CAPÍTULO 2 - Quem realmente é você?
- AKEMI FTL
- 23 de out.
- 23 min de leitura
— Bia, Você está bem?
— Eu tô bem, mãe.
— Que bom! — minha mãe disse e logo em seguida me abraçou com força — Fiquei com medo quando disseram que você havia batido a cabeça.
— Tem certeza que não falaram do meu braço? Até onde sei, braço é “ude”.
— Então você machucou o braço? Tem certeza que não quer fazer um raio X?!
— Mãe, ela disse que tá bem — Kaito que passava pela porta do meu quarto, tentou me ajudar — Além disso, eu agradeceria se falassem mais em japonês…
— Me desculpa, Kaitozinho. Vem aqui — Ela disse enquanto se preparava para um abraço.
— É desse tipo de coisa que eu estou falando! — Kaito começou a se afastar.
— Essas crianças crescem tão rápido.
— Ou talvez a senhora esqueça que crescemos — disse com um sorriso no rosto.
— Okay. Se você está bem, acho que hoje eu irei trabalhar. Se sentir um incomodo forte ou algo de estranho, me ligue.
— Mãe, eu sei me cuidar.
— Mas ainda sou sua mãe — Ela disse saindo do quarto e Kaito entrou.
— Ela realmente não se parece nada com uma japonesa.
— Bem, ela veio do outro lado mundo, então é de se esperar algo muito diferente. E fique tranquilo, quando falamos em português não é porque estamos falando coisas terríveis, é que ela quando fica muito emocionada esquece como se fala japonês.
— Ela precisa melhorar muito nisso. Não sei como ainda a mantém no emprego.
— Infelizmente eu sei…
— Hã?
— Não parece, mas nossa mãe tem uma beleza invejável.
— Mas nunca será como a Kotoko!
— Pare de comparar nossa mãe a uma personagem de mangá.
— Desculpa…
— Mas não se preocupe. Eu estou bem. Melhor, pai logo estará chegando da reunião, então é melhor garantir que o ambiente estará impecável.
— Verdade.
Kaito saiu em direção ao seu quarto, pois ele nos havia encontrado após sair do banheiro.
Eu encarei a janela do meu quarto e observava o resto do sol que ainda restava no céu, quase que completamente escuro. Há muito anos, eu não me imaginava nesse tipo de situação, mas agora eu me sentia parte daqui.
Já faz quase 10 anos que estou aqui…
Sendo despertada dos pensamentos internos por conta de uma notificação do telefone, fui em direção a nossa cozinha.
A mensagem era da professora Takashi, que gostaria de saber se não houve algum problema que não havia notado anteriormente. Eu a despreocupei, mas ainda assim, ela insistiu para a procurar depois da aula no dia seguinte.
Já na cozinha, eu observei que havia 2 pratos com o jantar e um bilhete falando para que eu e Daisuke comessem. Era algo simples, mas isso sempre me fazia lembrar do quão incrível minha mãe é.
E pensar que ela quase desistiu de tudo aqui mesmo.
Eram tempos sombrios que não voltavam mais. Por isso, eu deveria estar mais feliz agora. E realmente estava. Porém, o motivo era outro.
Então Ren Hayashi é um estudante da minha escola, hein?
Diante de tudo que estava ocorrendo, eu havia esquecido desse detalhe. Nesse momento, minha cabeça começou a fervilhar, trazendo um mar de pensamentos sobre tudo que houve.
Espera! Ele estuda comigo!? Eu ainda não consigo lidar com isso… Tipo, ele estuda comigo. O homem viril e anjo que me consola todos os dias viverá no mesmo espaço que eu?! Okay, se acalme, Bia, se acalme… Eu não consigo! O que eu faço? O que eu faço?
— Cheguei.
Será que eu estava fedendo? Não, espera, eu literalmente levei um tombo e mostrei o quão patética eu sou? Burra, idiota, morra!
— Beatriz?
Ele deve pensar que sou alguma fã maluca e nunca mais irá querer chegar perto de mim… Por que eu tenho que ser assim?
— Beatriz?
— Eh? Ah, oi… Bem-vindo de volta.
— Sua mãe me contou sobre o que aconteceu na escola? Você tá realmente bem.
— Sim, pai. Eu estou bem. Só estava meio perdido nos meus pensamentos — disse soltando uma risada de desespero.
Da próxima vez vou deixar pra lembrar dessas coisas quando estiver no quarto.
— Ainda bem. Sua mãe disse que sua professora havia avisado e ela estava quase que teleportando pra escola quando soube.
— Bem, ela chegou bem rápido por lá.
Nós dois rimos.
— Fico feliz que esteja bem. Falando em bem, eu ficarei bem quando jantar. Tem alguma coisa para comer?
