CAPÍTULO 1 - DESCONHECIDO
- AKEMI FTL
- 18 de ago.
- 15 min de leitura
Luzes solares se infiltraram entre as cortinas do meu quarto, anunciando que mais um longo dia viria. Um dia com uma estação de trem, uma caminhada, 8 horas na escola e questionamentos internos e externos.
Havia, porém, um inferno pior. Um inferno pior que todos. Ele me amedrontava todos os dias.
— Por que eu ainda não cortei esse cabelo?
Todos os dias eu me questionava sobre isso, mas, no fundo, eu sabia a resposta. Aquilo deixou de ser uma genuína dúvida a muito tempo, tornando-se, então, um velho — e enraizado — hábito.
Como sempre, né?
Ignorando este hábito, comecei a me preparar. Lavar o rosto, vestir o uniforme e aplicar um leve pó no rosto. Embora a moda não seja meu ponto forte, não posso negar que possuo alguma vaidade.
Quando havia acabado de fazer qualquer higienização, alguém apareceu à porta do banheiro.
— Bom dia, Bia.
— Bom dia mãe.
— Bia… Isso não é jeito de falar com sua querida mãe. Seja mais carinhosa — disse ela fazendo beicinho.
Paula Nóbrega Hoffman Suzuki ou, simplesmente, a minha mãe brasileira. Sempre enérgica e, às vezes, agindo com uma adolescente.
Todos os brasileiros são assim?
Apesar de ter um pouco da genética brasileira, eu me considero totalmente uma japonesa. Isso, aliado ao fato de que tive pouco contato com brasileiros que não fossem meus parentes maternos, me deixava sempre em dúvida.
Minha mãe é o todo ou apenas uma exceção?
— Perdão por ser tão parecida com o pai.
— Perdoada. Ah, já preparou o seu bentô?
— Eu já estou indo fazer isso — e ao ouvir a resposta de sua pergunta, Paula seguiu seu caminho habitual.
Lidar com o humor alegre de minha mãe me fazia sempre lembrar de que ser meia brasileira e meia japonesa tem seus bons e maus momentos.
Nunca precisei pintar meu cabelo para um tom mais claro, pois ele já nasceu assim. Saber mais de um idioma lhe faz parecer interessante e ser alvo de atenção das pessoas.
Alguns outros benefícios também são notáveis também…
No entanto, ter que provar que seu cabelo é natural, explicar que você não sabe jogar futebol e que, de maneira alguma, você não irá dançar de roupa intima tão casualmente são uma das complicações.
Morra, carnaval brasileiro!
No começo, toda essa atenção era boa, mas aos poucos podia se tornar incômoda. Por sorte, todos já se acostumaram com isso e, logo, já não é mais aquela novidade tão interessante como antes.
Me desfazendo do pensamento interno, voltei a realidade e logo me dirigi à cozinha.
♢♢♢
— Então eu prometi a mim mesmo que nunca mais posto foto de comida.
— Airi, você precisa pensar mais em si…
— De jeito nenhum! Não é você que irá ter que ler comentários como “Comendo de novo?” ou “Já são quantas calorias nessa semana? se eu contei bem, 3245” — E assim Airi baixou a cabeça e a deitou em cima da mesa.
— Algo a acrescentar, Bia?
— Leiam Battle Royale.
— Que não envolva livros…
— Você deveria parar de se importar com que os outros pensam.
— Primeiro a Haruka e agora você também, Beatriz?
Airi Yamada e Haruka Saito. Ambas são minhas amigas há quase 2 anos. Airi sendo a mais enérgica de nós, assim como a mais instável. Haruka sendo a nossa “Senpai”, pois sempre parecia estar em um outro nível de maturidade. E eu, Beatriz, sou a…
— Zumbi devoradora de livros enormes, como sempre — disse Haruka com um olhar de desgosto.
— Por que esse apelido aumenta a cada vez que você o menciona?
— Esse não é o ponto aqui. Olha, todas nós temos algo que goste, mas você está em outro nível. Concorda comigo, Airi?
— Uhum, uhum.
— Perdão por preocupar a nossa senpai, mas isso aqui é bastante urgente.
