. Você não vai ter isso, Ioka.
— Por mim, tudo bem. Serei eu quem o levará para casa.
— Hã? Uma boneca chata como você nunca poderia ganhar de mim.
— Eu não sou... uma boneca!
De repente, Ioka parecia estar vacilando, e eu percebi. Sua respiração estava ficando instável. Parecia que ela havia perdido a calma. Será que foi só por causa dessa discussão feroz? Seria muito melhor assim. Quero dizer, pelo menos em comparação com a outra possibilidade. Olhei em volta, mas não vi nenhuma sombra em sua forma. Dito isso, eu não podia ficar tranquilo ainda. Os ombros de Ioka estavam começando a tremer. Isso não poderia ser pior. Como Rosy e Ioka estavam discutindo, eles naturalmente atraíram mais atenção. Muitos deles até pararam em seus caminhos. É compreensível, se você visse a garota na capa do lookbook e a que estava no painel enorme olhando uma para a outra.
— Está ficando mais quente aqui? — Kaname-san disse.
Sim, ela está certa. Parece que está esquentando aqui dentro. Olhei em volta e vi um grande número de pessoas, além de roupas. Se essas culpas fossem estourar aqui, estaríamos lidando com uma calamidade. Eu estava prestes a chamar Ioka, virando-me para ela, quando a vi. Em seu ombro estava um lagarto preto. Quase como se estivesse esperando para ser visto por mim. Isso é ruim. Temos que sair daqui. Em pânico, peguei a mão de Ioka.
— O que é isso?! — Ela se virou com raiva.
Mesmo assim, não soltei sua mão. Eu já podia sentir o calor penetrante de sua pele. Coloquei mais força no aperto de sua mão. Ela me olhou nos olhos, e eu apertei minha mão. Em resposta a isso, seus olhos se arregalaram.
— Kaname-san.
— Hm? Eu?
— Seria melhor se continuássemos isso em outro lugar, certo?
— Acho que sim, sim. Dar atenção à loja é bom e tudo mais, mas não quero assustar os clientes.
Ela não parecia muito preocupada, mas eu só precisava da concordância dela... eu precisava de uma desculpa para sair daqui.
— É o que ela diz. Vamos, Ioka.
Ela tentou dizer algo, mas rapidamente fechou a boca para cerrar os dentes e assentir em silêncio. Rosy nos viu assim e naturalmente usou isso para nos provocar.
— Waaah! Você está fugindo enquanto está de mãos dadas com o Sr. Namorado? Isso é muito idiota! Você realmente não consegue fazer nada sozinha!
Não respondi à sua risada e apenas puxei Ioka atrás de mim enquanto fugíamos. Usamos as escadas eletrônicas para descer e sair da loja. Descendo as escadas largas para a rua subterrânea, encontramos um banco, onde fiz Ioka se sentar por enquanto.
— Ugh...
Seu corpo se inclinou para frente enquanto ela gemia. Ela parecia estar se esforçando ao máximo para controlar alguma coisa.
— Abra sua boca! Eu tenho chocolate!
Entreguei a ela um pedaço de chocolate que carregava comigo. Ela aceitou o chocolate com a mão trêmula e o levou à boca, engolindo-o. Coloquei uma mão em suas costas, observando sua reação.
— Isso é ruim. O calor não está diminuindo.
Ele não mostrava sinais de estar se acalmando. Sai-san estava certo, está progredindo. Tenho medo de que o fogo comece a se alastrar a qualquer momento. Olhei ao meu redor e vi muitas pessoas andando ao nosso redor. É verdade que ninguém parecia estar prestando atenção em nós, mas se as chamas começarem, eles verão. Tenho de evitar isso a todo custo. Não há nada? Algo que eu possa fazer? Algo para que ela se acalme?
— Espere só um segundo!
Eu a deixei lá e comecei a correr.
*
— H-Hã? Para onde ela foi?!
Quando voltei ao local onde a havia deixado, ela havia desaparecido.
— Por que?! — dei uma breve olhada ao redor e finalmente a vi.