— Ah, a mãe deixou algo pronto — eu apontei para o prato — Ela fez antes de sair.
— Isso mesmo depois de ter saído até a sua escola… Vou ter que me esforçar muito pra recompensar ela.
— Só levar ela pra praia. Ela gosta muito disso.
— . . .
— Hm?
— Vamos trocar de assunto, sabe…
— Não me diga que-
— Não, não é isso.
Ele definitivamente já está com ciúmes por uma situação que nem aconteceu.
Ele foi até o banheiro para lavar as mãos e eu apenas continuei a me preparar para comer. Peguei os talheres e agradeci pela comida.
Hm… Delicioso como sempre.
Ela havia preparado um Teishoku. Nada muito elaborado, mas quando se tratava de cozinhar, ela sempre era a melhor pessoa que eu conhecia.
Acho que estou entendendo o medo dele…
♢♢♢
O trajeto para escola consistia em uma pequena caminhada de 8 minutos até a estação de Shōnandai, seguido por mais 7 minutos até a estação de Mutsuainichidai-Mae. A combinação com uma pequena caminhada de 5 minutos até a escola.
Eu sempre me certificava de sair de casa mais cedo, pois a rua que levava a escola era estreita, fazendo que em horários próximo ao começo da aula, aquela rua se tornasse um mar de estudantes.
Naturalmente, eu sempre era alvo de olhos alheios. Não era comum ver alguma aluna andando durante aquele período, especialmente sozinha.
Eu já não me importava com os pensamentos alheios, no entanto, o espanto não era por ver uma garota estudante sozinha no trem, mas sim duas garotas estudantes no trem em um horário incomum.
— É sempre assim?
— Bem-vindo a minha vida.
A pessoa que perguntava era Haruka Saito, minha amiga e mais nova companheira de trem em momentos incomuns.
— Você normalmente chega próximo do horário da aula, então o que aconteceu hoje? — Perguntei a Haruka, tentando entender.
Mais cedo, eu havia recebido uma mensagem dela dizendo que precisava falar comigo, mas que preferiria falar pessoalmente.
— Queria poder falar depois da aula, mas eu já havia combinado de sair com Takahashi depois da aula.
— Então você veio para se gabar do seu encontro?
— Não é isso, mas tem a ver com o encontro.
— Tem?
— Sim… O Takahashi começou a iniciar leitura por conta da faculdade. Ele disse que começou para ajudar nos estudos, mas acabou virando um hobby.
— E onde eu entro nisso?
— Você teria como me recomendar algum livro para que eu e ele conversasse sobre? É que eu não quero ficar para trás.
— Uau, nossa senpai é mesmo muito direta quando se trata do grande amor da vida dela.
— Pare de falar de mim.
Eu ri timidamente, mas aquela situação trazia um lado fofo da Haruka que não víamos tão constantemente devido a sua postura madura.
— Bem, você disse que ele estava aprendendo inglês, certo?
— Sim… por que?
— Bem, tem um livro brasileiro, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", que tem uma versão em inglês. Seria bom para você, já que você é fluente em inglês e pode se gabar de saber algumas coisas sobre o Brasil para ele.
— Mas eu não sei se ele vai curtir…
— Ele gosta do surf, certo? Se ele quiser participar de competições internacionais, vai ter que aprender inglês. Além de que tem um brasileiro famoso que é campeão de surf… Bem, acho que no mínimo ele estará predisposto.
— Você acha mesmo?
— Sim.
— Isso não é algum tipo de… hm… patriotismo exagerado, né?
— Você fala como se eu super amasse o fato de ter nacionalidade brasileira.
— E não gosta? Você meio que é sempre o centro das atenções.
— Para o bem ou para o mal… o real problema é que quase sempre não é um tipo de atenção boa.
— Tipo de pervertidos?
— Sim… Mas acho que esse tema em si não tem nada a ver com nacionalidade… Mais importante, eu tenho uma cópia na biblioteca. Se quiserem passar lá, fiquem à vontade.
— Tenho que falar com ele antes. Ele me chamou para ir numa livraria no caminho de casa.
— Moram pertos e ainda vão ter um encontro numa livraria? Eu te odeio, senpai — disse com um sorriso torto, que contracenava com minhas palavras de ódio.
— Você fala de mim, mas sempre está flertando com aquele Ren Hayashi…
— Gsfnh!
Diante da fala de Haruka, eu torci e me engasguei ao mesmo tempo em surpresa com a citação dele.
— Tá bem, Bia?
— Só engoli saliva do jeito errado.
— Isso é mesmo possível!?
— Ignorando isso, o Ren… ele nem… é uma pessoa real… — disse evitando encarar o rosto dela — Então não é como se eu… como se eu pudesse sair ou algo do tipo.