— Por que?
— O Ren lançou um capítulo novo.
— Eu sabia…
Haruka suspirou e veio em minha direção. Ignorando toda a situação, eu continuei a minha leitura.
Sim, obrigado por existir, Ren Hayashi.
Ren Hayashi, o meu escritor favorito. Ele lançou apenas uma obra, porém a melhor de todas, e seu nome é “Confidentes de si”.
Um romance entre uma jovem garota e um jovem garoto que se amam intensamente, mas nenhum deles consegue dizer ao outro isso. Para superar essa vergonha, todas as semanas eles escrevem uma carta contendo seus sentimentos pelo outro, porém sempre enviam para si devido a falta de confiança, já que enviar para seu grande amor seria uma tremenda loucura. Eu sei, muitos pensam “Deixa eu adivinhar: Eles ficam enrolando por diversas páginas e depois de você gastar 30 dias de trabalho, você ainda não saberá o final” e todos estão errados.
Tudo isso é muito mais profundo, idio-
— E confiscado.
— Hã?
Quando olhei para minha mão, meu telefone não estava mais em minha mão, mas na mão de Haruka.
— Agora não, deixa eu terminar minha leitura.
— Você tem todo tempo do mundo na biblioteca e ainda assim nos ignora dessa maneira?
— Mas isso é um capítulo recém saindo do forno, então tenho que aproveitar enquanto está quente.
— Pare de comparar um livro à um pão.
— A Haruka está certa. Aliás, o que acham de ir ao Karaokê neste fim de semana?
Faz tempo que eu não vou em um…
— Vou ter que recusar. O Takahashi me convidou para ir ao cinema neste dia.
— Verdade, a Haruka é basicamente nossa senpai — disse Airi com desânimo.
— Pare de falar como se fosse algo impossível e, além do mais, estudamos na mesma turma. Se eu consigo, vocês também conseguem.
— Impossível.
— Sem chance.
— Vocês duas precisam parar de pensar que fiz um milagre.
— E o Takahashi, o cara que adentrou o coração da dura e sensata senpai, não fez um milagre?
Quando disse isso em tom de provocação, ela logo corou.
— Para com isso…
— Pararei se você devolver o meu telefone. Caso contrário, eu ainda sei de cabeça todo o diálogo da confissão.
— Como é que começava mesmo? — Airi indagou.
— “Eu não tenho medo de dizer a todos que eu te amo, pois eu não tenho vergonha de meus sentimentos por você, Saito-san!”.
— Tá, tá, tá… Aqui — disse Haruka enquanto estendia a mão com meu telefone na mão — Takahashi, por que você…
Haruka começou a murmurar baixo e meus olhos brilharam novamente, mas tudo foi em vão.
— Ding Dong Ding Dong.
— Mas já? Ah, eu preciso pegar o livro de matemática!
O sinal que anunciava que a aula começaria em 1 minutos era soado, fazendo com que minha desejada leitura tivesse de ser descontinuada.
Me sentindo desanimada, voltei a minha cadeira e logo me vi de volta na realidade que não gostava. A realidade sem o Ren Hayashi por perto.
♢♢♢
— Obrigado pela aula — todos da sala disseram em uníssono enquanto faziam reverência.
— Estão todos dispensados.
— Haaa… Finalmente minhas pernas vão conhecer liberdade — disse Airi se esticando enquanto ainda estava sentada na cadeira — Bia, você vai pra biblioteca hoje?
— Não queria, mas hoje preciso. Tenho que fechar o relatório mensal dos livros perdidos.
— Bem, então já vou indo. Ah, Haruka, vai para a estação agora?
— Sim, hoje vou para Enoshima.
— Enoshima? Ah, o Takahashi vai receber a premiação hoje!?
— Sim.
— Que demais!
Airi podia ser uma garota bem descontrolada e tagarela, mas ela sempre pensava no próximo. É como se as vezes ela pudesse ser gentil.
Mesmo que às vezes à sua maneira…
Comecei a recolher todos os materiais da mesa e os destinei aos lugares devidos.
— Finalmente um dia em que eu não precise levar tanta coisa para casa.