Ela estava cambaleando para a esquerda e para a direita, tentando ir a algum lugar.
— O que deu em você?! Eu lhe disse para esperar por mim, certo?
— Eu... não achei que deveria ficar lá...
— Você não está errada, mas vamos voltar, ok?
Eu a empurrei de volta para o banco onde a deixei. Depois de se sentar, ela se curvou um pouco, com os ombros se movendo para cima e para baixo como se estivesse com dor.
— Aqui! Coma isso!
Eu me ajoelhei e lhe ofereci o objeto azul-esverdeado que eu tinha acabado de comprar. No invólucro rosa estavam os números alfabéticos BR, combinados com um 31 repetido como logotipo. As pastilhas de menta não funcionaram, e o chocolate também não foi suficiente. Se for o caso, vou optar por ambos - algo frio e doce que possa ser consumido imediatamente. Em outras palavras... sorvete de chocolate com menta!
— Por que...
— Apenas coma!
Ela ficou olhando para o sorvete que eu empurrei para ela. Por fim, ela o pegou de mim e começou a comer. Sua temperatura corporal ainda estava quente. Quando o gelo começou a derreter em sua mão, ela o engoliu. Como comprei duas porções, entreguei-lhe a outra, que ela também devorou.

— Deite-se.
— Ugh...
Eu a apoiei enquanto ela se deitava no banco e peguei sua mão pegajosa. Dali em diante, continuei cuidando dela. Ligando o cronômetro do meu relógio de pulso, observei seu peito subindo e descendo de dor. 1, 2, 3, 4. Sua respiração começou a se tornar mais rítmica, quanto mais o tempo passava. Ao mesmo tempo, pude sentir sua mão começando a esfriar. Quando o cronômetro indicou que 10 minutos haviam se passado, Ioka levantou lentamente o corpo novamente.
— Graças a Deus...
No entanto, ela não respondeu ao meu suspiro de alívio e, em vez disso, abraçou os joelhos enquanto se sentava no banco.
— Urk...
Ao ouvir aquele gemido, entrei em pânico, pensando que talvez o poder do demônio tivesse aumentado, no entanto, o que se seguiu foi o som de seu nariz fungando e um leve gemido. Eu não entendia por que ela estava chorando. Consegui pensar em alguns motivos para ela começar a chorar, mas me esforcei para encontrar as palavras certas para animá-la. Por isso, até que ela se acalmasse, decidi ficar sentado ao lado dela, sem dizer uma palavra.
*
— Sinto muito que você tenha visto um lado tão patético de mim.
Ioka disse com uma voz rouca e os olhos vermelhos.
Ela limpou a mão e o rosto pegajoso com um lenço umedecido que tinha consigo. Depois de se acalmar um pouco, ela disse que iria ao banheiro por um momento. Só entendi depois que ela voltou em perfeito estado que ela usou esse tempo para arrumar a maquiagem, o cabelo e os sentimentos pessoais. Conseguimos evitar o pior cenário possível, mas, embora não possamos exatamente voltar para NarraTale, também não posso deixá-la ir para casa sozinha. Então, depois de andarmos por aí em busca de um lugar vazio, encontramos uma sala de observação em um prédio próximo.
Passamos alguns momentos constrangedores no elevador até chegarmos ao 25º andar, coberto de vidro por todos os lados para que pudéssemos ver a cidade de Sakamaki. Entre as casas retangulares e acinzentadas, às vezes se viam outdoors coloridos. Os parques e as árvores ao longo das ruas eram de um verde intenso e, embora devesse haver muita natureza para mostrar, parecia estranho. Ao longe, avistei o píer, que se conectava ao oceano.
Que vista mais simples.
Afinal, o que exatamente a pessoa que construiu essa observação viu? Quero dizer, podemos estar morando nesta cidade, mas não para alegrar o dia de outras pessoas. Eu adoraria que a vista fosse algo digno de elogios, mas duvido que isso aconteça. Dito isso, não importa a aparência, há pessoas morando aqui, como a garota ao meu lado.
— Ainda bem que tudo deu certo.