— Eu não duvidaria nada se você já o conhecesse e por isso é tão gamada — disse ela e bufou — Só espero que ele não seja casado. Não quero ver você sendo motivo de divórcios.
— O que é que você pensa que sou?
Nós duas começamos a rir e logo vimos a próxima estação em nosso campo de visão. Percebendo que logo nossa conversa naquele trem terminaria, nos levantamos e fomos em direção a porta.
— Ah, Bia, só esqueci de te perguntar… Você tá mesmo bem? Digo, você foi pra enfermaria ontem.
— Tô bem. O Re-digo, um garoto me ajudou e acabou exagerando em falar sobre meu estado.
— Um garoto na biblioteca? Isso é raro…
— Na verdade, é raro qualquer pessoa ir lá.
— Será que a nossa brasileira está arrasando corações? Hein? Hein? — Ela disse arqueando as sobrancelhas em tom de provocação.
— Essa brasileira aqui terá o enorme prazer de dizer “Saia daqui, pervertido”.
— Essa é a nossa zumbi devoradora de livros enormes que eu conheço.
— Você aumentou o apelido de novo!? Não tem jeito… “Haruka, não importam o que digam, eu sempre-”
— Aqui não, Bia!
♢♢♢
A sala de aula tendia a ser um lugar ambíguo. Existiam aqueles que ficavam em suas próprias cadeiras, seja conversando ou revisando algum assunto e existiam aqueles que faziam da sala um grande ginásio, andando por todos os cantos e curtindo a juventude.
E eu faço parte do primeiro grupo, aqueles que ficam sentados.
Haruka e Airi, sentadas em suas cadeiras, apreciavam uma conversa sem me inserir. Elas não fizeram isso porque não gostavam de mim, mas porque respeitavam meus momentos solitários.
Talvez seja por isso que aturo as implicações delas…
O sinal tocou, indicando que logo nossa professora chegaria. Restando apenas 2 minutos, todos começaram a se acomodar em suas cadeiras, foi neste momento que Airi se dirigiu a mim.
— Ei, ei, ei, Bia. Ficou sabendo alguma coisa sobre aluno novo?
— Hã?
— A professora Takashi não disse nada pra você?
— Por que ela diria?
— Bem, vocês são bem… próximas?
— Eu não chamaria isso de próxima.
— Só seja objetiva, Airi — confrontou Haruka suspirando fortemente — Sabe, ficamos sabendo que tem um aluno novo para nossa turma.
— Sério? Não fiquei sabendo disso.
— Talvez seja só um mal entendido, mas a Airi ficou sabendo ontem pelo LINE.
— Eu invejo vocês duas, extrovertidas e sociais.
— Sabe, se você parasse de bajular o Hayashi, você veria que o mundo é mais simples — disse Airi dando um sorriso maléfico.
Eu? Bajular? Quando?
— Às vezes você esquece que facilmente se daria bem. Tem conhecimento, fala bem japonês, se o problema for atenção feminina, eu te garanto de que não vai faltar atenção masculina.
— Eu passo.
— Hm… Sei que pode ser um pouco insensível da minha parte, mas por acaso alguém tá fazendo bullying com você? — perguntou Haruka.
— Por causa da minha mãe? Não, de jeito nenhum.
— A mãe dela?!
— Por favor, dá pra ser mais sensível, Airi?
— Eh? Então tá, senpai…
— E para com os apelidos.
— Mas é um apelido legal.
— Cala boca, zumbi devoradora de livros enormes da biblioteca.
— Ei, não era até “enormes” lá no trem?
Nossa pequena discussão boba foi interrompida pelo presidente da classe, Ayao Komatsu, que anunciou a chegada de nossa professora.
Assim que ela entrou, nos levantamos, saudamos e desejamos uma boa aula. Nossa rotina normal começaria com uma lista de presenças a serem preenchidas, no entanto, apenas guardou seu caderno em cima da mesa e pediu a atenção de todos.
— Apesar de estarmos no final de setembro, houve uma transferência de um aluno via exame escrito.
Neste momento, todos se entreolharam, enviando mensagens com seus olhares, mas ninguém ousou cochichar, pois estavam atentos ao novo aluno.
Os exames escritos para transferências eram extremamentes rigorosos, mais do que os exames de admissão. Se alguém conseguiu alcançar tal nível, poderia ser considerado um gênio.
A última vez que isso aconteceu deve ter sido no fundamental…
— Por favor, entre e se apresente.
De repente, um garoto entrou na sala, trazendo consigo elementos da qual eu já conhecia.
Hã? Espera…
O garoto que havia entrado, já havia interagido comigo antes. O nome dele era…
— Prazer, eu me chamo Daiki Aikyo. Eu diria que gosto de esportes e minha matéria favorita é matemática. Espero me dar bem com todos.