A escola não possui muitos livros, mas levar alguns livros na mochila poderia ser um pouco complicado. Por sorte, eu sempre tinha autorização para utilizar a vazia biblioteca, então bastava eu utilizar os livros ainda na pendências da escola e evitar levá-los para casa. Porém, nem sempre isso era possível, o que ocasionava em levar mais materiais na costa do que eu gostaria.
Suspirando mais uma vez, comecei a minha caminhada em direção a biblioteca.
O prédio escolar possui 4 andares e a biblioteca fica no último andar, juntamente com a sala dos professores e outras salas variadas.
Mais uma vez nessa caminhada…
Escutar vozes de outras pessoas, cumprimentar alguns funcionários e andar lentamente pelas escadas era uma rotina comum ao final da tarde. Apesar de monotona, foi esta vida que decidi ter desde o ano passado.
Não tenho arrependimentos quanto a isso, pois meus problemas são tão profundos que essa vida é nada se comparado ao real problema.
Chegando à biblioteca, destranquei a porta, arrastei para que pudesse entrar e suspirei mais uma vez.
— Bem… cá estamos nós de novo. Conto com vocês.
Não havia ninguém lá, nunca houve, mas minha fala direcionado a um ser imaginário era uma forma de dar um pouco mais de sentido a aquele lugar vazio.
Seu uso regular é quase inexistente, mas ainda há algumas movimentações devido aos clubes de pesquisa. Apesar de possuírem uma biblioteca própria custeada por eles mesmo, às vezes, o que necessitam está aqui. Se não fosse por eles, esse seria definitivamente o lugar mais vazio do planeta terra.
Talvez mais vazio do que o Ponto Nemo.
Andei em direção a mesa da recepção, vazia, e coloquei minha mochila por lá. Olhei para tudo e lembrei dos meus deveres naquele lugar. De fato, havia muito trabalho a ser feito, porém…
Eu preciso terminar de ler aquele capítulo.
Rapidamente saquei meu telefone, me sentei em uma das cadeiras disponíveis e comecei minha leitura.
Sim, minha preciosa leitura.
O capítulo de hoje era sobre reviravoltas do passado sendo expostas. Um plot-twist. Ren não costumava fazer reviravoltas, porém começou a fazer bom uso deles recentemente, quase como se fosse uma nova pessoa.
É verdade, ele mencionou que viajaria… Talvez foi isso que o mudou.
Não importa o que aconteceu, pois o mais importante estava em minhas mãos. Desde que sua obra deixou de ser vendida de maneira “Oficial”, Ren tem feito publicações pela internet, como aquelas web-noveis.
Faltava apenas um volume. O que custava publicar, Editora bōken!?
Apesar disso, só o fato de ainda ser possível ler esta história e poder saber como ela será concluída já aliviava meu coração. Ler livros para mim era não somente presenciar histórias fictícias ou arranjar um assunto para conversar com alguém. Aquelas histórias já faziam parte de mim. Para mim tudo aquilo era real. Além de que…
Eu ainda devo isso a você.
Os livros eram um atestado de quem eu deveria ser. Algo que continuaria carregando por toda minha vida. Não havia tristeza ou pesar nisso, mas sinto que não comecei da maneira que deveria.
Presa a leitura, sequer percebi que a porta se arrastou. Era muito raro alguém aparecer por lá, mas normalmente quem aparecia, já sabia o que fazer por lá. Mas neste dia…
— Com licença. Você poderia me ajudar? — uma voz masculina interrompeu minha leitura.
Essa era uma das coisas que mais me irritavam, pois sentia que o fluxo poderia acabar. Eu sentia que aquilo era a coisa mais preciosa da leitura, porém, minha curiosidade se acendeu.
Eu já ouvi essa voz?
Eu geralmente não prestava atenção nas outras pessoas, mas, ainda assim, eu sentia que aquela voz era nova. Minha curiosidade me venceu e eu levantei a cabeça.
Era um garoto vestindo um uniforme diferente da minha escola. Ele era um pouco alto e magro, mas ainda assim possuia um semblante agradável.
Espera! Será que tinhamos um cronograma de visitas e esqueci!?