Senti vontade de dizer algo para a Ioka, já que ela estava calada o tempo todo, então falei o que me veio à cabeça.
— Mas... eu deveria ter me preparado mais, eu acho.
Eu sabia que as chamas poderiam aparecer, mas eu nem sequer entendia o que elas significavam. Se eu não tivesse encontrado aquele sorvete no caminho... ou se ele não tivesse funcionado, como a situação teria terminado? Isso me deu calafrios. Olhei para ela. Ela estava com a cabeça baixa e os lábios bem fechados.
— Ei, Ioka. Olhe para lá, é a escola — apontei em uma direção.
Ela levantou o olhar, dando uma olhada na direção. Confirmando isso, continuei.
— Será que eu poderia ter visto você daqui? Naquela noite na escola, quero dizer.
Mesmo agora, ela não disse uma palavra. Pensei nisso por um momento e depois perguntei a ela.
— O que você estava fazendo naquele dia?
Ioka olhou para mim, baixou o olhar mais uma vez e depois respondeu.
— Eu estava praticando minha caminhada.
— Caminhada?
— Sim. Para garantir que eu andaria corretamente na passarela. Não tenho muito espaço em casa e não consigo me concentrar se as pessoas estiverem olhando. Sem falar que...
— Se as chamas começassem a aparecer, você não causaria nenhum dano, certo?
Ela assentiu lentamente com a cabeça. Lembrei-me da visão daquela época. O telhado era espaçoso, mas não havia nada ao seu redor. O piso também era feito de concreto. Era perfeito para que ela não precisasse se preocupar com a propagação do fogo.
— Mas você realmente precisa se proteger tanto assim? Não teria sido muito mais perigoso se você tivesse sido pega?
Ioka desviou o olhar e soltou um suspiro fraco, depois se aproximou de mim.
— Eu gostaria de... assistir a um desfile de moda.
— Hum... Você quer dizer aquele em que eles usam aquelas roupas caras e andam pelo palco?
No entanto, ela não me respondeu e, em vez disso, continuou.
— A vida útil de uma modelo é incrivelmente curta. Nós já temos 17 anos, certo?
— Já?
— É uma idade em que você veria modelos de primeira linha andando na passarela, sim. É claro que fotos e tudo o mais também são importantes, mas é preciso aparecer em um desfile pelo menos uma vez na carreira. E, no entanto, eu não consegui… — ela rangeu os dentes em sinal de total frustração — cheguei tarde demais. Tenho que recuperar o tempo perdido enquanto posso.
— É algo de que você pode participar se realmente quiser?
Ela olhou para o meu rosto e continuou, parecendo ter se acalmado um pouco.
— Durante a próxima temporada de outono-inverno, a NarraTale estará participando pela primeira vez do desfile de moda da Total Girls Collection. Talvez eu consiga ganhar meu lugar lá. Não só isso, mas eles serão os primeiros na passarela. É o chamado “First Look”.
— Ah, a marca de antes. Então, isso é... muito incrível, certo?
— Até agora, foram apenas os documentos. De agora em diante, tenho que passar pela seleção deles... e se a agência não me pressionasse tanto, acho que isso também teria sido impossível.
Ao ouvir isso, percebi.
— E é por isso que você estava praticando, não é?
— Eu tenho que conseguir o First Look desta vez, não importa o que aconteça.
Algo parecia estranho no modo como ela expressava as coisas. É claro que essa era uma grande chance para ela, mas havia algo mais que a pressionava.
— Por quê?
— A designer-chefe da NarraTale, Tezuka Teruta-san, é uma gênia. Isso ultrapassa o senso comum, na verdade. Normalmente, você escolhe as modelos que mais se encaixam na coleção, mas, desta vez, a modelo que receber o First Look será a imagem da coleção outono-inverno.
— Então, isso significa...
— Se eu fosse escolhida como o First Look, todas as roupas da temporada outono-inverno seriam feitas de acordo com minha imagem.
Lembrei-me do catálogo e de todas as roupas mostradas nele.