O QUE!? COMO ASSIM? ELE TÁ NA MINHA TURMA?!
Neste momento, entrei em completo desespero. O meu escritor favorito, o mesmo que havia me visitado um dia antes, agora estava na frente de toda a turma.
MUITA CALMA BIA, MUITA CALMA… ISSO É BEM COMUM EM COMÉDIA ROMÂNTICAS. CLARO, CLARO, ATÉ MESMO ACONTECEU ALGO PARECIDO NO 2º LIVRO DELE. ESPERA, O QUE ACONTE…
Nesse momento lembrei que em seu segundo livro, havia uma cena onde uma amiga de infância do protagonista. Também nesta mesma cena, a garota ia em direção falando que conhecia o protagonista e deixando um mal entendido.
NÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO! ELE NÃO PODE DIZER “Ah, oi minha leitora preferida, achou que eu ia esquecer dessa linda donzela?”. ESPERA, ISSO NÃO É HORA PRA FICAR IMAGINANDO COISAS ASSIM, CABEÇA ESTÚPIDA, BURRA, IDIOTA!
Nesse momento, fiz toda questão de me tornar invisível, ficando atrás da Yamada, que atraia mais atenção do que eu.
— Bem, se alguém tiver alguma dúvida, agora é a hora.
O representante da classe levantou a mão e logo a professora o deixou perguntar.
— De onde você veio?
— Venho de Kamakura, mas recentemente me mudei para Shonan-machi devido ao trabalho do meu pai.
Nesse momento, Airi olhou para mim e cochichou.
— Esse não é o mesmo bairro que o seu?
Fui descoberta!?
— Hã? É… É… Sim, mesmo bairro — disse contorcendo meus lábios.
— Você já viu ele alguma vez?
— Definitivamente não.
Outra garota levantou a mão.
— Como escreve seu nome.
— Aikyo é com os kanjis de Amor e Respeito e Daiki é com Grande e Brilhoso.
— Ótimo, acho que isso resume muita coisa. Se quiserem saber mais, aguardem o intervalo para isso — nossa professora anunciou — Por favor, se sente na última fileira. Depois das férias de inverno, iremos reorganizar as cadeiras, então até lá, tu vai ficar em uma daquelas duas.
— Sim, professora.
Ele começou a analisar qual deveria escolher enquanto caminhava lentamente em direção a última fila.
Última fila?
Eu me sentava na anti penúltima fila, devido a nossa organização ser baseada em nossos sobrenomes. Olhei para trás e observei que a Watanabe havia faltado, além disso umas das mesas disponíveis era atrás dela.
Bem, ao menos não vou precisar interagir diretamente.
A outra mesa disponível fica próxima a porta do fundo da sala, devido a saída de um aluno.
Bem, acho que ele vai escolher aquela próxima da porta, afinal, se ele estiver com pressa, será bem conveniente.
Nesse momento, com ele observando para onde ir, seus olhos encontraram o meu campo de visão e logo ele abriu um sorriso.
Hã?
Ele suspirou levemente e começou a se aproximar mais. Era quase como se irradiasse uma áurea escrita “felicidade”. Ele se aproximava cada vez mais.
Ele tá feliz por me ver? Hm… Bem, eu sei que eu deva ser a única pessoa conhecida por ele, mas isso não é demais não? Se bem que é o Ren Hayashi, então até que estou gostan- Pare com isso, idiota.
Quando ele enfim se aproximou da minha cadeira, eu temia pela reação. Uma parte de mim queria dar boas vindas para ele e dizer o quanto eu era fã, mas havia uma outra parte de mim que queria que ele apenas seguisse adiante sem me notar.
Se souberem que é o Ren, todos vão começar a fazer de mim uma grande piada viva, além de ficarem dizendo que formaríamos um bom casal, mas em um tom pejorativo. Eu sempre falei o quanto gosto dele e ele tá aqui!? Espera, isso não é a pior parte! E se falarem dos meus defeitos!? Não, ele não pode me notar!
Diante do meu delírio interno, acabei não percebendo que ele havia reconhecido um antigo colega.
— Ei, Ginji, há quanto tempo. É ótimo ver você aqui.
Não, não fui eu quem trouxe essa felicidade…
— Ah, você está aqui também. Desculpe não ter te notado antes.
Ele coçou a sua nuca e sorriu forçadamente, como se tivesse constrangido por não ter me notado.
Eu apenas acenei minha cabeça e virei para frente. Minha expressão era séria, como havia sido nos últimos 15 minutos, no entanto, em minha mente, eu estava em completo desespero.
Por sorte, a maioria havia interpretado aquilo como uma falta de tato por não ter notado a garota que estava em seu campo de visão.