— Por acaso, só há você da sua escola por aqui? Peço perdão, mas eu me esqueci se há visitação agendada.
— Ah, não, não. Na verdade, eu sou um estudante daqui. Estarei começando amanhã, então por isso estou vestindo isso ainda. Peço desculpa pela confusão.
Ele se curvou, mas continuou em sequência.
— Eu conversei com a Takashi-Sensei e ela me disse que a biblioteca é liberada para todos os alunos. Há um tipo de livro que gostaria de pegar emprestado, mas acho que… a biblioteca é maior do que imaginava.
Ele começou a rir timidamente enquanto coçava a cabeça. Apesar de sua informalidade, ele não parecia ser do tipo de pessoa desrespeitosa.
Se bem que estamos no século 21… então é normal ser informal com seu colega de escola. Espera, ele não me chamou de Kouhai ou de Senpai. Isso quer dizer que…
— Entendo… Antes, eu preciso fazer uma ficha sua. Preciso do seu nome, ID estudante e sua série.
— Ah, sim. Daiki Aikyo, se-
— E que você escreva. Há muitos kanjis para Daiki, então seria mais rápido se você o escrevesse.
— Sim, você tem toda razão.
Como se tivesse falado uma coisa extremamente brilhante, seus olhos brilhavam e sua mente parecia ter explodido. Ele começou a escrever e sua letra era…
Espero nunca precisar das anotações dele.
Apesar de sua péssima caligrafia, ele fazia tudo com bastante calma. Seu nome era Daiki Aikyo, do segundo ano. Ele não era nem mais velho ou mais novo, então estávamos em “pé de igualdade”.
Ao finalizar o formulário e me entregá-lo, eu continuei nossa conversa do ponto que mais interessava a ele.
— Bem, de que tipo de livro você está falando?
— Algo que fale sobre gramática ou gênero literário. Honestamente, eu até poderia utilizar os próprios livros didáticos da escola, mas acho que se conseguisse me aprofundar um pouco, seria melhor.
— Certo. São poucos, mas temos algum. Vou te mostrar.
Comecei a caminhar pela biblioteca em livros deste tipo.
Os livros que haviam assim eram poucos, pois a maioria dos livros aqui eram ficções ou algo que pudesse ajudar os clubes escolares.
Não lembro de temos algum clube de gramática ou clube de caligrafia aqui na escola.
Fiquei intrigada nisso, porém, eu nada sabia sobre ele. Seu pedido era incomum, pois o comum era alguma série de livros do ocidente. Cada vez que eu pensava nisso, mais eu ficava curiosa.
Talvez ele não veja com bons olhos a minha curiosidade… Depois eu pergunto a algum professor sobre isso.
Ao chegarmos no corredor desejado, eu parei de frente para a estante que possuía a maior quantidade de livros do qual interessava ele e comecei a explicar.
— Temos alguns materiais antigos da escola por aqui e outros livros de referência mais acima. Acho que altura não será problema, mas se não conseguir, há um banquinho para te ajudar mais ali na frente. Tem outros livros aqui do outro lado, mas confesso que não são os mais indicados. No entanto, creio que a depender da pessoa, toda ajuda é bem-vinda.
— Muito obrigado. Isso é mais do que eu esperava.
— Pelo que parece, você se surpreende fácil. A biblioteca da sua antiga escola é muito pequena?
Ele começou a me encarar com incertezas e logo percebi que meus pensamentos falaram muito alto.
— Se não quiser responder, não tem problemas. Eu só… pensei alto.
MALDITA CABEÇA! TONTA! BURRA! EU QUERO MORRER!
Apesar de todo embaraço mental, meu rosto ainda parecia pleno, porém, o que ocorria em minha mente parecia ter se transferido para expressão dele.
— Imagina… Eu… é… Olha, não tem problema. É normal ser curioso, né? Eu estou aqui por curiosidade de saber. Então, fica tranquila. Não tem com o que se preocupar.
— Se você diz…
Eu me despedi com uma saudação e voltei para a mesa da recepção que eu estava antes. Me sentei na cadeira e respirei profundamente, antes de soltar um ar completamente arrastado.