— Ah, sim, você precisa ganhar isso.
Quando a palavra “First Look” apareceu, lembrei-me de algo e ela deve ter adivinhado o que eu estava pensando, pois passou na minha frente.
— Rosy também participará da mesma audição. Se eu chegar à rodada final...
— Você vai enfrentar a Rosy, não é?
— Sim. É por isso que tenho que vencer, não importa o que aconteça.
Ela disse com uma voz abafada e fiquei imaginando o que havia acontecido, então olhei para ela e a vi cobrindo o rosto com as duas mãos.
— O que há de errado?
— E ainda... por quanto tempo vou ter que aguentar isso? — ela não esperou pela minha resposta — Dizem o que ela quer, não me permitem revidar, me obrigam a fugir... Minha cabeça está uma bagunça... Se não fosse por isso, eu não perderia. Estou sempre com medo, não posso ir a lugar algum porque tenho medo de incendiar o lugar. Não consigo nem mesmo praticar minha caminhada. E se eu soltasse essas chamas durante a audição... O que são os demônios? Por que tenho que passar por isso?
Ah, claro... Ela tem um sonho que quer realizar. Algo que ela quer obter. Mas, para mim, era tudo muito deslumbrante.
— Vai ficar tudo bem.
— Você pode tentar não dizer uma bobagem tão irresponsável?
— Não estou tentando ser irresponsável.
— Hã?
— Quero dizer, eu sou seu exorcista, lembra?
Tudo o que posso fazer para ajudá-la é me livrar desse demônio, afinal de contas. Ela estava prestes a abrir a boca para dizer algo, mas nenhuma palavra saiu, então ela a fechou novamente. Ela desviou os olhos e olhou para baixo, enquanto seus lábios se curvavam. Em seguida, dirigiu seu olhar para fora da janela, para o céu azul claro.
— Que tempo ótimo estamos tendo.
Por um momento, ouvi um leve fungar. Entendi por que ela fez tudo aquilo, mas não disse uma palavra. Às vezes, até mesmo um tiranossauro quer olhar para o céu e eu, pessoalmente, senti que a compreendia um pouco mais. Ela nasceu em um mundo que a forçou a permanecer forte e ela deseja continuar com seu ritmo, mas, não importa o quão forte você seja, nem sempre é possível manter a fachada.
— Ainda deve haver alguma coisa. Mesmo que seu desejo esteja relacionado ao show, não há garantia de que as chamas estejam relacionadas a isso... Por isso, preciso saber mais sobre você. Porque assim, talvez eu consiga encontrar uma pista.
— Está bem. Então, vamos nos encontrar no rio Sakamaki amanhã às 5 da manhã.
— Entendi.
Com isso, saímos da sala de observação. Descemos pelo elevador, que desceu tão rápido que achei que estávamos caindo. Quando saímos da entrada, ela me chamou.
— Hum, posso lhe perguntar uma coisa?
— Claro.
— Gostaria que você fosse sincero comigo.
— Sim?
— Entre mim e a Rosy, de quem você gostou mais?
Naquele momento, a foto cativante de Rosy surgiu em minha mente, mesmo que eu não quisesse. Os olhos de Ioka, enquanto ela me olhava, eram como um espelho.
Não, nesse caso, acho que eu sou o espelho. Espelho, espelho, na parede, quem é a mais bela de todas.
— Gostei mais do seu, Ioka.
— É... é mesmo?
Eu não sabia o que ela achava da minha resposta, mas, pelo menos, ela não estava com raiva. Ela não chorou. Também não havia chamas saindo e assim, seguimos nosso caminho para casa. Quando nos separamos, percebi o quanto estava exausto.
Acho que não vou conseguir fazer nada hoje.
Vou tomar um banho, assistir algumas coisas no meu smartphone e depois vou para a cama.
Afinal, temos aula amanhã… Espere, quando foi que ela disse que nos encontraríamos?
Naquele momento, percebi algo horrível.
Isso não é... um pouco demais? Quero dizer, o que vamos fazer no rio... às 5h da manhã em um dia da semana?
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