♢♢♢
— Com isso, a nossa aula finaliza. Lembre-se de se manterem comportados até a chegada do próximo professor.
Com a instrução do líder da turma, todos nós nos levantamos, saudamos a professora e agradecemos pela sua aula.
Takashi parecia satisfeita com os acontecimentos de hoje, mas, apesar disso, boa parte da turma não parecia satisfeita com a aula de hoje.
— Ufa… Parecia que a professora Takashi estava empolgada hoje. — falei e logo suspirei, me esticando sentado na cadeira.
— Sim… — Airi bufou.
No momento em que olhei novamente para minha professora, ela apenas me deu um sinal para se aproximar dela.
Isso era estranho, afinal, ela sempre se comunicava comigo apenas quando eu precisava a ver na sala dos professores, fosse para pegar a chave da biblioteca ou a devolver.
— Suzuki-san, reserve um tempo depois da aula. Não precisa ser logo após a aula caso precise ir a biblioteca, pois hoje estarei aqui por mais tempo. Só não esqueça de avisar aos seus pais disso.
— Certo, Takashi-sensei.
Ela se despediu de mim e saiu de nossa sala de aula.
Ela quer ter uma conversa? Mas, não ocorreu nada estranho nesses dias…
Decidi ignorar tudo e retornar para minha mesa. Nesse momento, os olhares curiosos de Airi e Haruka me atingia com enorme precisão.
— Levou bronca? — indagou Haruka.
— Não, ela só estava me contando novidades da sua vida amorosa. — falei em tom irônico.
— Então ela arranjou um namorado? — Airi indagou.
— Hã?
— Tipo, ela passou muitas atividades hoje.
— O que entregar mais atividades tem a ver com namorados? — Haruka retrucou.
— Não tem?
— Acho que não. No máximo viria mais feliz ou disposta a ajudar os alunos, mesmo os mais problemáticos.
— Pois é…
Airi olhou para trás, observando o nosso novo aluno. Naquele momento, ele já estava rodeado por alguns alunos curiosos sobre ele.
Honestamente, essa deveria ser uma atitude normal, no entanto, isso parece mais um inferno disfarçado de apreço.
— Olhando melhor, até que ele parece interessante — declarou Airi.
— Interessante? — Perguntei em um tom de dúvida.
— Sabe, além de ter vindo de Kamakura, é estranho alguém gostar de esportes e cálculos. Normalmente é um ou outro, nunca os dois. Se ele for bom nos dois, com certeza ganhará muitos créditos com a turma.
— Mas não com você, Airi?
— Eu não sei… eu teria que analisar bem. Ao menos, até que ele é bonitinho.
— Eu não acho isso!
Nesse momento, eu aumentei meu tom de voz. Isso não passou despercebido pelas minhas duas amigas.
— Bia, tudo bem?
— Eu tô bem… É que… tipo… ainda é um garoto. Ele só deve tá tentando fazer uma boa estreia aqui. Talvez ele tenha feito esse showzinho para atrair as garotas. Certo, certo, com certeza é isso. Nem se iluda, ele com certeza é um mulherengo.
— De onde você tirou isso? Mas, bem, não me espantaria ele estar apenas atuando… — Airi inclinava sua cabeça verticalmente, indicando que concordava com minha fala.
— Bia, você precisa ser menos generalizadora quando fica flertando com um homem que nunca viu….
Nesse momento, Haruka voltou a falar, me fazendo perceber a hipocrisia que havia saído da minha boca. Como resposta a tudo aquilo, apenas me silenciei, sabendo que era uma batalha perdida.
Maldita lógica e razão.
— A próxima aula é de que mesmo? — perguntei.
— Matemática. — respondeu Airi.
— Bem, se for só uma encenação, ele irá ser desmascarado daqui a pouco.
♢♢♢
As aulas de hoje estavam encerradas ao som do sinal clássico que eu ouvira desde que cheguei aqui no Japão. Nesse momento, meu coração estava em um estado bipolar.
Temerosa pelo motivo pelo qual a professora gostaria de falar comigo e ansiosa para falar mais sobre livros com Haruka.
Isso ainda parece estranho… Bem, preciso agradecer ao Takahashi por seu interesse repentino por livros.
— Faz um bom tempo que não venho aqui.
— Especialmente após um certo homem lhe roubar de mim.
— Não fale como se eu esquecesse da sua existência. Você ainda é minha amiga.
Eu apenas ri, afinal, eu estava a provocando. No entanto, apesar de ser sempre séria, ela exibia um lado fofo em momentos assim.
Takahashi, você é um cara de sorte.
— Bem, falando sobre livros, tem algum tema que você goste ou já viu alguma coisa que te interessou?
— Hm… Eu cheguei a ver algumas indicações no instagram, mas não sei se é apenas fama ou se é bom de fato.