Droga, eu quase esqueci de finalizar a leitura!
Rapidamente peguei meu telefone e reabrir o web-site com o capítulo que estava lendo. Por sorte, esses locais já tinham uma opção de retomar a leitura da última página lida.
Devido ao fluxo de leitura interrompido, eu tive que voltar 3 páginas para entender o que estava acontecendo antes do momento em que eu realmente estava lendo. Eu detestava quando isso me ocorria, pois sentia que voltava a uma realidade que não queria estar.
Quando consegui voltar a página em que eu estava e ao fluxo de leitura, eu lembrei o porquê de está tão sugada por aquele capítulo.
“Subaru, por que você não olha para mim!?”
“Meus olhos sempre estiveram mirados em você… mas o que você fez, Mie? Sim, me tratou como um estranho.”
O capítulo daquele dia trazia de volta uma antiga amiga de infância do protagonista que aos poucos foi o abandonando. Alguém que era especial lhe tratando como um mero desconhecido e deixando doces lembranças de maneira amarga.
Eu queria poder odiar a Mie, mas no fim, nós somos iguais.
Talvez me sentir representada e emocionada era o que de fato me sugava lá. Aquele maldito enredo me prendia, pois era como se fossémos feito um para o outro. Eu perdia a noção de que aquilo não era real, pois, para minha mente, aquele era mais um momento real.
Apesar dessa montanha russa mental, meu foco na leitura ainda se mantinha. Continuei lendo, até que pude ver o botão que dizia:
ÚLTIMO CAPÍTULO ALCANÇADO VER OUTRAS OBRAS PARECIDAS |
Eu suspirei mais uma vez, de volta ao mundo real. Larguei o telefone em cima da mesa com a tela virada para cima e encarei o teto.
— Por que só escreveu isso?
Questionei o autor, mesmo sabendo que ele não me responderia.
— Como sabia que eu escrevia?
Hã? Essa voz pareceu tão real agora…
— Não, sério, como sabia?
Senti que a voz vinha de trás e quando virei minha cabeça para trás, tomei um susto que me fez balançar a cadeira e cair na direção dele.
Por favor, nunca te pedir nada, faça o clichê do “Te peguei! Ufa, essa foi por pouco”
É claro que a vida real continua sendo vida real e minhas preces não foram ouvidas. Eu caí junto da cadeira, mas por sorte, apenas senti meu braço doendo por ter sido o primeiro a ter contato com o chão.
— Você está bem!?
— Eu estou… eu estou.
Eu não sabia o que fazer naquela situação.
Por que esse garoto estava me perguntando algo assim? Melhor, por que ele não apenas me chamou pelo nome ao invés de me assustar!?
— Me desculpa… eu não queria te assustar. Eu só fiquei curioso mesmo.
— Eu já disse… eu estou bem — comecei a limpar meu blazer — Mas curioso com o que?
— Com o que!? Você sabe que eu escrevo! Como eu não ficaria curioso?
— Hã?
— Eh?
Nós dois nos encaramos por alguns segundos breve. Ele havia dito algo que não fazia sentido algum para mim e, ainda assim, ele aparentava tão perplexo quanto eu.
— Não sei do que você estava falando.
— Então você não estava falando sobre esse livro do telefone?
— Sim, eu estava.
Eu comecei a tentar raciocinar mais até que…
— Espera, espera, espera, espera. Não me diga que… você escreveu isso?
— Você não sabia!?
Ele estava corado. Eu estava corada. Nós estávamos corando. Éramos dois tomates vermelhos.
Ei, desde quando minha cabeça começou a pensar tão ruralmente?
— Eu quero morrer!
— Espera aí, não diga seus pensamentos tão alto, Aikyo-kun.
— Foi mal. Às vezes, sou sincero demais. Droga…
Ele começou a evitar a olhar para mim, mas uma energia (curiosidade) fluiu em mim que pedia para que eu continuasse.
— Então foi você mesmo que escreveu?
— Sim…
Hã? Espera… ele é um aluno do Ensino Médio!? Isso… tipo… autores não são pessoas velhas e sábias com diversas experiências!?