— Deixe-me ver.
Ela pesquisou a publicação salva em seu telefone e comecei a ver a lista. Ela apontou para Hobbit, um clássico dos anos 30, porém mundialmente conhecido devido uma trilogia de filmes.
— Eu tenho uma cópia aqui, no entanto, confesso que pode te afastar da leitura. Mesmo para mim, uma leitora acostumada, às vezes eu preciso reler alguns trechos, além de que…
— Isso é maior que nosso livro de linguagem japonesa!
— Por favor, não grite tão perto de mim. — eu estava com as mãos na minha orelha — Como disse, pode ser muito complexo ou grande. Por isso tenho algumas recomendações a depender da sua preferência que pode ser boa para o Takahashi.
Ela começou a pensar por um momento, no entanto, comecei a me preparar mentalmente com alguns possíveis livros me baseando no que ela gostava com séries e filmes.
— Eu gosto de romance ou de comédia, mas ele provavelmente não… Então acho que algo como aventura ou mistério seria algo que poderíamos engajar de verdade.
— Eu esperava ter mais dificuldades, mas tenho um livro perfeito.
Eu a levei para o corredor de livros estrangeiros, afinal, ela já havia mencionado o aprendizado nele no inglês, então nada mais justo do que um livro inglês.
— Esotarenju…
— Strange case of doctor jekyll and mister hyde… Você ainda precisa melhorar a sua pronúncia.
— Eu não tenho culpa se vocês tem uma fonética tão estranha.
— Você fala isso, porém até onde sei o português deriva dos romanos e não dos germânicos.
Ela fez um bico com a boca, em um tom claro de irritação por ser contrariada. Eu apenas ignorei, apesar de achar fofo.
— Bem, é bem mais curto que aquele e mais fácil de entender. Quero dizer, eu ao menos nunca precisei reler qualquer parte desse livro. Tem uma versão em japonês e inglês. Qual prefere?
— Posso levar as duas?
— Não recomendo, afinal, você teria 2 semanas para ler ambos. Mesmo que renove, você estaria tirando a possível leitura de alguém.
— Você tem razão… então, acho que levarei a versão japonesa.
— Boa escolha.
Eu comecei a preparar sua ficha, pedindo para ela atualizar algumas informações e lá estava ela ainda encarando o livro. Ela ainda parecia em dúvida sobre se ela gostaria e se o Takahashi gostaria também. Brinquei que caso não funcionasse, bastava flertar com ele que isso resolveria tudo.
Assim que ela saiu, eu me lembrei do quão vazia aquela biblioteca sempre estava e meu coração ficou um pouco amargurado.
— Eu devia tentar achar uma desculpa para Airi me visitar.
Suspirei fortemente, afinal, apesar da minha realidade rotineira, ter uma interação com uma grande amiga em um assunto em que me engajo tanto foi uma excelente experiência.
Falando em amiga, o Ren não veio hoje…
O garoto que eu havia conhecido ontem, o mesmo que havia entrado em nossa escola, além de fazer parte da minha turma, não estava na biblioteca.
Apesar de nunca prometer nada, havia um pequeno pedaço de mim que queria o ver novamente. Outra parte, no entanto, apenas achava tudo irracional, afinal, era um mero desconhecido.
Durante esse embate interno, não pude ouvir a porta ser arrastada, tão pouco menos ser chamado em um tom baixo. Mas tudo foi inevitável quando a voz aveludada dele junto com seu rosto em meu campo de visão.
— Suzuki-san, você tá bem?
— Hã? Ah, sim. Sim. Eu estou bem. Eu só estava… concentrada em encontrar um livro para minha amiga.
— Fala daquela que saiu da biblioteca a pouco tempo?
— Você a viu? Por acaso andou me perseguindo?
— Não, é que quando estava vindo para cá, mesmo corredor não sendo enorme, dava para ver do outro lado que havia alguém saindo da biblioteca e… bem, parecia a silhueta daquelas garotas com quem você estava conversando.
— Você fica observando a todos ou só garotas do seu tipo?
— Não precisa ser alguém que faça meu tipo, é que- tá, boa tentativa, mas só foi uma mera coincidência.
— Eu estava apenas brincando, mas agora você me assusta. — falei isso e comecei a dar passos lentos para trás.
— Eu não sou um mulherengo. Além do mais, eu queria… — ele conferiu todos os cantos da sala — Hm… se não for pedir muito, preciso da sua ajuda.
— Minha ajuda?
— Sim. Há algumas cenas que não me sinto confiante em publicar.
— Hã?
Naquele momento, meu coração e minha mente estavam tão agitados quanto uma britadeira.
Ah, ele só quer um conselho…. Espera, o Ren Hayashii quer conselhos meus!? Okay, eu não estava preparada para isso! O que eu faço? O que eu faço?
Eu o encarei mais uma vez e seus olhos quase lacrimejavam, como se suplicasse por minha ajuda. Por um momento, um lapso de razão acendeu meu corpo e o indaguei sobre algo.
— Mas, você não tem editores ou revisores? Digo, mesmo sem publicar por editoras, pensei que teria alguém de confiança.
— Eu até tenho possíveis ajudas, mas eu quero a sua.
Ah, ele precisa de mim…
De repente, senti meu rosto ficar mais quente.
O meu autor preferido precisa de mim! Tô tão feliz! Pera, isso quer dizer que vou receber spoilers?! Não, isso é muito ruim. Mas… é o Renzinho… Droga, eu não sei o que fazer!
Nesse momento, entrei em um debate interno. Eu podia visualizar claramente um julgamento ocorrendo em minha mente e a juiza era…
Ela sou eu?
Podia ver uma mulher mais velha com seus cabelos brancos, porém, ela claramente tinha todas as minhas feições. Eu estava no centro sendo julgada.
Olhando para trás, à minha direita havia uma versão minha não tão velha, talvez no auge da vida. Ela vestia um terno, passando um ar de imponência, no entanto, seu olhar não era julgador, mas protetor.
A minha esquerda, havia uma outra versão minha, mas era uma…
Criança?
Por alguma razão, lá estava a minha versão mais nova. Porém, ao contrário da minha versão imponente, seu rosto fofo não condizia com seu olhar de julgamento.
Por que eu ainda crio situações assim? Melhor, por que diabos eu estou aqui!?
— Vamos começar o julgamento. O caso envolve a Beatriz verdadeira e a razão seria ajudar o Ren Hayashii. — disse a minha versão mais velha, mostrando ser a verdadeira juiza aqui — Quem irá começar?
— Eu irei começar. — levantou a mão a versão que estava à minha direita, a versão adulta.
— Prossiga.
— O Ren tem sido fundamental nesses últimos 2 anos e temos demonstrado apoio de todas as maneiras, então seria justo sermos recompensados com isso. Digo, ainda é o Ren apesar de ser apenas um aluno aqui.
— Para mim, há coisas melhores a se fazerem, afinal, ele é só um garoto. — falou a minha versão mais nova — Sabe, há muita coisa para fazer e vamos perder tempo aqui com ele. Além do mais, qual a graça de ler algo que já sabemos como será? Então a leitura é meio inútil.
— Protesto! Como assim inútil?
— Ordem no tribunal. Não comecem uma discussão sem que eu permita. Bem, vamos ouvir algumas testemunhas. Nós temos aqui a “leitora”.
— Leitora? — eu indaguei.
Nesse momento, vi que ao lado da juiza, sentada em um local mais baixo, estava uma garota. Ela se parecia comigo, no entanto, não possui um rosto. No lugar do seu rosto estava escrito “読者”.
— Oiê!
— Leitora, é verdade que você gostaria muito de ler o manuscrito antes de todos?
— Sim! Eu adoraria.
— E o que te impede disso?
— Nada. Essa é a minha verdadeira vontade.
— Juíza, acho que isso seja suficiente.
— Protesto! Vamos mesmo escutar uma pessoa que nem rosto tem?
Isso aqui é muito estranho. A criança parece sensata. A adulta parece querer ser conveniente e a juíza mais velha não sabe o que fazer… nem irei mencionar a garota sem rosto.
— Calem-se! Eu sei o que fazer.
Me desfiz de todo meu cenário imaginário e voltei para a realidade. Não havia várias versões de mim, mas apenas eu, Aikyo e a biblioteca.
— Sei que você quer minha ajuda, Aikyo, porém eu ainda sou apenas uma leitora. Me mostre a cena e darei minha opinião como leitora.
— Isso já é mais do que suficiente para mim.
Ele disse isso e começou a mexer em seu telefone, parecendo procurar por algo.
Ele não escreveu em algum caderno?
Apesar da minha indagação, não seria nenhuma surpresa caso ele realmente fizesse tudo pelo computador ou pelo telefone, afinal, já estamos no século 21.
Ele me entregou o telefone e lá estava a cena. Mie, a garota principal, estava observando Subaru, que estava participando do festival esportivo. Subaru estava participando de uma corrida de 100 metros e…
— Espera um pouco… Mie cada vez ficando mais apaixonada porque o Subaru tava correndo bem?
— Sim. Isso não é normal?
Ele é o mesmo Ren, certo?
— Só se você tiver fetiche por pernas rápidas…
O rosto dele se contorceu e Aikyo entrou em choque. Provavelmente, ele havia pensado que seria uma boa ideia um cena como aquela.