Naquele momento entrei em choque com as informações que vinham de maneira abrupta e que conflitavam com os estereótipos que eu possuía. Vê-lo falar aqui ainda não me fazia cair em mim.
E eu criticando ele… hã? Espera… quando eu estava no Ensino Fundamental, já era publicado, então… ele escreve desde o fundamental!? Ele é algum tipo de Kenzaburo Oe? Me desculpa por duvidar, Deuses da escrita!
Então ele era o escritor… ele era Ren Hayashi. O motivo pelo qual me fazia ter um dia melhor ou pior. A razão pela qual meus últimos meses não tenham sido tão nebulosos.
Em uma reação inconsciente, eu me levantei e quando menos percebi, eu estava o abraçando.
— Hã? Você está mesmo bem? Espera, eu vou chamar um professor.
Aquele era um bom sentimento. Eu sabia que minha atitude era louca e sem motivo, mas eu não conseguia sentir vergonha de mim naquele momento. Eu apenas sentia alívio.
— Não precisa… eu só estou meio… tonta. Além disso, você nem sabe onde ir.
— Então vamos até lá. Eu não vou sair daqui.
Eu o soltei e ele começou a me acompanhar. Minha cabeça estava fervilhando de informações. Havia muitas coisas que eu queria entender e gostaria de perguntar. Por sorte, Aikyo começou a falar antes que eu reunisse coragem.
— Se não estiver bem em responder, não tem problema, mas você ler “Confidentes de si”?
— Sim. Este é meu livro favorito.
— E você não sabia que eu escrevia?
— Também tem isso. Naquela hora eu só estava murmurando. Eu queria ler mais um capítulo, mas não havia outro — nós fizemos uma pausa silenciosa e logo presumi o que ele estaria pensando — Eu sei. Sou uma devoradora de livros, como dizem.
— Não era nisso que eu estava pensando… É que… sabe… é a primeira vez que converso com alguém que leia esse livro… claro, além do editores e todo esse pessoal de editoras — Aikyo começou a coçar a cabeça.
— Aliás, muito obrigado por ter começado a escrita dele. Tem sido uma das melhores coisas que me aconteceu ter conhecido ele.
— Ah, muito obrigado — ele respondeu sem muito jeito.
— Ren Hayashi corando com elogios? Pensei que já estivesse acostumado.
Ele então, novamente, ficou corado. Minha intenção era continuar uma conversa de maneira cômica, mas a julgar pela sua reação, parecia que eu estava tirando sarro dele.
— Peço desculpa por isso. Eu não estava te julgando. É só que imaginei que já estivesse acostumado com isso.
— Ah, não, não. Só me pegou desprevenido… Então, tem algo que você realmente goste muito no livro?
— Eu diria que eu consigo me sentir bastante conectado com os personagens e o enredo.
— Sério?
— Uhum. É por isso que eu tenho admirado seu trabalho ultimamente.
— Entendo.
— Ah, a sala é aquela ali no final no corredor. Se quiser, eu continuo daqui.
— Tu tem certeza?
— Sim.
Ele me encarou por um instante, até que suspirou e disse:
— Sem chance. Vou ficar me remoendo na cama até que chegue a segunda-feira.
— Também não é pra tanto!
Nós continuamos nossa caminhada por mais 50 metros, até que chegamos na sala e ele chamou pela professora Takahashi. Ela veio correndo, mas suspirou aliviada ao me ver.
Talvez ele tenha aumentado o que aconteceu…
Nós nos despedimos e logo o vi saindo em caminhada pelo corredor agora iluminado pelo sol que sumia aos poucos pelo horizonte e deixava luzes de sol de um tom laranja naquele corredor.
Takahashi me perguntou sobre o que havia ocorrido e eu expliquei tudo. Desde minha chegada até meus murmúrios. Só havia uma coisa que eu não havia contado sobre: o abraço.
Desculpe, sensei, mas todos temos segredos que ninguém, nem mesmo você, pode saber.
Eu encarei o corredor mais uma vez, mas ele já não estava lá. Apenas esbocei um sorriso e disse em um sussurro:
— Obrigado por me visitar hoje.
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