— Honestamente, se fosse uma cena cômica, eu não diria nada sobre, mas ficou um pouco estranho. Digo, ela não parece ser o tipo de garoto que iria se impressionar com algo assim…
— Sério?
— Talvez fosse melhor alguma cena que exalte a melhor qualidade dele.
— A melhor qualidade do Subaru…
Isso mesmo, Beatriz, você mandou bem!
— Já sei, ela vai ficar mais apaixonada pela sua habilidade de fazer panqueca!
Hayashi-sensei, você tá se ouvindo!?
— Tô brincando… é claro que eu não faria isso, mas vou precisar pensar mais depois.
— Veio aqui só para isso?
— Hã? Ah… — seu rosto tomou um ar arrogante — Você queria que eu viesse te ver?
— Eu queria que você me deixasse ter meu momento de leitura.
— haha.
Aikyo começou a rir e eu não sabia dizer o porquê, mas logo ele tomou sua compostura e voltou a falar.
— Na verdade, vim aqui para pegar algumas referências e descansar um pouco.
— Descansar? Se quer dormir, temos uma enfermaria para isso.
— Não assim… Sabe, é meio cansativo ser interrogado o dia todo.
— E?
— Essa sala é vazia e ninguém se importou em me seguir quando disse que viria para cá.
— Eu não sei dizer se isso é algo bom ou ruim.
— Então, por favor, me deixe fugir das perguntas!
Ele abaixou a cabeça e juntou as mãos como pedido de súplica. Eu apenas respirei intensamente e respondi que ele poderia ficar por lá. Seu rosto se animou e logo encontrou um espaço para chamar de “seu”.
Quando eu pensava em escritores, a minha imagem aparecia pessoas mais velhas, cabelos grisalhos, anos de experiência na vida e um estilo de vida maluco.
Porém…
Diante de mim estava um escritor que tem sido minha admiração no último ano, porém, ele era apenas um garoto esquisito.
Eu não sei mais o que eu sei.
Apesar de todas suas loucuras e toda sua maneira de ser, minha mente e meu corpo se contradiziam a todo instante. Uma parte de mim queria o manter longe de mim, pois a biblioteca era um espaço precioso para mim. No entanto, ele ainda era meu escritor favorito apesar de não ser nada parecido com que eu tinha em mente.
Vendo Aikyo concentrado em sua leitura, me restou apenas reorganizar alguns livros, porém, a curiosidade me consumia. A todo instante, sempre que tinha uma oportunidade, eu passava perto dele, observando suas leituras e suas anotações. Ele aparentava não ter notado meus olhares.
Aikyo é esforçado… Isso eu tenho que admitir.
Eu sempre esquecia, mas diante de mim estava um escritor profissional com dois livros premiados. O pouco que ele apresentou para a nossa escola revelava que ele estava próximo do topo na casta escolar, pois tinha todos os traços de um garoto popular.
Não à toa as garotas quase pularam nele.
Isso, no entanto, contradizia aquilo que eu tinha em mente sobre alguém sendo escritor: Uma pessoa que encontrava seu lugar de fala em seus escritos.
Bem, eu soube que é bem comum no ocidente ter muitos autores, principalmente jovens, interagindo com leitores e expondo suas vidas em redes sociais.
Diante de meus pensamentos, Aikyo respirou fortemente, fechou os olhos e emitiu um som abafado.
— Hmm…
Seu som me fez afastar-se dele um pouco, tremendo que eu estivesse o incomodando. Meu corpo estava tenso e eu planejava relaxar, porém fui surpreendida por seus olhos abrindo e direcionando à mim.
— Suzuki-san.
— Sim!? — Falei alto devido ao susto do meu nome ser mencionado.
Meu corpo ficou ainda mais tenso ao vê-lo se levantar e caminhar em minha direção. Como resposta inconsciente, minhas pernas se movimentaram e meus pés deram passos para trás. Ele parou, o que deveria ser um alivio, porém ele suspirou mais uma vez e disse algo que me chocou.
— Uau…
Hein?
— A lua está linda hoje.
— Hã?
Ele tá se confessando pra mim!? Espera, ainda estamos no segundo dia! Isso não é um pouco cedo?! Espera, o que você gosta em mim? Eu só sou uma viciada em livros… mas… meu autor favorito me ama hehe.
— A lua. Olha ali na janela. — ele apontou para janela.
Eu olhei para janela. Apesar da aparência clara do céu, já era possível ver a lua. A lua estava no céu, observando aquele momento de vergonha.
— Aikyo.
— Sim… Suzuki-san?
Meu punho tomou um alvo e esse mesmo alvo saiu voando. Nem preciso dizer para onde fomos depois disso.
.png)

Muito bom, obrigado pelo capitulo